Isabel ia fazer o exame da quarta classe.
Este era feito numa escola da cidade. Os meninos que os professores achavam que estavam preparados para exame tinham de deslocar-se a uma escola do concelho para fazerem o exame perante um júri de professores. Os restantes voltavam a repetir o ano.
Todos os que queriam prosseguir os estudos depois da quarta classe, tinham que fazer uma preparação especial, e ser também avaliados na escola onde iriam continuar a estudar.
O pai de Isabel sempre lhe dissera, que se ela passasse de ano ia estudar para ser professora, se repetisse anos, ia para a costura.
Isabel mais ou menos, foi sempre passando de ano sem grande apoio de ninguém, mais empurrão daqui e dacolá, lá ia cumprindo a sua missão ano após ano. O João já andava a estudar no liceu.
Isabel tinha uma longa caminhada a percorrer. Primeiro a quarta classe e no final desse ano escolar, com a ajuda de um professor particular tinha pela frente os exames de admissão á futura escola na cidade, como era usual fazerem os meninos que continuavam os estudos.
Todos os dias ia a pé até ao fundo da aldeia, e depois o professor vinha trazê-la a casa de bicicleta, dado o adiantado da hora.
Fora assim combinado com os pais de Isabel.
Dessa altura ela não lembra nada do que aprendeu, mas nunca esqueceu o ar ofegante , o cheiro, e o gemer do professor a puxar por ela na bicicleta estrada acima. Se isso a incomodava por um lado, por outro fazia-a sentir alguém importante. Era uma perturbação interessante.
Isabel gostava de andar nessas explicações.
Chegado o dia do exame, foram todas as meninas ,e as mães e os pais ,e as professoras, de comboio até á cidade. Chegados á escola todos fizeram uma prova escrita e depois uma prova oral. Todos os rapazes e raparigas vestiam roupa nova nesse dia. Depois do exame feito, a maioria tinha acabado o seu tempo de estudo pelo que merecia uma festa. Festa com roupa nova.
O vestido de Isabel era azul. Foi a mãe que o fez e ela gostou dele.
Era hábito os miúdos que passavam no exame da quarta classe, terem uma festa em casa, feita pelos pais, com muita comida e bebida, com toda a família, onde iam sem convite, para festejar, comer, levar prenda e conviver, todos os amigos, vizinhos e familiares mais afastados. Todos eram sempre recebidos em festa e muito bem vindos.
Após a prova escrita saíram todos da sala por algum tempo, e pouco depois começaram as provas orais. Quando chamaram por Isabel, ela levantou-se da cadeira subiu o estrado junto ao quadro preto da escola e olhou para o fundo da sala. No meio de tanta gente não viu a mãe.
No intervalo ela tinha-lhe dito que ia comprar-lhe um casaco de malha e nunca mais a viu. Estava sozinha ali. Parecia que estava num palco e não se lembrava de nada. Sabia que estava só, apesar da sala estar cheia de gente. Que lhe iriam perguntar?
As professoras começaram a fazer-lhe perguntas. Português, História geografia e um pouco de Matemática.
“sabes fazer um cubo?””desenha um cubo, aí no quadro”.
Isabel fez um quadrado.”Já está”!
“Isso não é um cubo”. A professora levantou-se e desenhou para Isabel um cubo. Isabel olhou admirada. “Repete”, e a Isabel desenhou muito bem um cubo no quadro. “Podes ir para o teu lugar”. Quando regressou ao seu lugar olhou o fundo da sala e não viu a mãe. Estava preocupada e triste.
Depois de todos terem ido ao quadro, incluindo a Zézita que era de outra aula mas fez exame nesse dia, saíram todos da sala e esperaram cá fora pela pauta com as notas. Já a Isabel sabia que tinha passado,como todos os outros meninos, apesar de não saber fazer o cubo, quando apareceu a mãe com o tal casaco que afinal ela não vestiu por estar calor.
Isabel não entendia porque tinha de estar sempre sozinha. A mãe não sabia que ela aprendera a fazer um cubo durante o exame.
De volta á aldeia de comboio, formou-se um grande grupo de crianças junto á escola. Todas vestidas com os seus vestidos novos bem engomadas, e com os cabelos muito bem arranjados, tal qual tinham ido ao exame á cidade, iriam fazer o percurso da aldeia, fazendo uma visita a casa de cada uma.
Estes dias para a aldeia eram anuncio do inicio do Verão.
Um grupo de jovens enchia a rua de alegria, risos e satisfação, era sinal de festa de exames.
Tinha acabado a escola. Para muitos avizinhava-se o inicio de uma nova vida.
Todos queriam saber quem fez exame, quem acabou a quarta classe, não fosse algum presente ficar em divida. Era altura de partilha.
Em casa de cada um, colocavam-se em cima da cama os presentes recebidos, que por vezes eram autênticos enxovais. Não faltavam nunca as garrafas de anis escachado, de licor ou vinho do porto, para os rapazes. Ficava muito bem oferecer uma garrafa com copos, uma toalha ou lençol ou ainda uma qualquer peça do tão recente inventado plástico ás meninas.
Isabel andou um bocadinho pela rua com as colegas, mas em sua casa não havia festa. A mãe preparou um café ,e tinha umas bolachas e um bolo caseiro, para oferecer a alguém que aparecesse. Tambem recebeu alguns presentes, mas nada comparado com a maioria dos colegas.
Mais uma vez em sua casa não haveria reunião familiar. Isabel já estava habituada. Nem arroz de frango, nem carne assada, nem bolos de bacalhau, nem arroz doce. Mas tudo isso não importava, se á hora de jantar o pai e a mãe estivessem bem dispostos.
Isabel ainda tinha uma etapa para resolver. O exame ao liceu e á escola comercial. Fez exame nos dois locais e passou.
Nesses dias andou pela cidade com o explicador para um lado e para o outro, sem conhecer canto nem carreiro, mas tal como o João tinha conseguido vencer esta etapa, também ela consegui.
Fez todos os exames e no ano seguinte o pai decidiria para onde iria estudar a Isabel.
Provavelmente iria para o liceu estudar para ser professora, pois era sempre o que o pai lhe dizia:
“se passares serás professora, senão vais para a costura”
Era sempre isto que o pai de Isabel lhe dizia.
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