segunda-feira, 8 de março de 2010

Mudança

António convenceu-se, que o melhor para a família era fazerem como o irmão dele tinha feito. Mudar-se para a cidade com a família.
Alugar uma casa para viver poupar-lhe-ia muito dinheiro, tempo e certamente algumas arrelias. Agora que os dois filhos estavam a estudar na cidade, esta mudança tinha alguma lógica. A casa onde viviam era muito fraca, e como pagava renda a Olinda, juntando o valor dos passes de comboio e autocarro de todos, poderiam passar a ter uma vida melhor, mais perto de tudo, numa casa na cidade. Estava deveras convencido que isso seria o melhor para todos.
Para Isabel isso seria como um sonho. Sair do canto podia ser uma forma de acabar com as guerras em casa.
Muitas foram as casa que visitaram para alugar, mas todas elas bastante precárias. Queriam uma casa simples, barata mas com o mínimo de condições. A mais caricata, de vários andares, começava por ter um tanque de lavar á entrada da porta, e depois em cada vão de escada tinha uma divisão. Era uma casa com tantos andares como divisões. Mais parecia uma casa de bonecas, porque apesar de alta era muito pequena e estreita, e cheirava muito a mofo.
Graça tinha sempre defeitos a pôr a tudo. Não tinha sitio para secar a roupa, as janelas eram pequenas, não tinha quintal. Eram abafadas, cheiravam a velho. Por tudo e por nada Graça e António discutiam, sem chegarem nunca a um acordo. Isabel fartava-se de dar arrepelões á mãe para ela se calar. Depois em casa é que era o lindo!
Na aldeia a avó Olinda começou a lamentar-se da sua vida. Era uma desgraçada. Ia ser abandonada. Ninguém queria saber dela para nada. O que o avô Francisco lhe dizia, não lhe interessava e não a convencia do contrário. Esta foi uma época de discussões entre todos.
Isabel só queria mudar-se para a cidade, fosse como fosse. Estava farta daquelas discussões e de outras bem mais acesas. Qualquer sítio para onde fosse, seria melhor que estar ali no canto.
Finalmente decidiram por uma casa que não estando no centro da cidade ficava muito perto do liceu de Isabel. O pai e o João só teriam de apanhar um autocarro para chegarem aos seus destinos. A casa parecia ter tudo para começarem em paz uma nova fase. António e Graça concordaram finalmente com aquela casa. Todos estavam contentes com aquele  achado.
Na aldeia Graça, com a ajuda de Isabel, começam por encaixotar loiças e tudo o que fazia parte do recheio da casa. As roupas em trouxas e os móveis desmanchados para melhor carregar . Uma camioneta do pai da Zézita,  levou a tralha toda para a casa nova na cidade. Durante o carregamento a avó Olinda chorou que nem uma desalmada. Parece que iam todos para a guerra ou coisa pior. Nem o facto de António lhe prometer que viria vê-la todos os dias a aquietou.
Olinda era unha com carne com o filho. O facto de ficar sozinha com Francisco deixava-a desprotegida. Quando o outro filho saiu para a cidade ela até achou muito bem, ficou-lhe António que a escutava sempre.
-“Coitado do filho, com tantos filhos e a mulher sempre doente dos nervos, ia-lhes fazer bem a cidade” Concordou com tudo e não criou objecções.  António ouvia-a  sempre com mais atenção, e depois até parecia que  ela gostava de ver a vida mal vivida que o filho  levava com a Graça. Andavam os dois  sempre com mexericos. Era muito implicante.
Quem a viu ao canto naquele dia a despedir-se do filho, podia pensar que estavam todos de partida para a guerra ou pior, para nunca mais voltar. Repetia sem cessar que ia morrer, que estava sem forças, que ninguém queria saber dela.
Cenas daquelas, Isabel já costumava presenciar no Verão quando iam em Setembro para a Falésia. Mas assim  era demais e Isabel no seu intimo pensou que aquilo ainda ia dar que falar.
Graça costumava dizer que  era tudo comédia, e a fingir, o que deixava António furioso.
-"com o tempo ela vai-se habituar" dizia Graça.
Isabel não se ria, mas ia contente, por estar a sair dali. Finalmente deixava o canto , aquela avó chata, e quem sabe as discussões. Nem se lembrava das coisas das quais podia vir a sentir falta, como a amiga Zézita, mas naquele momento não levava saudades de nada. No entanto aquela confusão toda na despedida, deixou-a preocupada.
É claro que tal qual o carregar dos móveis, também o descarregar na cidade deu problemas.Tinham que  fazer tudo como o pai dizia e queria. No meio de berros e “ fala baixo, olha que estamos na cidade”, repetido vezes sem conta, as coisas foram indo para os lugares que António destinava. Ele é que sabia. Assim depois de alguma discórdia e de atribuídas as divisões aos pouco, os móveis começaram a ocupar os seus sítios e as loiças e roupas também, até que a casa ganhou forma.
Isabel tinha um quarto pequenino, que dava para a cozinha mas que tinha uma pequena janela virada para o quintal. Ali a sua cama azul pintada de azul fosco e russo, até parecia bonita. Aos seus olhos tudo tinha outro brilho. Isabel gostava do que via. Da sua cama via o limoeiro do quintal.
A porta principal da casa dava para uma sala que tinha interiormente três portas, uma do quarto da mãe, outra do quarto do João e a terceira que dava para a cozinha, e todas elas com uma janela. O quintal não era grande, mas tinha um limoeiro e uma torneira no tanque de lavar roupa. A casa de banho era no exterior, encostada á cozinha e com o seu chuveiro central, parecia o suficiente para satisfazer ãs necessidades da família de Isabel.
Mas a avó na aldeia continuava a lamentar-se. Sempre que António a visitava , chegava a casa a dizer que ela estava mal, já não ia á praça vender, tinha posto de lado o Serrado e Francisco não sabia o que fazer. Pai e filho sabiam que quando se lhe metia algo na cabeça, ela fazia-o. Agora dizia que não queria comer e queria morrer. E passava os dias na cama sem comer.
Na cidade essas noticias não eram recebidas bem por ninguém. Graça dizia sempre que aquilo iria passar, que era tudo fita. E as discussões continuavam.
Um dia não muito longe da chegada, depois de regressar de ver a mãe, sem permitir comentários, António disse:
-“ perde-se este mês de renda, mas vamos embora, vamos para junto da minha mãe, senão ela morre…”
Graça ia rebentando de raiva. Olinda tinha vencido. Isabel triste começou a pensar mal da sua vida. Ia começar tudo de novo. Para ela tudo aquilo tinha sido um sonho. Iam acabar as refeições na sala e passariam àquela cozinha negra. Tinha que voltar ás viagens de comboio...
Ambas começaram a fazer as trouxas. Tinham passado pouco mais de oito dias. O refazer das trouxas fez-se em silêncio e muitos lamentos de Graça. E a mesma camioneta que os levou á cidade, voltou a transportar a tralha á aldeia. Todos regressaram cabisbaixos.
O recolocar de tudo nos sítios foi terrível. Isabel voltou para o quarto escuro. A casa agora ainda parecia mais negra. O João não disse nada.
Passados uns dias tumultuosos e de muita agitação, a avó Olinda como por milagre saiu da cama, melhorou. Já não ia morrer. Voltou ao Serrado e á venda na praça. Parecia uma mulher nova e todos os dias á noite sempre que António chegava do trabalho, fazia-lhe o resumo do que se passara no canto.
Graça não estava bem. Queria sair dali.
Tinha herdado de uma madrinha que a criara, a casa onde a avó Teresa vivia, e começou a convencer o António que o melhor para todos era pensarem em fazer uma casa deles nesse local. Tinham muito pouco dinheiro mas haveriam de conseguir. A casa  onde estavam precisava de muitas obras, mas como não era deles, não iam gastar dinheiro a melhorá-la.
Uma casa nova longe dali. Seria bom para todos .
Renascia assim a esperança  de viver em paz, no coração de Isabel.

Sem comentários: