sábado, 13 de março de 2010

A serra

Muitas vezes o trabalho de António obrigava-o a ausências longas.
Chegou uma altura em que sendo época de Verão pensou que seria  interessante levar a família com ele. A empresa cedia-lhe uma casa para se instalarem, e como se tratava de uma zona na serra, pensou que aqueles ares fariam bem a todos, especialmente a Isabel depois da sua doença.

O sitio era realmente lindo, mas muito longe da aldeia. Afastado de tudo tinha no entanto alguns atractivos que tornavam a estadia nesse local nada fastidiosa.

Uma família com uma série de filhos faria companhia nos passeios e brincadeiras de Isabel e João, e também Graça não se sentiria sozinha, junto daquelas familias. Eram jovens que durante a época de estudos estavam na cidade hospedados em quartos ou em casa de familiares e que nas férias regressavam á sua casa na serra. Também para eles a presença de gente nova por ali era sempre bem vinda. Perto havia um lugar muito rústica onde as pessoas se conheciam todas tão bem como se fossem uma única família. Trocavam entre si os seus haveres. A broa e o pão que faziam comunitariamente eram o melhor do mundo, para não falar na sopa, prato essencial, nos chouriços e no queijo.

Nesse lugar perdido no interior da serra havia uma loja onde não faltava nada. A enxada e o martelo, as linhas, tecidos diversos e botões, batatas, açúcar e bolachas, bacalhau, chocolates ,rebuçados, nada faltava incluindo a boa disposição.

No dia combinado muito cedo, montava-se o frete das trouxas em cima do pequeno carro da família e lá iam todos parando de vez em quando, que o carro também precisava de assistência.

A casa atribuída á família era de longe melhor que a do canto, e a vizinhança muito simpática e educada. Pessoas que viviam ali porque o trabalho a isso exigia.

O que encantava mais Isabel, além dos passeios pelo lugar, onde toda a gente se prontificava a dar-lhe um pedaço de bolo gostoso acabado de fazer, ou uma fruta apanhada ali na hora, eram os passeios ao rio que passava ali pertinho, cuja água cristalina, Isabel nunca tinha visto outra. Conseguia contar-se e ver-se a cor das pedrinhas que estavam no fundo do rio. Tinha pequenas cascatas de agua que aquém e além pareciam formar entre elas, pequenas piscinas que convidavam ao mergulho.

Todas as pedras do areal eram lindas e bem diferentes das do areal do rio da sua aldeia. Este embora limpo e com belos recantos, era manhoso e enganador com poços fundos que por vezes pareciam engolir os mais audazes que se atreviam por teimosia ou desconhecimento, a enfrentá-los num simples mergulho de Verão.

Isabel, não levava fato de banho porque não seria normal, fora da praia, tomar banho, mas também porque não tinha. Com o engenho da mãe e por teimosia de Isabel, um pouco de chita comprada na tal loja da aldeia ,davam lugar a uns calções que ela usava com uma blusa qualquer, para poder molhar-se naquele rio maravilhoso. Todos os filhos dos trabalhadores se juntavam, tardes inteiras a brincar na água.

Isabel deitava-se ao comprido e com as mãos no chão no leito do rio, batia o mais que podia com as pernas, sem sair do mesmo sítio. Estava a nadar.

E como ela muitos a imitavam. No grupo dois jovens sabiam nadar e o João tentava imita-los. Perante eles, Isabel sentia-se diminuída, mas não desistia de fazer de conta que sabia estar á vontade na água. O que mais a preocupava era mesmo a saída da água, pois a roupa colava-se ao corpo e ficava com um ar ridículo. Tomava então a iniciativa de ser a ultima a sair da água, e nunca se deitar ao sol. No final dava uma corrida até casa. Tudo menos ficar de roupa colada ao corpo, em frente de todos.

Rodeado por árvores de um porte e tipo diferente das que estava habituada a ver no rio da  aldeia, sentia-se ali ladeada de aromas e fragrâncias de plantas que lhe transportavam para o espírito uma sensação de muita tranquilidade.

Na serra, no rio, naquela casa, com aquelas gentes, vivia um conjunto de sensações todas elas muito agradáveis, também porque naquele local tirando um ou outro pequeno atrito, o pai e a mãe não berravam e não havia violência física, o que para Isabel quase era o suficiente para desejar ficar ali para sempre.

Agradáveis e prazenteiros eram os passeios á sede principal da empresa, onde vivia o engenheiro responsável por todos aqueles trabalhos.
Essa casa, toda de madeira, tinha um aspecto diferente de todas as que Isabel já tinha visto. Muito bem decorada, com cortinas nas janelas, e candeeiros em todas as divisões, sofás confortáveis na sala, uma cozinha devidamente equipada. Em toda a volta da casa uma varanda, que deixava ver a serra em todo o seu esplendor.
Não lhe faltava nada para preencher os sonhos de uma miúda como Isabel . Assim é que ela gostaria de ter uma casa, onde até a casa de banho em madeira com uma banheira ao centro, com água fria e quente,  mais parecia uma piscina.

Eram sempre muito bem recebidos pela dona Ireninha, que cuidava da ordem da casa e fazia uns doces maravilhosos.
Quando o grupo se aproximava, já lhes chegava um qualquer delicioso cheiro de doce ou bolo, que naquela casa nunca faltavam. Eram os doces de gila ou de abóbora, de tomate, de pêra ou maçã, não faltando o de cereja ou das amoras apanhadas ali ao lado nas silveiras tratadas do quintal. O bolo feito no forno, tinha um sabor, que Isabel depois disso nunca mais experimentou.

A dona Ireninha também vestida de preto como a avó Olinda, sem lenço no cabelo grisalho, porque neste tinha desenhadas ondas muito bem feitas que acabavam num pequeno totó, era uma senhora calma e meiga que tratava muito bem as crianças, sem pressas e muita paciência, e as atendia com um sorriso, pondo-lhes ao dispor uma mesa com tantas iguarias que só de olhar Isabel ficava com a barriga cheia.

Era sempre com muita tristeza que estes dias de férias chegavam ao fim.

Era tudo demasiado bom para ter que voltar ao canto.

Não faltavam entre todos os jovens amigos, as promessas de cartas e de amizade eterna.

Foram poucos os Verões em que Isabel continuou a ir para a serra.

Os trabalhos a fazer naquele local estavam a ficar concluídos.

Tudo iria acabar, mas no coração de Isabel ficaram as lembranças da gente boa e pura  e daquele lugar, dos cheiros de cada coisa, da água cristalina do rio, do sorriso franco de uma mulher doce, com ela jurou a si mesma que seria quando fosse avó.

Um dia muito mais tarde reviveu o fascínio desta paisagem num passeio ocasional com os pais e com Pedro. Com ele a seu lado, sentiu que a magia continuava lá. O mundo devia ser  todo assim.

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