quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Aquela velha

Afinal, ela não estava errada completamente.

Aquele preto que vestia sempre, o seu semblante carregado e olhos descaídos, onde nunca consegui ver pestanas, e talvez por isso, nunca consegui notar algum dia a sua cor, velha, casmurra, sempre de mau humor, indisposta e capaz de abrir a boca a qualquer momento para dizer coisas que criavam entre eles, o filho e a nora, um ambiente o pior possível, quem sabe por ciúmes da nora, afinal tinha alguma razão pela sua tristura.

Não fazendo dela, com isto, uma santa mulher, porque sempre a considerei má, nada carinhosa, nem meiga, nem atenta, nem disponível para nada, que não fossem as coisas que lhe diziam respeito estritamente a ela, alivia um pouco o sentimento que nutri por ela, de a considerar estranha e conflituosa, capaz de me amedrontar continuamente, quase por gosto.

Afinal ela não amava ninguém como devia, porque não sabia, pois também nunca foi amada, garantidamente, como desejaria e como deveria ter sido amada, mãe acima de tudo, depois esposa e amante de seu marido, por obrigação, tenho a certeza, pois me afiançou muitas vezes que gostaria muito mais de ter entrado para um convento. Mulher quezilenta, implicante, sem amor a ninguém, egoísta, e muito autoritária, capaz de fazer sempre tudo o que queria e garantidamente saber que ninguém seria capaz de a contradizer fosse no que fosse, mas uma mulher só no meio de muita gente, a sua gente, mulher incompreendida e infeliz, que hoje consigo compreender um pouco melhor que naquela altura. A falta de amor, de auto estima, pode fazer-nos impertinentes e maus, duros e terríficos, sempre de semblante carregado e entristecido.

Aquele “serrar” a que se referia, entendo-o hoje muito bem, por que também o vivo e sinto. Não ser amada como se deve, esquecida, egoistamente usada como um objecto sem se saber mentir, ou cansada de fingir, pode tornar-nos maus, tristes, egoístas, cansados da vida, pois quando se dá e não se recebe na mesma moeda, com o tempo, podemos destruir o nosso melhor.
Ficamos fartos e desesperadamente saturados, de tanta monotonia e tanto desamor. O melhor é desistir e aceitar resignados, foi o que fiz há muito.

Perdoa-me a incompreensão, mas considero que não te devias vingar nos que inocentemente te rodeavam e buscavam o teu carinho, só por que nunca foste amada como desejaste por quem querias com sonhaste. EU  também não fui nem sou amada como desejava ser, e sei que não sou má, não procurei  nunca essa vingança.

É que assim, perdeste a oportunidade de amar e ser amada por todo o resto do mundo que não quiseste conhecer, e pelos que conheceste, mas não deixaste que te amassem porque lhes mostraste sempre má cara, vestida com as tuas vestes negras, tal era a cegueira que te rodeava por desejar aquele amor que não te souberam dar, não por mal, mas porque não souberam amar-te como deviam.

Sei isso muito bem, e como te compreendo melhor hoje desculpo um pouco o teu permanente mau humor.

Que Deus te recompense agora, e eternamente.

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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O amor é o amor

Alexandre O'Neill     




O amor é o amor




O amor é o amor - e depois?!


Vamos ficar os dois


a imaginar, a imaginar?..




O meu peito contra o teu peito,


cortando o mar, cortando o ar.


Num leito


há todo o espaço para amar!




Na nossa carne estamos


sem destino, sem medo, sem pudor,


e trocamos - somos um? somos dois? -


espírito e calor!


O amor é o amor - e depois?!








Alexandre O´Neill                                                            Fotos do Google


Poesias Completas


1951/1981


Biblioteca de Autores Portugueses


Imprensa Nacional Casa da Moeda

















Escrever Amor

Alexandre O'Neill


Mal nos conhecemos

Inauguramos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso

De boca em boca,

Um olhar bem limpo

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.

Um coração pronto a pulsar

Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,

Escrupulosos detritos?)

Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado.

É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,

Um trabalho sem fim,

Um espaço útil, um tempo fértil,

Amigo vai ser, é já uma grande festa!



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Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca,

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.



Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto,

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.


De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas, inesperadas

Como a poesia ou o amor.


(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído,

No papel abandonado)


Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.


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A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos

Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor

O tapete que vai partir para o infinito

Esta noite ou uma noite qualquer


A meu favor

As paredes que insultam devagar

Certo refúgio acima do murmúrio

Que da vida corrente teime em vir

O barco escondido pela folhagem

O jardim onde a aventura recomeça.


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Nesta curva tão terna e lancinante

que vai ser que já é o teu desaparecimento

digo-te adeus

e como um adolescente

tropeço de ternura

por ti.


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terça-feira, 23 de agosto de 2011

A felicidade será que existe ?

   Foto do goggle

TUDO PASSA...

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...


A vida assim, jamais cansa...


Viver tão só de momentos


Como estas nuvens no céu...


E só ganhar, toda a vida,


Inexperiência... esperança...


E a rosa louca dos ventos


Presa à copa do chapéu.


Nunca dês um nome a um rio:


Sempre é outro rio a passar.


Nada jamais continua,


Tudo vai recomeçar!


E sem nenhuma lembrança


Das outras vezes perdidas,


Atiro a rosa do sonho


Nas tuas mãos distraídas
  

 De: Mário Quintana

  





Fotos do Goggle

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

SOU ASSIM

Assim, sem nada feito e o por fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.
Tênue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saúde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razão.
Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.
Inútil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
 
Fernando Pessoa

Cartas de amor

 Todas as cartas de amor são ridículas
       

Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas. Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas. A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
                 
são naturalmente ridículas)   

            De : Fernando Pessoa - Álvaro de Campos

De Tarde


Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas



De Cesário Verde

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

SAUDADE






Cai Chuva do Céu Cinzento (Fernando Pessoa)


Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não.
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração











O Amor, Quando Se Revela (Fernando Pessoa)


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Amor Egoísta




EGOÍSMO 

Que saudades eu tenho
De ter saudade,
De alucinar verdades,
Uniformidades,
Maldades
Com a tua cara
Rara
No fundo da distância.

Que saudade de sonhar,
De brincar ao gostar
Do que não tinhas
Para dar.

Não expliques
Ou tentes complicar
O grito de cobardia
No rio do silêncio.

Resta viver a triste fantasia
De a realidade construída
Ser mais real do que
Perseguir as sombras vivas
Do passado.

Não foi inventado,
Não está errado,
Apenas impossibilitado
Pelo pensamento redutor
De que a dor é o caminho
Mais fácil.

Afoguem-se em ciume,
Achem-se na cama,
Rebolem no estrume,
Apaixonem-se na lama.
Não te vou convencer
Ou sequer desconhecer
Ao ponto de te mudar.

É por isso que te escrevo
Este poema que é último,
O último egoísmo
Que não passa
De outro cinismo.

O meu palco é o mundo,
Multidão ou pessoa que me acolhe,
Que diz o que fala,
Fala o que sente,
E acima de tudo
Sabe que o amor não mente
Nem fica surdo e mudo
Na teoria do esquecimento.


De: António Carvalho

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Tamanha emoção, só ali!

                                    O meu poeta 
 
      Também eu queria dizer-lhe adeus com a mão,
      Mas sempre me esqueço,
      Digo-lhe adeus, até já,
      E volto quase sempre a fazer o mesmo.
      Num ritual sem sentido, só porque é o normal.

     Só da sua cabeça sairiam aquelas palavras bem ditas.
     Porque muito sentidas, dizem tal e qual o que ele faz.

     Com as suas palavras, escreveria os seus poemas,
     aquele, e mais aquele, todos eles,
     mas só os seus, e nenhuns outros,
     porque só os seus falam do amor, como ele devia existir.
     No céu, quando a noite cai e as estrelas aparecem,
     colocaria uma ao lado da outra, como sendo  letras, todas elas,
     e devagarinho escreveria o seus poemas.
     E as suas palavras escritas, que falam tão bem do amor,
     aqueceriam todos os corações e trariam a harmonia.

      Decerto que ao lê-las o mundo mudaria.
      Porque o amor não dói, não fere, só custa a entender.
      No céu escrito o amor seria como a bomba de Hiroxima.
      E que bom seria!

     Rosa Maria

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Célia...a avó?


Célia
Poema de João Vasco do BLOG STARJAMMING

nela e só nela 
habitam as coisas remotas 
em especializações 
delicadas 

na dúvida 
fala entre pontos e vírgulas 
numa casa que fala verdade 
longe, longe da cidade 

ao azul, à lua, ao longe 
tenta mostrar-se igualmente apta 

é uma forma de saber 
a que já não se dá o devido uso 

coisas inteiras muito altas 
de sexta em sexta 
voltam todas 
de rubra vera cor 

várias delas até deputam 
em distintas hermínias marquises 

como Assis Pacheco 
digo-lhe sempre adeus com a mão 
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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PRIMEIRO AMOR



Primeiro AmorÓ Mãe... de minha mãe! 
Explica-me o segredo 
Que eu mesmo a Deus sem medo 
Não ia confessar: 
Aquele seu olhar 
Persegue-me, e receio, 
Pressinto no meu seio 
Ergue-se-me outro altar! 

Eu em o vendo aspiro 
Um ar mais puro, e tremo... 
Não sei que abismo temo 
Ou que inefável bem... 
Oh! e como eu suspiro 
Em êxtase o seu nome!... 
Que enigma me consome, 
Ó Mãe de minha mãe! 

João de Deus, in 'Campo de Flores'



Tema(s): Mãe  fotos do  GOGGLE

QUANDO EU FOR pequeno




Quando Eu For PequenoQuando eu for pequeno, mãe, 
quero ouvir de novo a tua voz 
na campânula de som dos meus dias 
inquietos, apressados, fustigados pelo medo. 
Subirás comigo as ruas íngremes 
com a certeza dócil de que só o empedrado 
e o cansaço da subida 
me entregarão ao sossego do sono. 

Quando eu for pequeno, mãe, 
os teus olhos voltarão a ver 
nem que seja o fio do destino 
desenhado por uma estrela cadente 
no cetim azul das tardes 
sobre a baía dos veleiros imaginados. 

Quando eu for pequeno, mãe, 
nenhum de nós falará da morte, 
a não ser para confirmarmos 
que ela só vem quando a chamamos 
e que os animais fazem um círculo 
para sabermos de antemão que vai chegar. 

Quando eu for pequeno, mãe, 
trarei as papoilas e os búzios 
para a tua mesa de tricotar encontros, 
e então ficaremos debaixo de um alpendre 
a ouvir uma banda a tocar 
enquanto o pai ao longe nos acena, 
lenço branco na mão com as iniciais bordadas, 
anunciando que vai voltar porque eu sou 
                                                       [pequeno 
e a orfandade até nos olhos deixa marcas. 

José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"

Tema(s): Mãe Ler outros poemas de José Jorge Letria 

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Guma Kimbanda...um ídolo!!!

Acerca de mim
As minhas palavras são olhos nos olhos! Os silêncios, falam por si! Escrevo porque as palavras ficam, e o que dizemos segue com a brisa quente e húmida de um dia de cacimbo! Todos os dias a toda a hora, agradeço cada milésimo de segundo como se fosse o último, porque aos poucos me vou dissolvendo na natureza que é minha mãe.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

IMPOSSIVEL...... de Cesário Verde



ImpossívelNós podemos viver alegremente, 
Sem que venham com fórmulas legais, 
Unir as nossas mãos, eternamente, 
As mãos sacerdotais. 

Eu posso ver os ombros teus desnudos, 
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura, 
E até beijar teus olhos tão ramudos, 
Cor de azeitona escura. 

Eu posso, se quiser, cheio de manha, 
Sondar, quando vestida, pra dar fé, 
A tua camisinha de bretanha, 
Ornada de crochet. 

Posso sentir-te em fogo, escandescida, 
De faces cor-de-rosa e vermelhão, 
Junto a mim, com langor, entredormida, 
Nas noites de verão. 

Eu posso, com valor que nada teme, 
Contigo preparar lautos festins, 
E ajudar-te a fazer o leite-creme, 
E os mélicos pudins. 

Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo, 
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac, 
Hinos de amor, vestidos de veludo, 
E botas de duraque 

E até posso com ar de rei, que o sou! 
Dar-te cautelas brancas, minha rola, 
Da grande loteria que passou, 
Da boa, da espanhola, 

Já vês, pois, que podemos viver juntos, 
Nos mesmos aposentos confortáveis, 
Comer dos mesmos bolos e presuntos, 
E rir dos miseráveis. 

Nós podemos, nós dois, por nossa sina, 
Quando o Sol é mais rúbido e escarlate, 
Beber na mesma chávena da China, 
O nosso chocolate. 

E podemos até, noites amadas! 
Dormir juntos dum modo galhofeiro, 
Com as nossas cabeças repousadas, 
No mesmo travesseiro. 

Posso ser teu amigo até à morte, 
Sumamente amigo! Mas por lei, 
Ligar a minha sorte à tua sorte, 
Eu nunca poderei! 

Eu posso amar-te como o Dante amou, 
Seguir-te sempre como a luz ao raio, 
Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou, 
Lá essa é que eu não caio! 

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'

Tema(s): Amor Ler outros poemas de Cesário Verde 
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