domingo, 27 de fevereiro de 2011

Caminhos percorridos

Para aqueles dias que estariam no Brasil, Sérgio delineou com Pedro um roteiro magnífico que lhes daria a conhecer uma boa parte da zona envolvente do Rio de Janeiro. Claro que teriam que visitar os locais mais importantes do Rio, e assim logo que possível foram com uns casais amigos brasileiros, visitar o Corcovado e o Pão de Açúcar. Isabel deliciava-se a ouvir aquela gente falar, pois a sua voz cantante deixava-a bem-disposta e animada e as palavras doces e carinhosas que utilizavam achava-as de uma ternura infinda. Todos tinham diminutivos, estavam sempre risonhos, acordavam bem-dispostos, nunca ninguém dizia que estava indo mais ou menos, dizia sempre “está-se bem, sim senhor”.

Nessa visita Isabel parecia viver um sonho. Dali as vistas eram magníficas, soberbas, quase irreais pela grandiosidade de tanta beleza, difícil de descrever para quem como ela nunca viu tamanha grandiosidade, que uma coisa é ver e outra é descrever sem sentir a emoção dessa visão extraordinária, e Deus ali esmerou-se e juntou como numa tela imensa, a beleza do mar com a praia, a montanha com o maravilhoso verde tropical, e a cidade grandiosa e imponente, que vista dali parecia mais que perfeita e bela, tudo harmoniosamente envolvido num clima verdadeiramente único e sublime.

Isabel queria ficar ali para sempre, pois aquela era a mais linda visão da natureza que alguma vez tivera. Pedro fotografou o local e Isabel de todos os ângulos, e para mais tarde recordar, trouxeram do Pão de Açúcar uma foto deles, estampada num prato, que iriam guardar para toda a vida como uma recordação única e viva de um momento tão especial.

Todos os dias, passeavam muito cedo pela praia, fazendo uma caminhada salutar, ou então misturados com o povo brasileiro andavam pelo calçadão sem medo de ser assaltados. Sérgio tinha-os avisado como devia ser a sua postura na Avenida de Copacabana, e também como saíam vestidos simplesmente e sem valores expostos, nada nunca lhes aconteceu, como era usual as pessoas comentarem.

No final das caminhadas, e antes de entrar em casa, uma aguinha de coco caía sempre bem. Costumavam também passear e frequentar os dois, a praia de Ipanema, logo ali ao lado, e faziam-no com a maior desenvoltura e á vontade como se estivessem na sua terra.

Muitas vezes, Pedro no final da caminhada em Copacabana ia dar um mergulho no mar de Ipanema, enquanto Isabel preferia ficar deitada a olhar aquele céu magnifico onde o Sol nasce no mar, na piscina do prédio, que tinha uma envolvente lúdica extraordinária, e um jardim verde e bem cuidado que dava prazer só de olhar. Passavam a semana em pequenos passeios citadinos com a esposa de Sérgio, para de quinta-feira á noite até domingo á noite, e foram três os fins-de-semana, o da chegada e mais dois, saírem da grande cidade e visitarem cidades e praias relativamente próximas.

Angra dos Reis, Búzios, e Parati, mereciam uma visita além de uma grande série de outras cidades que Isabel não fixou, pois a sua cabeça via tanta coisa que parecia um catavento, sem conseguir memorizar tanta informação junta. Aquelas praias belas pelo enquadramento marítimo, pelo clima, tinham tudo de belo. O calor imenso, a areia quente, o mar tépido, as praias que os acolhiam, umas a seguir às outras, sempre com o mesmo calor e o mesmo verde tropical envolvente que se chegava ao mar, como Isabel nunca tinha visto antes.

E o verde que Isabel amava tanto nunca se ausentava e deslumbrava-a cada dia mais, porque estava em todo o lado, e só terminava mesmo juntinho ao mar, o que era fascinante, pois estava num país tropical.

Em Parati, deram um extraordinário passeio de barco, alugando um barco a um pescador, e com mais um casal amigo e os filhos perfaziam oito pessoas o que fazia um belo grupo de passeio. Marearam pelo meio de ilhas, e numa determinada zona o barco parou, e todos mergulharam. Isabel aí deu por abençoadas as suas aulas de natação. Tal como os mais audazes e as crianças destemidas, mas sabidas, Isabel mergulhou naquele mar de vários metros de profundidade, mas tão límpido e cristalino, que se conseguiam ver as pedras do fundo do mar e os peixes de várias cores que nadavam ao seu redor até ao fundo e numa longa distância. Depois daquele mergulho soberbo, o barco abordou numa ilha onde todos almoçaram uma refeição de marisco, e finalmente de volta a Parati, o tempo toldou-se e ainda no barco o céu ficou negro, choveu sem parar, e Isabel constatou como era o clima tropical, quente, com muito sol, e de repente chuva imensa, mas sempre muito quente.


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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A nova casa de Isabel

Durante muito tempo Isabel viveu intensamente para a sua casa. Depois dos filhos e do marido, a casa era a sua grande preocupação.

A mudança tinha sido bastante trabalhosa e difícil de fazer, pois mudar a vida que se acumula em objectos, durante catorze anos, de uma casa para outra, não é fácil. Isabel trabalhava de madrugada até de madrugada, mas a força que a impelia era tanta que nem sentia sono, nem cansaço.
Na casa de onde ia sair, daquela da rua com fim, embrulhou e organizou tudo de forma que ao descarregar os caixotes na nova casa, cada um deles contivesse objectos roupas, diversos, direccionados para a divisão a que correspondia, de forma que finalmente a arrumação pudesse começar a tomar rumo.

Isabel pensava tudo ao pormenor, e um dia quando a casa meio nua, por ser muito maior que a anterior mas já muito bem organizada, já estava em ordem, Isabel teve comigo um desabafo que parecia quase uma certeza que naquela altura ela tinha como verdadeira, única e absoluta:

-Estou tão feliz. Finalmente sou feliz. A minha casa é linda, entro e saio dela e parece-me tudo tão irreal. Ainda ando nas nuvens, deve ser do cansaço, mas na verdade adoro a minha casa. Agora, mais dentro da aldeia, com os meus filhos criados e mais perto do meu trabalho, com aquela casa, se todos tivermos saúde, acho que nunca mais terei razões para me queixar. Eu e o Pedro, ali, com os nossos filhos, vamos ser felizes.

-Mas Isabel, nós somos sempre iguais com tudo, e com as casas também, apaixonamo-nos e depois que o fascínio e o enlevo passam, tudo volta ao normal. Realmente era bom que assim não fosse, mas na verdade a paixão não é eterna, e essa paixão que sentes pela tua casa não te vai alimentar o ego a vida inteira, nem te vai trazer uma felicidade perene.

Mas penso que nem me ouviu, porque naquela altura vivia em efervescência e actividade continua, nunca parecia cansada e estava sempre a inventar que fazer, parecendo um vulcão, e depois do seu trabalho nunca lhe escasseava o fôlego, nem fugia ao trabalho e limpava, lavava, cozinhava, arrumava, dava volta ao jardim, fazia fosse o que fosse mas não parava.

Coitada da Isabel que dizia aquilo, convicta de que a felicidade tem alguma coisa a ver com o local onde se vive, esquecida daquele velho ditado que nos fala do “amor e uma cabana“, como se de um momento para o outro a sua casa por ter janelas amplas, mais portas, mais escadas, muito mais divisões, e muito verde no jardim, pudesse trazer-lhe a felicidade que nos dias sombrios ela buscava e teimava em não conseguir alcançar.

Mas Isabel não desistiu e lutou para colocar em casa o que achava a fariam feliz e aos filhos e marido e assim num aniversário de Pedro ofereceu-lhe de surpresa um bilhar, que conseguiu instalar  em casa sem ele dar por nada até ao próprio dia, depois no ano seguinte ofereceu-lhe uns matraquilhos, e, assim por diante, sem durante muito tempo se lembrar, um pouco sequer, dela mesmo.

Ao Manuel, apaixonado pelo exercício físico, ofereceu alguns aparelhos de ginástica, à filha uma viola e um piano digital, e aos poucos com o Pedro, mobilou as divisões em falta, arranjaram o jardim, e mais tarde construíram uma churrasqueira com um salão com lareira para receber os amigos um pouco mais à vontade, com uma vista belíssima para o jardim.

A última construção, além de uma garagem exterior à casa e um terraço anexo, foi um abrigo de madeira lindíssimo, plantado no meio do verde magnífico do jardim, com um varandim circundante cadeira de baloiço, e uma rede para se poder deitar quando bem lhe apetecesse, que parecia lembrar um bangaló saído de um resort de um país tropical.

Não sabia Isabel que o Sol lhe ia pregar uma partida, pois à frente da sua casa iria brincar às escondidas por detrás dos eucaliptos que lhe ensombrariam a casa, e muitas vezes escondido se negaria a sorrir-lhe e a mostrar-se seu amigo, e ela sem querer nem se aperceber disso, sentia que a falta do Sol também lhe entristecia o espírito, e até já o subir e descer das escadas não tinham a menor graça, porque tudo tem um tempo para ser, para existir para se sentir.

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A FESTA NA ALDEIA

Naquele ano, Pedro que já tinha combinado antes com uma série de amigos fazerem a festa um ano, os tais com que habitualmente se encontrava aos fins-de-semana à noite, resolveu no final da procissão pegar na bandeira. A população batia palmas de contente e ele feliz, dava voltas ao adro da igreja e em cada volta o grupo em seu retorno aumentava, e no final o grupo perfazia mais de vinte. Com certeza que todos juntos, com a ajuda das esposas iriam fazer uma grande festa no ano seguinte, pois ideias não iriam faltar, nem uma enorme vontade de trabalhar. Seria uma festa, religiosa e profana que ficaria na memória de todos na aldeia, essa era a vontade de Pedro.


Durante o ano começaram os preparativos, flores de plástico para enfeitar as ruas faziam-se à tarde e à noite ao fim de semana, por todos os que podiam ajudar. Um peditório à população começou meses antes pelos festeiros percorrendo toda a aldeia, para que com o pouco que cada um pudesse dar, se conseguisse convidar artistas de renome nacional que atraíssem à terra gente do exterior, arranjar o espaço para receber o publico, alugar grandes palcos, barracos para fazer algumas exposições, alugar enfeites de luzes para engalanar as ruas, além das tais flores de plástico, contratar conjuntos para os bailes, montar um restaurante improvisado para servir refeições toda a noite, pagar o som ambiente, limpar, caiar, enfeitar de novo a igreja, e cuidar dos andores que sairiam nas procissões, pois as flores tinham um custo.

Eram mil, as coisas diferentes em que Pedro tinha que pensar, e que havia para fazer, mas Isabel encarregou-se de uma coisa que nesse ano rendeu bastante e lhe deu imenso prazer fazer, a “quermesse”, com imensos presentes interessantes para oferecer.

Pedro pensou em tudo ao pormenor, fez listas e mais listas de afazeres, e na data aprazada começaram os trabalhos para que nos dias dos festejos tudo corresse como ele idealizara, e nada falhasse.

O peditório foi feito, as flores também, os conjuntos e artistas contratados, a cozinheira igualmente. O recinto para as festas decorrerem foi fechado e ficou como nunca. Parecia maior, mais grandioso. Quiosques de cerveja, outro de gelados, um de pequenos petiscos e o famoso restaurante construído de raiz todo em madeira vistoso e arejado, um quiosque de informação, e a quermesse. A entrada do recinto das festas profanas, pintada à mão pelo Pedro anunciando as festas, estava fabulosa como nunca. A igreja foi toda iluminada exteriormente e à noite parecia que os seus contornos tinham sido maravilhosamente engalanados e ladeados com fitas luminosas e gambiarras. Parecia que estávamos no Natal, sendo Verão, a igreja estava lindíssima, caiada por fora e iluminada e por dentro devidamente lavada e enfeitada.

O som ambiente era fantástico, porque a amplificação contratada era boa, pois as noites ali não eram para dormir mas de pura diversão. Pedro não parava de um lado para o outro, e no final da primeira procissão, à noite, uma serenata oferecida à Virgem na escadaria da Igreja. Isabel comovida atende a tudo, com verdadeira emoção. Nem sabe como chegou ali de tanto cansaço, mas de longe atenta, lá estava ela pois ficara guardiã ao recinto enquanto todos se tinham ausentado até às escadarias para ouvir de perto o fado. Ela tinha que ir dar comida aos guardas que tinham acabado a sua missão depois daquela primeira procissão nocturna.

Fez-se escuro e aquele som era tão fantástico que lhe parecia irreal ouvi-lo naquela aldeia, ela uma apaixonada daquele fado Coimbrão, parecia viver um sonho naquela primeira noite.

Outros dias se seguiram, a procissão de quinta-feira Santa, e depois a Procissão do grande dia, com a Nossa Senhora que voltava para a sua capelinha. Pedro no final da procissão pegou na bandeira e deu as voltas que devia, e que eram habituais ao adro da igreja, como num ultimo adeus por todo o trabalho e empenho feitos por todos, acompanhado pelo grupo de amigos, devidamente vestidos com os seus fatos escuros e gravatas, elegantemente vestidos para a Virgem, um grupo de homens, bonito de se ver, que fizeram um trabalho como nunca Isabel vira ninguém fazer ou seriam os seus olhos a apreciar o belíssimo trabalho feito por aquele grupo de festeiros.


A população aplaudiu incessantemente, mas não teve forma de ninguém pegar na bandeira, a festa tinha sido excepcional, tão bem organizada e tão perfeita que naquela altura ninguém se prontificou a assumir o cargo que Pedro deixava ali, e esse foi o momento mais triste da festa.
Meses mais tarde, um grupo pegou na festa e decidiu-se que a mesma passaria a ser feita bianualmente.

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

SER FELIZ!

EU SÓ QUERO SER FELIZ!!!!!!


 

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Os hobbys de Isabel

Um dos seus grandes defeitos era ler transversalmente. Quando era criança adoraria ter lido montanhas de livros mas os pais por motivos diversos não correspondiam aos seus apelos. Quem sabe por falta de dinheiro tão-somente. Isabel passou a ler de uma forma nervosa e agitada, e tão frenética que mal começava já dava uma olhadela ao final da história, e isso enervava-a. Jornais nem pensar, era leitura que não a detinha, pois notícias políticas, assassinatos internos ou exteriores ao país, guerras horrorosas, e outras politiquices, pequenas ou grandes calamidades, só a podiam transtornar e isso incomodava-a, primeiro porque a deixavam desinformada, e depois porque, por não as ler, não se considerava normal.


Levou tempo, mas assumiu que para ela essa leitura não existia. Isabel de facto era diferente, e mais tarde ver, ouvir, e saber, essas notícias noutros meios de comunicação já era muito bom, não ler em jornais, onde cada um muitas vezes, escreve de uma forma um pouco diferente e acrescenta um ponto.

Também Isabel um dia fez rádio amador. Ao domingo e ao sábado durante largo tempo tanto Isabel como Pedro tiveram o seu programa numa rádio local. O seu, era um programa infantil e chamava-se o ”O jardim da Celeste”. Essencialmente passava música, tinha passatempos e concursos e como era um programa local, as pessoas podiam facilmente participar a acorrer lá e responder às questões que colocava. Foi um tempo muito interessante, pois todas as semanas Isabel tinha que pesquisar temas, buscar dicas, manter informado o seu público jovem de forma que ao mesmo tempo que os distraia lhes ensinasse algo novo. Estar em frente de um microfone, sabendo que do outro lado estaria alguém a ouvi-la acrescia-lhe uma responsabilidade inovadora mas de alguma forma gratificante.

Muitas vezes na ausência e impossibilidade de Pedro gravou o programa dele, que aliás teve vários, e nunca ouviu dizer mal do seu trabalho. Destes trabalhos só era aborrecido o almoço ao domingo que se fazia sem o pai á mesa, pois um programa do Pedro era à hora de almoço ao domingo, mas Isabel lá ia levando tudo isso com imensa resignação, considerando este um hobby positivo.

Pequenas coisas que Isabel gostava de fazer, além de não deixar nunca de procurar fazer a sua ginástica, mesmo que fosse num canto em casa, já que nas décadas setenta, oitenta e até noventa, os ginásios eram praticamente nulos na cidade, pois na aldeia nunca existiram, era nadar. Desde que pusera os filhos a aprender a nadar, metera na cabeça que o susto que apanhara em jovem havia de desaparecer. E desapareceu.

Levantava-se às sete da manhã nos dias das aulas de natação e lá ia ela bem cedo, para aprender a nadar. Passados três meses, já fazia a piscina de 25 metros de uma ponta à outra sem problemas de maior, depois aperfeiçoou os estilos, e no grupo que estava inserida fez grandes amigos. Aos 56 anos nadou 600 metro três estilos em 11 minutos e sentiu-se uma heroína.

Um dos seus hobbys manuais desde menina, sempre foi o croché (camisolas de malha e cachecóis), e panos de ponto de cruz que depois mandava emoldurar. Adorava também fazer artesanato e aí com um alicate fio, arame fazia brincos, colares, pulseira várias, pondo a sua imaginação a criar livremente. Depois usava, dava, ou vendia a amigos, ou em cabeleireiras, lojas ou feiras, e divertia- se com isso, não pelo dinheiro que isso dava, mas por ver as suas coisas feitas ali expostas, e depois a serem usadas.

Como uma das ultimas paixões contou-me em segredo, como se ninguém soubesse que adora dançar, mas muito amor, com todo o amor e dedicação, e não o faz mais porque não pode, o corpo não deixa, e o tempo também não. Não poderia fazer mais nada, tem outras coisas que fazer, além disso as pernas doem-lhe e se um dia pode mais, no outro já não pode tanto, mas gosta muito de dançar salsa e kizomba, uma dança que quase ninguém, dança com ela, talvez porque já está um pouco mais velha!

Se ela pudesse dançava todos os dias. Sempre, porque é a dançar que Isabel se sente bem, ainda que quando num baile a não convidam para dançar saia de lá mais triste que os tristes, mais infeliz que todos os infelizes.

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Pedro fica doente

Isabel sentada no banco de trás do carro nem conseguia respirar, nem sabia o que dizer, para ela era como se o mundo tivesse parado naquele instante e tudo de um momento para o outro, tivesse perdido todo o interesse e encanto. Estava aterrada, quase desconfiava mas agora que estava confirmado, sentia-se perdida, tinha morrido um pouco, só sabia que aquilo era medonho.

Pedro, calado, de cabeça inclinada como sempre, ouvia em silêncio como se fosse uma estátua, e Isabel não se lembra de ouvir da sua boca qualquer reacção, qualquer revolta. Ele era sempre assim, o bem e o mal sentia-os para ele, e em vez de reagir de qualquer forma naquele instante só ouvia…, ouvia unicamente, ou então era Isabel de tão aflita que estava que não percebia mais nada. Gerou-se um mal-estar constante, um sofrimento permanente, um perder a vida que não se viveu ainda mas que se quer ter ainda à nossa frente. Porque naquela idade ver-se um muralha pôr limites à vida é terrível, angustiante, é absurdo, triste e pouco natural.

E naquela altura tudo passou a ser diferente, o mundo passou a ser olhado por ambos mas essencialmente por Pedro de outra forma. Pedro foi internado, novamente operado, e Isabel passou durante um mês a andar de um lado para o outro, mas a angustia que sentiu quando o deixou pela primeira vez no hospital, não tem descrição possível, pela dor, pelo vazio e abandono, pela sensação de perda. O motivo, o local, a forma porque e como se separavam dava a Isabel uma dor e um desespero tal que não são possíveis de descrever. Em casa os filhos aguardavam-na e Pedro pedira-lhe

-Não contas a ninguém da minha doença, ouviste Isabel!

E Isabel não contou nada a ninguém nem a amigos nem a familiares, guardou tudo no seu coração que ia rebentando de dor pois não tinha com que desabafar.

Mas de manhã, antes de sair para visitar o Pedro no hospital, e depois de mandar os filhos para a escola, num canto do quarto que guarda na sua memória, todos os dias chorava até as lágrimas secarem, pelo Pedro que sofria, pelos filhos que precisavam dele, por ela que mesmo incompleta, se sentia assim imensamente mais infeliz, pois ela queria-lhe muito bem e não imaginava a sua vida sem o ter a seu lado.

Para Isabel era muito difícil esta vida dupla. Em casa tinha que se mostrar calma perante os filhos, dizer-lhes que tudo estava mais ou menos normal, que Maria sabia que o pai estava doente pois presenciara a conversa em casa dos tios, mas não sabia até que ponto a gravidade da situação da doença do pai, não podia falar com os pais nem com os sogros nem contar-lhes o que se passava com o marido. Mas quando ia para o hospital o seu coração ia aos pulos esperando sempre boas noticias, o dia da nova intervenção, depois os resultados da mesma, a alta de vez do hospital, e como fez uma enxertia, no local de onde tirou a unha, saber se a mesma tinha repelida. Isabel passava horas na Capela do hospital a meditar, era onde se sentia melhor. Passava os dias num corrupio de casa para o hospital e do hospital para casa, para atender aos filhos e atender ao Pedro. Quando estava num lado pensava nuns e no outro pensava nos ausentes, nesses tempos deixou completamente de pensar nela, e a vida deixou de ter a menor graça pois sem Pedro nada lhe interessava.

E os médicos falavam constantemente em percentagens e isso incomodava-a, deixava-a duvidosa, desconfiada, perplexa, e Pedro preocupado andava tenso, sem saber o que dizia, nem o que pensava. Isabel por vezes ouvia coisas que a magoavam mas tinha que ouvir, calar e consentir pois quem estava doente era ele e não ela, e ela fazia tudo para o deixar feliz.

Deu-lhe amor vivido e intenso, físico, difícil, doloroso e chorado como se fosse o ultimo, porque assim vivido é mais difícil, muitas vezes só para o fazer feliz, ficando ela a chorar porque a entristecia ainda mais, e viveu triste, inquieta e agitada até ao dia em que os médicos disseram ao Pedro pode ir e só cá volta uma vez por mês, mais tarde uma vez de três em três meses, depois de seis em seis meses, até que passaram seis anos na vida dos dois, e a vida voltou gradualmente ao normal e o Pedro reconheceu que até então, não teria sido um grande marido, e prometeu que iria mudar.

Nesse tempo muitos factos relevantes aconteceram:

“-Se Isabel não tivesse carta de condução teria sido difícil conduzir tantas vezes Pedro ao hospital (enquanto esteve internado durante um mês, vinha passar os fins de semana a casa), visitá-lo tão amiúde no hospital e levá-lo a todas as consultas, pois trazia um braço ao peito. Ficava aqui por terra a teoria de António, pai de Isabel, que dizia que ela não precisava de carta para nada, pois o marido a haveria de conduzir para onde ela precisasse.” Nesta altura conduzia Isabel o seu Y10 Lancia.

“-Pedro reconheceu que precisava fazer mais companhia a Isabel e que aquele homem que era antes já não existia mais, decerto porque aprendeu a ver a vida de outra forma“

“Tendo passado pela cabeça de ambos neste tempo, que já não iriam construir nenhuma casa, nasceu em ambos uma nova força, e essa casa havia de surgir, assim como em Isabel nasceu a certeza de que nunca deixaria Pedro por motivo algum. Precisava dele, porque apesar de ele ter muitas falhas, também lhe dava muita força que ninguém alguma vez mais lhe dera em circunstância alguma. Sentira isso quando ajoelhada na capela do hospital, à espera que Pedro chegasse da consulta derradeira, ele com o braço livre e solto no ar a olhou com os olhos rasos de água, se agarrou a Isabel e ambos choraram abraçados e emocionados, ali enfrente a Cristo, aquele altar, como a selar a sua união para sempre, num recomeço das suas vidas.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O tempo que passa

E o tempo que passa, não passa sem deixar marca, corroi-nos por dentro, vinca-nos no rosto o cansaço da vida que avança.... é a lei da vida, mas eles esquecem, que um dia serão assim...para bem deles!
E o tempo mostra a  todos que estamos diferentes, usados, cansados, gordos, pesados, feios, sem graça, e aquela gente passa de lado e nem olha, como se uma cortina densa, uma névoa enorme pesada e baça, encobrisse o nosso lado !

A sala cheia de gente nova, bonita, gente que se agita em frenético movimento, e nós ali parados, estáticos, mudos e quietos, à  espera que o tempo passe, e que alguém dessa gente, por um favor se lembre de nós.
Olhando o vazio, na sala cheia de gente, fugimos com o olhar, porque não se ousa que pensem que se sente, que no meio de tanta gente alguem imagine por um segundo  estamos mal, que procuramos apoio, ou nos sentimos sós. Se a pior solidão é a que se sente no meio da multidão, nós estamos ali mortos mas de pé.

E o pior de tudo é  que isto doi, e mata, e desgasta, e cansa a mente, e envelhece ainda mais, muito mais, faz sofrer e faz chorar a alma da gente.
E nós que somos fracos não resistimos, porque aqueles  amigos e os desconhecidos não se lembram de nós, porque os nossos rostos marcados pelos vincos  da vida são feios, nos isolam daquele mundo que pensa
que vai ficar belo e forte e ileso para sempre ...Coitados que pena !

Nós prometemos não voltar mais a esses lugares onde essa gente usa talas e só olha em frente...


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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

As FESTAS na Quinta

Todos os anos a partir do momento que Pedro começou a sair na aldeia para jogar cartas com os amigos à noite e encontrar-se com eles no café, o grupo de homens resolveu fazer a passagem de ano numa quinta entregue a um deles, por ser seu familiar, enquanto isso fosse possível. Para Isabel era melhor que nada. Com os filhos pequenos e sem gostar de andar metida em balburdias, pelo menos nesse dia não ficava sozinha em casa com os filhos, e ficava acompanhada de Pedro e de outros casais com os filhos junto dela.

Todas as mulheres faziam algum doce e algo salgado para colocarem na mesa ao jantar e depois à ceia, e mais adiante quando se apuraram nos encontros, passaram a comprar leitão e até a matar um porco, fazendo depois comida para várias refeições, pois entre eles havia habilidosos cozinheiros. Para os homens e portanto para Pedro, eram dias de festa e convívio, que passava longas horas fora de casa de volta desses preparos, para Isabel era um tormento, que se via demasiado isolada, e via Pedro chegar a casa sempre cansado sem lhe dar muita importância.

Isabel um dia contou-me que ouviu a esposa de um desses amigos dizer para outro o seguinte:

-É pá tenho que ir a casa, já ando por aqui há muito tempo e tenho saudades da minha mulher, preciso de estar com ela, é pá, já não me deito com ela há muito tempo, desculpem lá mas agora vou mesmo a casa…-e foi mesmo…

Como Isabel gostaria que Pedro pensasse assim, tivesse necessidade de estar com ela, mas ele não pensava assim, mas mesmo que pensasse, nunca diria aquilo, não, nunca o faria em frente de todos. Nunca deixaria o convívio da festa para ir ter com ela, e depois de uma festa, ia sempre tão cansado, que raramente se virava para ela para lhe dar um carinho maior, não porque não gostasse dela, mas porque era a sua maneira de ser, que não combinava com o de Isabel. Pedro pensava sempre, e isto era o que Isabel imaginava, que o amanhã tinha muitos dias, muitos anos, era ainda muito longo, e ia adiando tudo, e ela, pacientemente ia esperando que ele se resolvesse a ir ter com ela como ela sonhara.

Depois das comidas preparadas, enfeitavam-se as salas, uma para fazer a refeição e a sala onde depois o grupo dançava até de madrugada, com fitas e balões. As senhoras arranjavam-se o melhor que podiam para passar do ano velho para o novo, e Isabel fazia o mesmo com os seus filhos. As crianças todas juntas, nessa noite não viam nunca o sono chegar, porque corriam sem parar por todas as divisões da quinta num corrupio constante adivinhando que um novo ano cheio de força e energia ia chegar também para elas.

Isabel recorda-se que a primeira vez que Maria foi a uma festa destas, foi deitada na alcofa, tinha 8 meses e dormiu toda a noite, exceptuando o tempo que acordava para mamar. Manuel apesar de pequeno, brincou e correu enquanto pode e mais tarde sossegado com uns carritos entreteve-se a brincar com outros meninos junto a uma lareira enquanto os pais conversavam. Isabel era mais de ouvir, pois como não se encontrava muito com aquelas senhoras durante o ano, não tinha muito que conversar e preferia ouvi-las atentamente.

Aquela quinta tinha um encanto que fascinava o grupo e assim além das passagens de ano passaram a reunir-se ali, também no carnaval e sempre que possível fazendo um baile de mascaras. À medida que o tempo passava e Isabel ia conhecendo melhor as pessoas do grupo e elas a iam conhecendo melhor a ela, iam partilhando ideias, opiniões, ainda que sentindo sempre que naquele grupo não era muito bem aceite, como aliás já foi referido anteriormente.


O facto de não ser daquela aldeia e de ser a mais nova do grupo, descredibilizava-a perante as outras mulheres, era a impressão que lhe dava e isso dava-lhe uma sensação muito desconfortável de rejeição.



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Os animais de Isabel

A escola dos filhos de Isabel

Tirando um ou outro percalço, correu sempre tudo bem, que o Manuel era um menino atilado e não se deixava ir em cantigas, mas claro era uma criança como as outras e portanto sujeita a correr ricos como todas as outras, mas no entender de Isabel e de Pedro, estava a crescer.

Um dia, anos depois, a professora primária disse a Isabel:

-Na minha vida de professora, tive alunos muito bons, excelentes, mas como o Manuel nunca tive nenhum.
E Isabel ouvia estas palavras, como se fossem pérolas que guardava no seu coração orgulhosamente, pois sabia muito bem que o filho era um belíssimo aluno, muito aplicado, humilde, e muito amigo dos seus companheiros, mas excelente aluno. Só tinha motivos para se sentir orgulhosa do seu filho. Nunca foi preciso mandá-lo estudar, nem mesmo nas férias quando trazia trabalhos de casa para fazer, Manuel fazia todos eles e muito mais, nunca se cansava de ler, escrever e estudar fosse que matéria fosse, mas também gostava muito de brincar. Manuel jogava a bola com os amigos da rua, e com eles também brincava aos cowboys, adorava brincar com lego, fazendo enormes construções, praticava karaté, e natação, e quando era mais crescido jugou futebol de cinco.

Adorava ler e escrever, pelo que passava longas horas a fazer pesquisas para os seus trabalhos quando cresceu mais um pouco. Mas no tempo da escola primária andava no escorrega e no baloiço e não houve um ano sequer que Isabel não tivesse que correr com ele para o médico com a cabeça partida com um lenho. Todos os anos, e foram quatro, a sua cabeça abriu um lenho e levou pontos por alguma queda, encontrão, ou safanão que o Manuel sem querer ao cair ao chão fazia na sua testa ou cabeça, afligindo o coração da sua mãe. Miúdo reguila e travesso, aquele, mas atilado como nenhum outro.

Maria era mais tranquila, chupava nos dedos em vez da chupeta, mas depois esqueceu, e no colégio Isabel recorda-a vestida de enfermeira numa festa de Carnaval, nas fotos que viu mais tarde. Estava linda a sua menina, a mais linda de todas. Era muito doce e calma e quando chorava, o seu choro era profundo e incomodava-a profundamente, por isso poucas vezes se lembra de a ouvir chorar. Quando deixou o colégio e veio para a aldeia o Manuel já andava adiantado, e para ela foi um bom exemplo de integração e ela aceitou facilmente a nova escola e as suas novas amigas e amigos. O que lhe custava mais era fazer as cópias que lhe pareciam longas e nunca mais chegavam ao fim.

-Mãe, estou cansada dói-me a mão, não me apetece escrever mais.
- Mas filha se não fazes essas letras todas como vais aprender, tens que ser tu a fazer, entendes?
-Mas, estou cansada- e Maria chorava desesperada porque tinha duas linhas de (a) para fazer e mais uns tantos números.
-Olha- Dizia-lhe Isabel- fazes agora um bocadinho e vais brincar e depois vens e fazes outro bocadinho, que achas? Sabes, não pode ser a mãe a fazer por ti, se não, não aprendes, entendes Maria, mas devagarinho durante a tarde vais conseguir, não podemos é deixar para logo à noite.

E Maria aos poucos entendeu que quando chegava a casa depois de lanchar, descansava um bocadinho e depois tinha que fazer os trabalhos de casa sem nunca os deixar para fazer à noite, porque senão nunca conseguiria faze-los, pois à noite tinha sempre muito sono e não era capaz de pensar coisa nenhuma.
Mas Maria aprendeu depressa a estudar e tal como Manuel transformou-se numa óptima aluna de que Isabel tinha igualmente muito orgulho.
Os seus meninos eram preciosos, mas ela não sabia se fazia o suficiente para eles se sentirem felizes, pois faltava muitas vezes às festas da escola por não se sentir bem no aglomerado de pessoas que se juntavam nesses dias. Durante muito tempo ensinou muitas coisas aos filhos, todas as que sabia, mas esqueceu-se de si e a determinada altura sentia-se incapaz de estar rodeada por muita gente, sem entender bem ao certo porque ficava ansiosa. Sabia unicamente, que não queria transmitir esse mau estar aos filhos, e então pedia à mãe do Pedro que a substituísse nessas festas, alegando sempre algum motivo, mas mais tarde isso martirizava-a fortemente, fazendo-a chorar de arrependimento mas sem Isabel encontrar a solução. Guardou sempre para si este sentimento e tentou superar este dilema na esperança de não ter traumatizado as crianças com as suas ausências, sofrendo nesta altura, pelo facto de não as ver, e elas poderem sentir a sua ausência.

Mais tarde quando cresceram, tudo mudou um pouco, porque em vez de assistente Isabel passou a colaborar nas festas dos filhos, e enquanto pessoa activa tudo mudou um pouco de figura.

Maria gostava de brincar com umas meninas, quase vizinhas que conheceu na escola. Isabel deixava-a ir e elas entretinham-se a fazer coisas que todas as meninas fazem na idade da Maria, bolos para o lanche delas, vestir as roupas das mães, tias, ou avós, pintar o rosto com a maquilhagem das mães, usando coisas que encontravam sabe-se lá onde, brincar às casinhas e às bonecas. Maria chegava a casa sempre exausta da brincadeira, mas feliz, adorava as amigas Laurinha e a Belinha, com que passava imensas tardes, muito mais, no Verão e nas férias de Natal e da Páscoa.

Enquanto viveu naquela rua com fim, que parecia um beco, sem grande vizinhança, com pouco movimento, Isabel viveu só, mas os filhos a cresceram em paz, em sabedoria e humanamente da melhor forma possível e isso compensava o que ela por vezes experimentava em relação às coisas que sabia que nitidamente lhe faltavam, a relação com amigos da sua igualha, pessoas com quem pudesse conversar e a entendessem, algumas saídas a alguns lugares que não fossem rotineiros, porque sair daquela rua com fim era essencial para conseguir perspectivar um futuro diferente para ela.

Enquanto Manuel se transformou gradualmente num apaixonado pelas letras, e estudou na universidade um curso de ciências na área dos recursos Humanos, tornando-se um melómano convicto nas horas vagas, Maria estudou e tirou um curso universitário na área da saúde, mas fez um curso de modelo numa agência mais ou menos conceituada, o que lhe deu alguma desenvoltura, e também estudou música. Primeiro flauta, como todos os meninos quando vão para a escola, mais tarde viola, mas como sentiu que não conseguia evoluir, enveredou pelo piano frequentando o conservatório durante três anos depois de ter andado numa senhora da aldeia a aprender os primeiros passos na ara da música. Mais tarde porque lhe estava a paixão no sangue voltou à guitarra portuguesa, e já na universidade, Maria tocou em tunas, grupos de corda, teve aulas particulares, para aperfeiçoar esse dote musical na área dos instrumento de cordas e Isabel lá ia ouvi-la tocar, cheia de orgulho.



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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Os animais de Isabel

Quando num dia de verão, Isabel foi de férias para a Falésia com os filhos e Pedro, partiu preocupada, pois procurou a Dolly por todo o lado e ela tinha desparecido. Queria deixá-la entregue a uma das avós e não a encontrou em lado algum.


Todos partiram tristes, com a impressão na pior das hipóteses, que alguém lhes tinha roubado a sua gata.

Maria estava inconsolável, mas com os dias de praia que se avizinhavam e a esperança de Isabel na volta procurar a Dolly ou a substituir, Maria lá acalmou.
No final das férias, mal Pedro entrou com o carro na garagem de casa, viu-se ao longe um gato meio fraco cambaleando, em direcção à casa de Isabel. Manuel e Maria correm desconfiados a ver que gato é aquele, e confirmam que se tratava da Dolly.

Muito fraca, roçou o seu corpo e a cauda em todos, num miar aflitivo como que a pedir algo, sem Isabel nem os filhos ou o Pedro entenderem o que se passava com o animal que estava muito abatido. Deram-lhe comida no sítio do costume, mas a gata andava para trás e para diante num desassossego constante, sem acalmar um segundo e então o Pedro resolveu segui-la pois parecia ser o que o animal pretendia que se fizesse. E com ele atrás dela, a Dolly nunca mais parou, e atrás dela, seguiu Isabel, a Maria, e o irmão. E o Pedro ficou admirado com o que viu. A Dolly tinha ido ter filhotes num sítio pouco presumível, exactamente em cima de um poço de água de rega, dentro de uns alcatruzes, de muito difícil acesso. Ali ninguém lhe tiraria os filhos, mas também nós não lhe conseguiríamos chegar, para a ajudarmos a cuidar deles.

A Dolly deve ter dado conta que íamos sair, pela movimentação diferente de malas e roupas, pelos cheiros diferentes de coisas diversas, mas algo lhe deve ter indicado que ia ficar só e então tratou de sair para se proteger e só reapareceu quando viu a família aparecer de novo.
Claro que os gatinhos permaneceram naquele ninho até que com as suas patinhas seguiram a mãe de lá para fora até casa de Isabel, e depois foi um problema porque os filhos de Isabel queriam ficar com os filhotes todos, o que não podia ser. Foi uma choradeira, na hora da despedida quando se entregaram aos novos donos.

Noutro parto da Dolly, que ainda permaneceu com a família longo tempo, na hora de ter os filhos, quando Isabel estava na cozinha a preparar o jantar, a gata miava, num miar dolorido, muito junto às suas pernas e deitando-se junto dela, mesmo em cima dos seus pés, como a anunciar algo urgente e aflitivo, parecia suplicar ajuda. Então Isabel disse à menina:

-Vamos deitar a Dolly no seu ninho. Vou-lhe fazer umas massagens na barriga, pode ser que alivie a gatinha. Parece-me que está com dores de parto, pois devem estar para nascer os seus gatinhos.

-E eu, posso ver mãe?

-Claro Maria, podes ver sim senhor, e ficas a saber como nascemos, porque todos nascemos assim, e com a Dolly, apesar de ser uma gata, vai tudo correr bem, pois da última vez que pariu, teve os filhotes sozinha e correu tudo lindamente.

Isabel pegou na gatinha, deitou-a no ninho, deitada meio de lado de barriga para cima e começou a fazer-lhe massagens de cima para baixo, continuamente no mesmo sentido e a gata abrindo as patas ia-se compondo de forma a dar o jeito que mais lhe convinha. Daí a uns quinze minutos, como disse Maria, saía um embrulhinho pela zona vaginal da Dolly que ela lambeu muito bem, mas depois rejeitou pois continuava com dores, e depois ainda saíram mais três gatinhos. A Dolly teve quatro gatinhos, todos siameses. Isabel continuara a fazer massagens à gatinha que teve quatro filhotes, e Maria perguntou à mãe:

-Dói muito ter filhos assim, coitadinha da Dolly?

-Dói um bocadinho, filha, mas vês como ela está feliz, com os filhotes à volta dela a mamarem contentes nas suas tetas, e lembraste quando nós fomos de férias e ela veio tão feliz chamar-nos a todos, para irmos ver os seus meninos. As mães, têm algumas de dores quando nascem os seus filhos mas depois esquecem tudo pelo amor que lhes têm.

Hoje presenciaste um dos actos mais bonitos do mundo, o nascimento. Quando tu e o Manuel nasceram também tive algumas dores, mas depois esqueci tudo, quando vocês vieram para junto de mim, já não me doía nada e hoje já nem me lembro (e aí Isabel mentiu um pouco, mas o importante já o tinha transmitido à filha).

Isabel também teve cães, a Tusca, a primeira cadelinha que Isabel teve com o Pedro antes de filhos nascerem o Pirata (um Spring Spaniel ), a Rute uma (Yorkshire), o Pincel(um pincher), a Niquita (um caniche), o Tino, outro gato, todos eles criados com muito amor e carinho, e que tiveram muita importância na vida da família por um ou outo motivo deixando marcas fortes na vida de cada um. Mas os animais têm vidas curtas, doenças que por vezes surgem e os levam sem os donos contar. O pirata adorava os banhos no rio, também tomara, era um cão de caça de água e nunca caçou, passava a vida em casa, e então nos fins-de-semana que o Pedro o levava ao rio, ele corria pelo campo e atirava-se à água sem medo, como se aquele fosse o seu meio ambiente natural.

-Cuidado pai-gritava o Manuel-olha que ele vai pela água abaixo-

Mas vai o quê, nós é que iriamos se para lá fossemos, que o cão nadava para cá e para lá como se aquela fosse a sua casa. O pior era quando ele ia ao veterinário e passava no caminho por uma zona de campo, pois fazia uma força descomunal para saltar para fora do carro. Devia cheirar-lhe a caça de campo a léguas pois só sossegava quando regressava quando voltava ao seu ninho caseiro.

Anos mais tarde o Pirata foi o aconchego de Isabel numa doença grave que Pedro teve, quando ela chegava do hospital. Pedro pedira a Isabel que não comentasse com ninguém a sua situação, mas o Pirata sabia tudo e entendia-a melhor que ninguém com o seu olhar atento, pois quando chegava agarrada a ele desabafava e chorava aflita todas as suas angústias, para que os filhos ao chegar da escola não a vissem triste nem muito abatida.

Anos mais tarde Isabel e Pedro fizeram tudo para o salvar mas uma doença cardíaca levou-o quando ele tinha nove anos de vida, e Isabel chorou a sua morte pois perdera um grande amigo.


Uma atenção especial á Lua, que permanece a companhia de Isabel e Pedro agora acompanhada da Pimpinha, uma gatinha que compartilha a cama com ela.


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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Uma festa de aniversário ESPECIAL

Não importava se Isabel estava muito ou pouco feliz, pois ninguém é feliz o tempo todo, mas singrara, e naquele momento na sua casa reunia um conjunto de pessoas como nunca vira fazer os seus pais na sua casa em solteira, e isso para ela queria dizer qualquer coisa, e ela sabia que a avó Teresa estava muito contente.
Nesse dia a avó Teresa ia ajudá-la a fazer o arroz pardo com o frango assado no forno. A mãe do Pedro traria de sua casa, carne de cabra (chanfana), assada no seu forno de lenha, que seria acompanhada com batata cozida, e ambos os pratos seriam acompanhados com legumes cozidos ou crus, conforme o gosto. Antes seria servida uma canja de galinha, e para o final como sobremesa avó Teresa preparou uma quantidade grande do saboroso arroz doce, que ela fazia como ninguém. Não faltaram também o leite de creme e a gelatina que o Manuel e a Maria tanto gostavam, e bolos diversos, o bolo inglês e o de mármore que Isabel tão bem fazia, uma salada de fruta e naturalmente o bolo de aniversário.

Para receber os convidados, e porque o aniversário do Pedro se festeja no verão, arranjou-se forma de todas as pessoas almoçarem no terraço das traseiras da casa. Pedro cobriu-o com ramos de eucalipto e outras árvores do monte, emprestando ao ambiente um ar fabuloso em aroma e frescura. Foram arranjadas mesas e cadeiras, para todas as pessoas, mais de trinta, e instalada uma aparelhagem para que no final da refeição todos pudessem dançar, se fosse essa a sua vontade, o que veio a acontecer.

Isabel não parou em toda a tarde, e para as mesas serviu comida, bebidas diversas, doces, tudo o que lhe iam pedido e que havia na cozinha. A festa durou até às tantas, que depois do almoço e da mesa arrumada, conversou-se, dançou-se, e preparou-se a mesa para jantar os restos que ainda eram muitos e continuar o convívio até que as pessoas cansadas se quisessem retirar, que nem Isabel nem Pedro dariam nunca a festa por terminada.

Não fora a Maria ter escorregado e ter feito um golpe no queixo, com necessidade de intervenção imediata no Centro de Saúde mais próximo, tudo tido corrido de uma forma excelente. Na verdade Maria dava todos os passos que Isabel dava. A certa altura os seus pezinhos pequenos, calçados nuns sapatinhos de sola  novos, escorregaram no terraço num pouco de água que estava no chão e Maria bate com o queixo na quina de um vaso de flores, fazendo de imediato um golpe que o irmão de Isabel, médico, vê de imediato, que precisava ser suturado. Isabel fica aflita, sem saber o que fazer, nem para que lado se virar, pois a sua menina chora aflita e antes já o próprio irmão, a tentar abrir um garrafão, fizera um brutal golpe num dedo. Mas ele diz-lhe para descontrair o ambiente:

-Deixa lá, eu já devia ir ao hospital para cozer este meu dedo, assim vou mesmo, levo a menina, vejo o que lhe fazem e vêm-me isto também a mim.

-Santo Deus, tanta atribulação, e eu com tanto que fazer na cozinha, e sem coragem nenhuma para atender a minha menina.

E António, o avô, comentava:
-Mas para que é tanta coisa, tanta festa, Pedro não fazia muito bem anos sem isto tudo?

Claro que de António, todas as opiniões eram de esperar, ele era contra gasto de dinheiro desnecessário, e em reuniões desse género por maioria de razão.

Só anos mais tarde, quando os aniversários de Pedro e até os de Manuel e Maria, passaram a ser festejados com um almoço em casa de Isabel, mais intimamente, ou mesmo num restaurante, unicamente com os pais de ambos e com os netos, António deixa de refilar em relação aos gastos, mas aí, monopoliza a conversa totalmente e Isabel sente um desconforto e uma ansiedade total, sentido sempre um desejo enorme que esses momentos cheguem depressa ao fim. Será que Isabel e o pai não se entendem porque existe entre eles algo de muito semelhante ou antes pelo contrário, Isabel ainda vive presa no passado?

Mas de facto no dia da festa de aniversário dos trinta e três anos de Pedro, parece que ninguém arredava pé de casa de Isabel. O ambiente apesar dos sobressaltos, esteve óptimo, a comida melhor ainda, a avó Teresa ainda que mais velha que nos outros tempos, parecia aos olhos de Isabel, muito mais feliz que nos dias das festas na casa do tio quando todos iam para o arraial no final da procissão, porque a sentia muito feliz com aquela gente toda e aquele movimento.

Isabel recebeu os parabéns de todos pelo acolhimento e pela organização da festa, e Pedro também.

Isabel queria muito que Pedro reparasse que ela era uma mulher capaz de fazer coisas relevantes, marcantes, e bem-feitas como as outras mulheres, as esposas dos seus amigos faziam, mas Pedro chegava sempre muito cansado à noite e não tinha muito tempo para dar atenção a Isabel, não naquele tempo e naquela idade, e Isabel começou gradualmente a adaptar-se a conviver com esse silêncio, a viver com os olhos caídos sem pedir mais do que aquilo que recebia. Porém de vez em quando descaia-se, porque o seu coração emotivo disparava e perante os amigos dizia coisas que não devia.
 Era o seu coração a falar mais alto!

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