quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A flores e a Ana

Chamava-se Ana, era alegre e risonha e nem parecia uma menina, sempre de saia verde, a blusinha bem amarela florida e na cabeça um chapelinho amarelo, enfeitado por uma fita verde, e de lado um raminho de flores miúdas, mais parecia lembrar um pequeno girassol.

Brincava pela rua como os outros companheiros, meninos e meninas, mas tinha por hábito apanhar flores e oferecê-las à mãe, à professora ou aos amigos continuamente, na rua, na escola ou quando chegava a casa. A mãe sempre a repreendia:
“-Ana não passes a vida a mexer e a colher as flores dos jardins das outras pessoas, qualquer dia ouves o que não queres. Toda a gente tem o direito de ter os seu canteiros como bem quer, como tu e eu temos o nosso. Não te basta o nosso e as flores que lá temos ”

E continuava:
“-És uma criança , nasceste com a ideia que és uma flor, que elas são todas tuas, que só tu sabes cuidar delas. Vestes-te como uma flor, só pensas em flores, comes, vives e sonhas a pensar em flores, e um dia deste apanhas um valente castigo por roubares, quer dizer, devastares sem pedires autorização, todos os jardins das vizinhas. Quando cresceres isso tem que acabar, fica-te mal e até me envergonhas. Até parece que não te dou educação. Vais crescer e qualquer dia, tens que passar  vestir-te de outra forma. Tens que pensar no que te estou a dizer, ouviste ?

A Ana, tudo aquilo lhe entrava por um ouvido e lhe saía pelo outro. Tinha muito tempo para pensar o que vestir quando fosse grande, mas naquele instante tinha que olhar pelos jardins de toda a gente, pois muitos estavam nitidamente ao abandono se não fosse ela dar-lhe um jeito, regá-los,  cuidar deles, passar por lá de vez em quando.

 Ana, não sabia o que era aquilo que sentia, mas gostava bastante de brincar, de se entreter a mexer nos canteiros  das  flores, tratar delas, de ver se tinham sede, apanhar as que estavam murchas, falar com elas, pôr-lhe caninhas para crescerem direitas e não caírem para o lado quando o seu caule estava a crescer meio torto quase a partir-se e a morrer no chão antes de florir, ver como dia a dia iam crescendo como se fossem gente e depois sem resistir apanhá-las, porque sabia que no jardim acabariam por murchar, enquanto outras flores jovens começavam a rebentar.

Adorava fazer com elas ramos lindíssimos, que mais pareciam feitos por gente adulta e competente, com experiência e muito treino na área, tal era o engenho que aplicava, parecendo ter feito cursos e formações dada por peritos, mas realmente o seu saber vinha do seu instinto e do seu sentir. As suas mãos sem ela se dar conta faziam tudo o resto. O que fazia afinal não era nenhuma brincadeira era o chamamento do seu instinto a uma arte que sem saber ela tinha e desconhecia e a mãe também, e como ia cuidando desta forma um pouco do jardim e do de toda a gente, ainda que um pouco ás escondidas, as pessoas nem diziam nada, fazendo de conta que nem sabiam. Deste jeito tinham os seus canteiros mais cuidados, era um facto. Aquela terra era um sonho, um jardim completo, e toda a gente de vez em quando era presenteada por um ramo de flores oferecido pela Ana.

Vestia-se sempre como se fosse uma flor, ou de rosa, como as rosas, ou então de violeta como as violetas ou amores perfeitos e no chapéu a mãe porque ela era criança, e lhe achava graça, colocava-lhe no chapéu sempre um raminho a condizer. Não faltou muito que em breve lhe começassem a chamar na terra e arredores a Ana florista.
Andava sempre muito colorida e feliz também. Mas como podia acontecer o contrário se o que fazia, lhe dava tanta felicidade. Apesar das recomendações da mãe, ela lá se ia vestindo assim pois ainda era uma criança e de uma forma ou de outra a mãe também gostava de a ver com aquelaNão lhe foi difícil dizer á mãe o que gostaria de ser quando crescesse. Florista no jardim botânico da cidade.

Depois de fazer os estudos básicos, teve uma casa onde vendeu toda a espécie de flores, mesmo aquelas que são mais exóticas e só existem nos países longínquos. Fez ramos de noiva, de namorados, para oferecer em todas as ocasiões, enfeitou todas as festas, todos os locais possíveis e imaginários, ganhou algum dinheiro com todo este seu trabalho, estudou numa Universidade estrangeira, e mais tarde dedicou-se a investigar o cruzamento ou seja o casamento entre os pólenes de flores de cores diversas, para obter novas flores. Transformou-se numa cientista famosa na área da botânica.

Casou com um colega também um apaixonado pela área, cientista de botânica mas não especificamente das flores, mais de plantas exóticas.

Dizem os amigos que foram ao seu casamento que nunca viram coisa igual. O seu ramo de noiva e coroa do cabelo eram feitos de pequenas flores mimosas nunca vistas, suaves e de um colorido muito suaves faziam uma simbiose perfeita entre o belo e o mais que perfeito, a igreja enfeitada por ela mesma de véspera com a ajuda da mãe e de uma amiga, parecia um jardim de flores, simples, mas muito bem conjugadas e colocadas em muita abundância em todos os cantos e recantos.

Era o local onde no dia seguinte juraria para sempre amor eterno ao homem que escolhera para viver consigo todos os momentos de sua vida, e assim para qualquer lugar que olhasse gostaria de sentir que estava num jardim daqueles que tantas vezes cuidou e onde se sentia sempre tão feliz.

No espaço onde foi feita uma grande festa para a qual esteve convidada toda a terra e mais uma quantidade enorme de pessoas, todo o local estava tão bonito que parecia para quem viu, que não saber explicar se o sítio era assim mesmo natural ou se fora preparado para o efeito.

Arvores lindíssimas rodeadas de trepadeiras, pequenos, canteiros cheios de flores por todos os cantos, cascatas de água e repuxos refrescavam o ambiente e tornavam o espaço ainda mais acolhedor.

Longos relvados serpenteados por aureolas de flores e plantas várias que lhe davam um ar magnifico e soberbo. Claro que Ana, a um cenário já naturalmente belo juntou mais flores e mais flores de forma que tornou esse cenário muito mais belo ainda.


 
Desde menina que Ana foi feliz.

Sonhava que era uma   flor. Vestia-se como uma flor.

 Cuidou e trabalhou mil flores. Estudou flores.

Criou, porque investigou novas flores. Casou no meio flores .

 Viveu toda a sua vida no meio do que mais gostava. Flores.


Que bom seria se todos nós pudéssemos pelo menos sonhar.

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