Aqui vai o lenço
Isabel nasceu numa aldeia no seio de uma família humilde, no início dos anos 50.
O facto de ser mulher acaba por condicionar toda a sua vida, pois o pai, machista, transporta para ela, talvez sem se dar conta, e por causa de todo o ambiente de violência verbal e físico, que cria em casa, uma sensação de medo e angustia permanentes, fazendo dela desde pequena uma criança ansiosa, angustiada, perturbada, cheia de receios, vendo-se Isabel a cada instante rejeitada por todos, incapaz de sentir que em alguma circunstância alguém lhe possa achar interesse, graça, sentir por ela um pouco de amizade, carinho, ou seja que sentimento for.
À partida Isabel sente-se uma derrotada, uma criança sem interesse, mesmo burra, só porque é mulher, pensando que melhor sorte teve o seu irmão, porque é homem . Preocupa-se principalmente em proteger a mãe dos ataques de fúria do pai, e isso basta-lhe para se sentir feliz, (era o que ela pensava).
Isabel não tem identidade. Sente que apareceu no mundo por um acaso qualquer, talvez por um engano, quem sabe porque os pais queriam outro rapaz, ou por uma distracção.
Definitivamente Isabel sente que não foi desejada.
Este sentimento de rejeição, acompanhou Isabel durante grande parte da sua vida.
O facto de ser mulher, condicionou-a desde pequena, diminuiu a sua condição de ser humano, porque além do já referido, lhe tirou todas as liberdades. Ela nunca fez aquilo que gostaria de ter feito. Sentiu-se presa indevidamente, vendo que outras jovens da sua idade saíam se divertiam, sem haver justificação para que ela não o fizesse.
Comparando com as avós, com as tias com as primas, ela e a mãe não tinham qualquer autonomia. Algo na sua casa não estava correcto, e ela nunca entendeu porque não lutou a mãe por esse direito.
Isabel é criada em silêncio, e para quem assiste ao seu crescimento na aldeia, pode parecer uma menina estimada, muito querida, a quem nada falta, mas esquecem-se as pessoas de olhar bem o rosto de Isabel que é triste e sombrio, de olhos e boca descaídos, devido à repressão, ao silêncio, ao medo constante em que vive.
Desde pequena que Isabel trocaria tudo, pela tranquilidade e paz na sua casa, mas o facto de pensar e reagir como tal, vai transformar todo o seu futuro, porque não é com isso que se deve preocupar uma criança no seu crescimento normal.
Se pudesse experimentar a sensação de que não ser rejeitada pelas colegas, seria a sua felicidade suprema, pois já lhe bastava sentir que em casa estava sempre em último plano. A tristeza maior sentia-a quando não tinha nunca o privilégio de ser escolhida na roda do lenço, pelos pretensas amigas, e o lenço, também a ela a rejeitava, no jogo que ela mais gostava de brincar no recreio da escola que era o jogo" aqui vai o lenço aqui fica o lenço " , o seu jogo de eleição, o que mais ela ansiava.
Como poderia ela escolher alguém, se a ela nunca ninguém a escolhia?
Era como se Isabel estando na roda, lá não estivesse. Ninguém a via, ninguém a conhecia, pois realmente ela não existia, não tinha identidade.
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