sábado, 20 de novembro de 2010

Geraldo

Aquela era a pior noticia que podia receber, depois dos momentos maravilhosos que tinha vivido com Alberto. De um momento para o outro esquecera tudo, caíra em si e sentiu um vazio que a percorreu como se tivesse acordado para outra realidade. O pai tinha falecido. Estava órfã, e nessa hora a mãe estava só e precisava dela. Estavam as duas sózinhas. Só se tinham uma à outra. Sem sentir arrependimento sentiu no entanto uma revolta por não ter estado ali mais cedo, e entrou num choro constante, sem saber o que fazer ou dizer,  sem mesmo conseguir arrumar os seus sentimentos.
Pia, a mãe estava inconsolável, nada parecia justificar o brutal acidente que vitimara Geraldo.

No dia anterior, ao final da tarde quando regressava a casa, vindo de Barcelona de uma viagem de negócios, por conta da casa de antiguidades, um carro, tendo provavelmente perdido a direcção, por motovo a esclarecer, despistou-se e embatendo em Geraldo, fez com que o seu carro saisse violentamente da estrada  e embatesse numa árvore. A força do impacto, provocou-lhe um choque a nível do crânio de tal forma violento, que segundo os médicos lhe provocou cerebralmente morte imediata.

Por mais tentativas de reanimação que tivessem sido feitas pela parte dos serviços de assistência aos acidentes na estrada, Geraldo não reagiu mais. O condutor que embateu nele, apesar de se ter despistado e ter andado às voltas dentro do carro e  ter embatido fortemente contra Geraldo, saiu com vida do acidente e estava hospitalizado.

A vida é muito cruel, e naquela hora Pia sentia que Deus a tinha abandonado. Não era justo ficar sozinha sem o seu companheiro de mais de trinta anos. Que iria ser dela agora. Que fazer sem o seu apoio constante, a sua ajuda, o seu amor, a sua companhia. Sem Geraldo ela não saberia fazer nada, nem gostaria de fazer mais nada. Tudo tinha perdido o interesse naquele dia.

No dia anterior, não fora Reina dizer-lhe que Camila provavelmente estaria com Alberto, Pia ficaria totalmente desorientada  sem saber  do paradeiro da filha. Todos a tinham procurado e ninguém sabia dela. Estavam incontactáveis. Fez-lhe tanta falta não ter Camila consigo ali naquele momento, mas Reina tranquilizara Pia, pois sabia que os amigos iam jantar e imaginou o final da noite. Não era normal Camila sair e não dizer onde ia, mas todas aquelas coincidências eram demasiadas para ser verdade. Pareciam todos estar a viver momentos anormais. De manhã, depois de Camila aparecer, não se falou mais no assunto.

Mãe e filha estavam tristes com a perda daquele seu homem, marido e pai extremoso, muito querido e amado. Não havia forma de entenderem e aceitarem aquele acidente estúpido, que de um momento para o outro lhes roubava uma pessoa querida, e vinha pôr entraves á continuidade normal das suas vidas. Era muito cedo para ele partir. Uma perda indiscutivelmente monstruosa.
Alberto permaneceu com Camila até ao final do dia, não se esquivando ao menor esforço para ajudar, mas tinha voo marcado, com assuntos pendentes para o dia seguinte e impossibilitado de adiar o voo, e como o funeral seria logo de manhã bem cedo, Camila achou que ele não precisava ficar. Já tinha ajudado o suficiente, orientando o necessário para tudo seguir em ordem no funeral, e depois o resto se faria. No dia seguinte, precisavam todos, sobretudo a mãe e ela, de descansar.

Quando aqueles dias intensos passassem, precisava pensar em todas as coisas, as boas e as terríveis que lhe tinham acontecido, que as más povoavam-lhe demais o pensamento, e não sabia ao certo o que fazer da sua vida. De um momento para o outro saira do paraíso e entrara num local estranho, desconfortável, para ela completamente desconhecido, que até áquele momento desconhecia e não gostava do sentimento que lhe causava.
Perder o pai dava-lhe uma sensação de solidão, de tristeza, mas também de vazio e abandono. Um sensação de perda ficara com ela, um amor que guardou no seu coração, mas nunca mais o teria na vida junto de si, para lhe dar um conselho ou o apoio de sempre. Nunca tinha pensado nisso antes, e isso causava-lhe uma dor enorme.

A mãe já lhe olhara para a mão e notara o brilho do solitário. Entendera a sua ausência, o seu desaparecimento no dia da morte do pai, temia agora ficar ainda mais só, mas a sua dor era bem maior nesse momento. Guardou esse assunto para falar mais tarde a sós com Camila.

Aquele dia chegou ao fim, não da forma como todos desejariam, mas chegada á hora do voo, que era sempre por volta da meia-noite, Alberto tinha que partir. Assim duas horas antes, por volta das  dez horas Alberto despediu-se de Camila. Pegou-lhe na mão onde na noite anterior lhe colocara o anel, beijou-a com ternura e disse:
-Minha querida mulher, adoro-te, volto depressa, porque não posso estar sem ti. Não, te esqueças que vamos casar e que a tua mãe estará sempre connosco, se for essa a sua vontade. Sei que agora a nossa vida deu uma reviravolta, mas tudo se arranjará. Quando voltar vamos conversar, sim ? Será que podemos? E não parou de a beijar.

Antes de sair, ainda lhe disse:
-“fico contigo, e vais comigo, amo-te”, colocando a mão no lugar do coração.
Alberto era um homem apaixonando, e um sedutor. Sabia como deixar uma mulher feliz, sabia o que lhe dizer em cada instante, como devia tocar-lhe, quando devia manter-se a seu lado em silêncio. Por isso quanto mais Camila o conhecia, mais medo tinha de o perder. Viu-o partir e naquele dia ficou mais triste que o habitual. Estava muito carente. Aquela noite iria ser bem diferente da anterior, em que se entregou mil vezes a ele e dormiu nos seus braços.
O mundo é extraordinário e complexo, dá voltas e reviravoltas, parece que brinca connosco, dá-nos num dia e em seguida tira-nos tudo.
Camila estava a aprender a viver. Tinha tido uma infância e adolescência fácil, tirara o seu curso e acabava agora o estágio.Conhecera o homem da sua vida e agora que estava decidida a casar e ir viver com o marido, tudo parecia correr muito bem. 
De um momento para o outro, perde o pai num brutal acidente de automóvel, sem o pai ter culpa nenhuma de tal acidente. Tudo se transforma e fica mais complexo, parecendo, nada ter solução.

Como devia fazer com Pia, ela não gostaria de saber que a filha não queria mais trabalhar depois de acabar o estágio? Como reagiria a mãe, à sua saída da cidade para ir viver com Alberto, que vivia tão longe?

Eram decerto muitas notícias desagradáveis para Pia, e Camila parece, que adivinhava que a mãe não devia concordar com nenhuma das suas decisões. Mas era o seu futuro que estava em causa.

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