domingo, 21 de novembro de 2010

A decisão

Nos dias que se seguiram, não foi fácil viver suportando a ausência de Geraldo, sabendo o motivo por que partira defenitivamente. Pia fechava-se em si, não querendo aceitar aquela sua nova forma de vida, tão sozinha, sem aquele homem que sempre fora a sua força, o seu pilar, e começava a ter dificuldade em dialogar com Camila.

Esta tinha tomado já a decisão de falar com a mãe e dizer-lhe o que desejava para o futuro.

Conversara muito com a amiga Reina, que não sabia muito bem que conselhos lhe havia de dar, pois se por um lado concordava com o facto de ela casar e ir viver com o marido, por outro tinha a certeza que Pia jamais iria deixar Múrcia para ir viver com ela. Pia era ainda muito nova, com 50 anos tinha um espírito muito independente e sempre vivera naquela cidade. Que faria ela noutra cidade onde não conhecia ninguém além de Camila. Mesmo para esta não iria ser fácil, mas Camila era jovem, facilmente faria amigos, os do maridoe outros surgiriam, e não ficaria só, mas Pia na situação de viuvez recente em que se  encontrava, estava muito frágil, incapaz de aceitar mudanças demasiado complicadas  na sua vida. Agora não conseguia imaginar como seria o seu futuro próximo, muito menos o  futuro mais longínquo.

Ao longo dos anos Pia e Geraldo tinham enveredado, como já era hábitual na familia, pelo caminho da compra e venda de peças de prata e ouro antigas, uma área onde os seus pais e avós já trabalhavam. Considerava-se uma antiquária por afinidade familiar, e trabalhava desde sempre nessa área com muito orgulho. Orgulhava-se de reunir porcelanas decorativas raras e outros objectos, quadros, e algumas jóias essencialmente de prata, muito trabalhada e explorada em Múrcia desde sempre.

Agora nem pensava no que fazer no minuto a seguir. Tinha que reorganizar a sua vida, o seu trabalho, a sua loja. Recomeçar o seu dia-a-dia.

Camila numa das vistas de Alberto, propusera-lhe ser ela a falar com a mãe primeiro sozinha, e depois conforme a reacção dela logo se veria.

Claro que sempre que eles estavam juntos, cada vez mais a despedida de ambos era mais apaixonada e ao mesmo tempo dolorosa, e Pia assistia a tudo isso em silêncio com o sentimento de que quem sabe que em breve também Camila partiria para constituir família. Estava destinada a viver só naquela cidade.

Fora assim que fora educada e assim seria, custava-lhe aceitar que tivesse que ser para tão longe. A filha ainda não lho dissera mas o seu coração de mãe adivinhava e há muito que sabia que Camila seguiria Alberto para onde ele a levasse. Tinha educado a filha a amar e respeitar a pessoa que esconhece para contituir um lar e ser o pai dos seus filhos e era o que estava a acontecer, não podia era prever que ele seria de tão longe, e ela estaria só.

Sentaram-se as duas e de uma vez só Camila disse tudo:

-Vou casar com Alberto aqui em Múrcia e Reina será minha madrinha. Resolvi que não vou trabalhar mais, e vou dedicar-me à minha nova casa, ao meu marido e aos filhos que tiver, como é hábito na família de Alberto. Depois de casada terei a minha lua-de-mel, uma viagem até ao Brasil, que sabes adoro conhecer há muito, e no regresso ficarei a viver com Alberto numa quinta perto da zona de vinhedos da família, Logroño,  onde trabalha, que é da família, em Rioja.
Sempre que puder virei aqui e espero que me visites amiúde. Terei um quarto permanentemente à tua espera. Podes, e essa seria a minha maior alegria, vir morar connosco. Alberto, eu, e a familia esperamos  por ti.

Pia ouviu tudo em silêncio e para ela se algumas coisas já as esperava ouvir, outras soaram-lhe menos bem aos ouvidos. Sabia desde o momento que a filha namorava com Alberto, que um dia ela iria com ele para essa província do Norte, mas agora sem Geraldo isso soava-lhe menos bem, mas tinha que aceitar.

Não gostava de saber, que a filha iria deixar de trabalhar e ficaria em casa a cuidar da família. Não concordava com essa atitude. Toda a vida trabalhara e fora independente, e conseguira conciliar ambas as coisas. Agora com a perda do marido teria que ganhar coragem e  recomeçar de uma forma diferente, mas a fazer alguma coisa para sobreviver também psicológicamente. E se nunca tivesse feito nada? Agora seria o caos na sua vida.
 E se um dia os dois se separassem, que seria de Camila sem emprego, nem experiência de trabalho?

Pia não podia concordar com a atitude radical da filha, mas já reparara que ela estava irredutível.

Limitou-se a responder:

-Sabes muito bem que não concordo plenamente contigo, mas se é assim que desejas a tua vida no futuro, muda-te e deixa de trabalhar.No teu lugar pensaria mais um pouco. Um dia não venhas chorar no meu regaço. As mulheres lutaram para sair de casa e ter os mesmos direitos que os homens a todos os niveis e também a nível laboral e tu vais enfiar-te em casa.
A paixão não dura sempre minha filha, o amor sim, e esse constrói-se dia a dia, e não é preciso estares permanentemente em casa. Alberto tem que sentir que precisa de ti, que lhe fazes falta, ter saudades do teu carinho, da tua presença, do teu toque, não ter-te ali em casa para se servir de ti quando lhe apetecer e desejar.
Achas que sou louca, eu sei. Só quero que sejas feliz. Eu ficarei por aqui, onde sempre vivi com o teu pai desde os meus 22 anos e onde fomos muito felizes.

Camila e a mãe nunca tinham falado tão sério. Pia estava a transformar-se numa mulher seca e amarga, mas também como poderia ser de outra forma se tudo lhe corria menos bem, e a filha na sua opinião estava a tomar um passo decisivo para a sua felicidade futura. Parecia que de um momento para o outro algo se tinha intrometido naquela familia exemplarmente tranquila.

Camila ouviu a mãe mas pensou que tudo iria correr bem. Na situação em que Pia estava não podia ter pensamentos positivos. Depois se veria o que fazer em relação ao facto de ela ficar ou não sózinha.
Os preparativos ficaram todos ao cuidado de Camila, pois Pia garantiu logo que não sentia energia, nem vontade para participar nesses preparativos. Com tempo e com a ajuda de Reina, nessa altura já casada, e portanto alguma experiencia na área, tudo organizou.
A escolha do local da boda, o menu, os convites, a igreja, a florista, o vestido, o ramo, as prendas dos convidados, o fotógrafo, a própria viagem de núpcias, e outros pormenores que foram surgindo, tudo ficou ao seu cuidado. Ao Alberto apresentava a conta do que tinha sido estipulado ser a parte dele a pagar. A lua-de-mel seria oferta dos padrinhos do noivo, o que era óptimo.

Alberto dissera-lhe que com a sua nova casa não precisava de se preocupar, alguém trataria de tudo e quando chegassem do Brasil ela verificaria como tudo estaria, e colocaria depois o resto a seu gosto.

Pia não era a mesma mulher, sentia-se derrotada, não tinha vontade de sair, nem de inovar, reorganizara a loja e limitava-se a vender o que tinha em stock e a receber um ou outro vendedor que aparecia com um outra peça para lhe mostrar. Entretanto observava com alguma amargura e estranheza o entusiasmo natural com que Camila tratava do seu casamento, culpabilizando-se pela  indiferença com que observava tudo isso, sem nenhuma energia para colaborar, e sair dessa sua apatia.
Continuava a viver em silêncio como outrora, mas este era um silêncio ferido, saudoso do seu bem amado Geraldo, não como outrora, que em silêncio lhe sentia ao lado o respirar.

Camila e Reina conseguiram que o casamento se realizasse no Santuário de La Fuensanta, que abriga a padroeira de Múrcia, a Virgem de La Fuensanta e está situada em pleno campo, local lindissimo,  a um curto passeio da cidade. É um templo estilo barroco e dali vê-se toda a cidade.

Com esta ultima conquista para o seu casamento estava muito feliz, mas nem isto fez alegrar o coração de Pia, para quem o futuro não se mostrava muito risonho. Casar no Santuário era muito importante para Camila devota da Virgem de La Fuensanta.

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