Com as malas feitas e preparados para viajar era a primeira vez que Camila parava para se questionar.
Por alguns segundos pensou se não se teria precipitado. Todo aquele tempo, quase dois anos, passara tão depressa que nem um segundo agira com a razão, tinha sido sempre levada pela paixão que sentia por Alberto. Sentia-se possuída por um amor que lhe era prazenteiro, mas que quase não a deixava raciocinar, nem viver, nem respirar, e só agora que deixava as suas raízes, dava conta que isso lhe trazia algum desconforto e insegurança.
Chegara a hora de abandonar aquela casa onde sempre vivera desde menina com os pais e Giulia, e dava-se agora conta do peso e mágoa que ao sair dali, isso lhe causava. Ainda não tivera tempo para pensar, porque talvez por medo, não se dera ao trabalho de o fazer. Quisera evitar fazê-lo, quem sabe inconscientemente, com receio da resposta, ou de algum pequeno vacilo, que o seu coração lhe poderia dar.
Não queria perder Alberto por nada, pois estava deveras apaixonada, e via agora que a sua precipitação naquele abandono drástico lhe ia ser doloroso. Estava presente em todas aquelas coisas que fizeram parte da sua vida, para poder deixá-las assim sem sentir mágoa, mas era tarde e não podia recuar.
Semeara tantos sonhos e colhera tudo o que desejara, sem saber ainda se a colheita seria produtiva e positiva de verdade.
Ia abandonar a sua cidade, os seus amigos, o trabalho onde poderia continuar e executaruma função, as praias que costumava vesitar nas redondezas, o mar de Múrcia, a praça sempre cheia de flores, os bares e outros locais que visitou tantas vezes com os amigos, e mais tarde com Alberto, mas mais importante que isso, ia deixar a loja de antiguidades e a casa onde nascera e fora criada com todo o amor pelos pais, onde aprendera a amar e ser amada como só eles sabiam amar, a entender e ouvir como eles, e tudo isso durante toda a sua vida, e agora que era mulher e ia partir ao recordar tudo isso, sentia uma amargura infinita que não conseguia explicar.
Tentou ocultar dentro de si esse sentimento que devia ser visivel no seu rosto, de forma que Alberto não se apercebesse.
Mas na verdade, ele não se apercebeu das suas preocupações, pois estava eufórico com a viagem.
Deixar a mãe sozinha, ainda que esta ficasse com a velha Giullia, agora que chegara a hora de partir, causava-lhe uma tristeza e um transtorno infinito, acrescido pelo facto de Pia lhe afirmar que raramente a iria visitar a Rioja, por não gostar da família de Alberto, e também por não lhe apetecer viajar por sentir a falta de Geraldo. Tudo isto lhe causava uma sensação de abandono e solidão, como se ao sair dali algo dentro dela morresse um pouco para sempre. Sentia como se estivesse a ser despojada, deitada para fora de algo que lhe pertencia e nunca mais seria dela, ainda que neste caso fosse ela própria que se despojasse a si mesmo.
Era como uma auto flagelação a que Camila se submetia naquele momento que partia, mas à qual haveria de resistir, pois esperava ser feliz com Alberto a ponto de se compensar de todas essas lacunas. Pensava falar muitas vezes com a mãe e visitá-la as vezes necessárias para matar saudades e resolver algum assunto que fosse necessário, mas ao final daquele dia ao contrário do que imaginara estava abalada e triste.
E Alberto pensando que aquela angustia e ansiedade eram provavelmente derivadas da longa viagem que os esperava, nem fez perguntas acerca da sua saída daquela casa, e a alguma variação possível do estado de espírito da sua mulher, não referiu absolutamente nada. Despediu-se de Pia como de costume, e nem reparou, que depois daquele longo abraço que a mãe e filha deram, o rosto de Camila mudou, os seus olhos azuis ficaram mais escuros.
Pia estava uma mulher mais triste e fria desde que Geraldo morrera, e isso acentuava-se desde que Camila pensara em se casar, mas evitava fazer muitos comentários pois não queria intervir na vontade da filha . Todo aquele tempo chorara para dentro o facto de ver a filha partir tão depressa, mas depois de se despedirem, não se conteve mais e os seus olhos choraram até secar as lágrimas.
Jurou que nunca mais choraria por nada, nem ninguém. O seu coração de mãe dizia-lhe que tinha perdido a sua menina, por mais que Giullia lhe dissesse que estava errada, ela não pensava noutra coisa, algo lhe dizia que Camila não estava a dar o passo certo. Mas seria decerto um pouco de ciume, era e sentimento de perda era o que dizia Giullia. E ficou pora aí.
Só Camila bem no fundo do seu coração, sabia que não era por causa do receio da viagem, mas porque perdera naquele instante o colo da sua mãe e o carinho de Giullia, que os seus olhos tinham ficado para sempre de um azul mais escuro.
Múrcia era uma página virada na história da sua vida, e naquele momento, ela dera-se conta que poderia estar a fazer aquela viagem ainda solteira, quem sabe com o Alberto, ou outros amigos, mas com mais calma, sem ter que se afastar tão rapidamente da sua cidade e da mãe que estava a passar uma fase terrível na vida. Estava feliz, mas ao mesmo tempo, incompleta e plena, havia qualquer coisa que falhara e que ela não se dera conta, tão envolvida que estava com a sua paixão.
Esperava nunca vir a arrepender-se daquele casamento tão apressado, como lhe disse muitas vezes a mãe e Reina. Desejava muito que Alberto a merecesse, pois a sua única certeza que tinha era o seu amor infindo por ele, e sobretudo esperava que a mãe um dia a perdoasse.
Precisava partir com Alberto. Um avião esperva por ela e pelo marido para juntos voarem, até à América do Sul. Quando voltasse um dia a Murcia não seria a mesma mulher, e se por um lado isso a entristecia, por outro enchia-a de muito orgulho. Estava orgulhosa por passar ao rol das mulheres casadas. Seria a senhora Velasquez.
Desde menina que desejava conhecer um pouco do Brasil, tinha a certeza que com o marido faria uma viagem de sonho.
Agora precisava pôr de lado todos aqueles pensamentos que lhe ensombravam o espirito e aproveitar ao máximo os dias que se avizinhavam e que começavam ali.
Fotos do Google
Sem comentários:
Enviar um comentário