domingo, 28 de novembro de 2010

Porquê?

Desde criança sonhara conhecer aquelas terras, aquele país, também conhecido por Terra de Vera Cruz, como lhe chamam os Portugueses, onde as pessoas se sentem livres e soltas, passeiam de chinelo no pé, têm um sorriso aberto, parecendo sempre contentes com a vida, mesmo quando tudo corre mal, com um sotaque que lhe dava prazer ouvir. O ar têm um cheiro a terra  quente e húmida, muito diferente do cheiro seu país.
 Mal desceu do avião e sentiu esse ar no rosto, adorou-o. Era a  viagem ao Brasil, país tão bem escrito por Jorge Amado e  tao bem cantado por tantos cantores famosos, como Vinicius de Morais, Elis Regina, Caetano Veloso e tantos outros. Estava a viver o sonho da sua vida, com o seu amor.

O roteiro estava delineado, e ao começar pelo Rio de Janeiro, não deixaram nada por ver, Niterói, estádio de Maracanã (que lhes mereceu uma visita pelo mítico jogador Pelé), Pão de Açúcar, Corcovado, onde Jesus parece abraçar o Rio, e com ele o mundo inteiro. Camila estava deslumbrada. Nestes últimos locais, sentia-se no topo do mundo. Nunca tinha visto tamanha beleza. Dali, tudo parecia perfeito, a natureza era maravilhosa e o seu amor ali, era pleno e absoluto. Parecia-lhe que dali conseguia dominar todas as coisas, ter o mundo a seus pés. Sentiu-se completamente realizada. Com Alberto visitou Ipanema, passeou em Copacabana  no calçadão, misturando-se com os brasileiros, com uma roupa bem simples, sem ter tido problema algum,  sentiu-se com o povo, uma mulher realizada.

Foram até Búzios três dias, e num passeio de barco que fizeram para conhecer todas as pequenas praias de Búzios, conheceram um casal simpático, com quem travaram um convívio mais chegado, pois como eles iriam em seguida para o mesmo resort fazer uma semana de férias, em Angra dos Reis.

As praias de Búzios eram deliciosas. As suas águas quentes e calmas, e logo ali ao lado as palmeiras e toda a vegetação verde que parecia beijar o mar, encantavam Camila que não parava de tirar fotos. Em cada recanto uma praia um tanto diferente, parecendo que alguém as tinha andado ali a distribuir, como se estivessem entre o polegar e o indicador de uma enorme mão gigante, com pequenos areais rodeadas de vegetação tropical luxuriante, sem se saber dizer muito bem qual seria a mais bonita e aconchegante.
Passaram ali dias ildilicos a não esquecer. Dias de sol, praia, diversão noturna, compras nas lojinhas, contacto com o povo, visita a locais vizinhos.
Tinham decidido, antes do fim de férias, ficar uma semana em Angra dos Reis, a apanhar sol, relaxar, tomar banhos de mar, a passear entre os verdes maravilhosos dos jardins junto ao mar, a tomar uma bebida ao entardecer junto à piscina, a inventar amor no seu quarto depois do pôr-do-sol, que ali se põe  muito cedo, a darem-se mil beijos sempre diferentes, que aquele clima convidada todo tempo ao aconchego e ao mimo mútuo, e também a conversarem, mas a estarem sós os dois, pois quando regressassem Camila sabia que Alberto com o trabalho estaria muitas vezes ausente de casa, e a deixaria muito tempo só.

Em Angra dos Reis o tratamento no resort era fabuloso. Tudo tinha muito requinte tendo em conta que se estava junto ao mar. A decoração era cuidada ao pormenor, ao mesmo tempo que era simples, era de um gosto extraordinário. Se Camila pudesse ficaria ali para sempre. Identificava-se com aquela gente simples que trabalhava no resort, o seu falar cantante, o seu sorriso permanente, sempre alegres e dispostos e com tempo para tudo, parecendo que para eles o relógio tinha muitos mais minutos. Ali sentia-se tratada como uma rainha.

Num dos passeios de barco que fizeram com o casal amigo, enquanto as esposas, Camila e a outra, nadavam e procuravam observar uns peixes no mar, os maridos no barco bebendo uma caipirinha, combinavam um desvio que não estava no programa, que estava a deixar Alberto eufórico de entusiasmo.

Ao subir para o barco, Camila só ouviu Alberto dizer:

-Mas com certeza que vamos, a reserva vou fazê-la logo que ao resort no balcão e iremos juntos, ok?
-Mas vamos onde amor, não me contas ?-perguntou Camila.
-Claro, falaremos mais tarde no nosso quarto, agora vamos  preparar-nos para sair do barco, que estou cheio de fome. Tu não? Que tal almoçarmos juntos?

E foram todos almoçar, num restaurante simpático na principal rua de Buzios.

Quando chegaram ao quarto Camila quis logo saber o que era aquilo a que se referia Alberto no barco, de estar a dizer que iam sair.

-Vamos sair a jantar a algum lado com aquele casal? Gosto de passar o serão contigo, ainda agora almoçamos juntos, e aqui fazem animações tão divertidas ao jantar, depois ando cansada quero deitar-me cedo.

E Camila ia-se despindo, preparando-se para tomar um duche, e depois relaxar um pouco sobre a cama, como era hábito dela e de Alberto, antes do jantar.

- Nada disso, eles vão visitar Salvador da Baia, e eu resolvi que nós também iriamos com eles. Vou comprar as passagens de avião para irmos amanhã para a Baia, e depois peço a alteração do nosso voo e embarcamos em Salvador da Baia, para regressarmos a Espanha, em vez de embarcarmos no Rio. Acho uma ideia fascinante ficarmos a conhecer a Baía, tu não? Não me digas que estás do contra que me irritas.

-Percebo, mas não concordo. Acho que me devias ter pedido a opinião. É tudo muito precipitado, Estou cansada, e penso que devias ter-me consultado. Alberto depois voltariamos ao Brasil a fazer essa viagem, ou então decidiamos agora os dois o que fazer, não ias já com os papéis resolver tudo sem práticamente me dizer nada.
-Mas não estou a dizer.
Camila não teve tempo para falar mais nada, Alberto estava com uns papéis numa mão, provavelmente para ir comprar os bilhetes como tinha dito, mas ao sentir-se contrariado, sem Camila conseguir entender como, ele esticou um  braço e com a mão deu-lhe um empurrão e uma bofetada voou pelo ar e assentou no seu rosto com tanta rapidez, como ela nunca tinha levado outra, que ela caiu na cama meio nua, enquanto ele saía dizendo:

-Quer só fazer o que lhe apetece, aborrecida- E saiu precipitadamente.

Camila estava trémula, confusa e admirada.não sabia se chorar se gritar. fugir era o que queria mas não tinha para onde. Aquilo não podia estar a acontecer com ela. Alberto acabava de lhe dar um safanão e uma valente bofetada porque ela não concordava com uma coisa que ele decidira sozinho, e agora nem queria ouvir a sua opinião?Ele não tinha motivos para fazer o que acabara de fazer, mas nada poderia justificar aquela violência. Camilla desconhecia completamente aquele Alberto, aquela voz, aquele olhar, aquela mão que a tocou. E ela pensava isto lavada em lágrimas. O rosto ardia-lhe de dor e mágoa.
Estava cansada, não queria mais mudanças. Gostava tanto de estar ali, só com ele, não com outro casal. Noutra ocasião visitariam Salvador da Baia, pois ela gostaria de voltar mais vezes ao Brasil. Nada justificava a atitude do marido. E muito encolhida, no mesmo quarto onde já se sentira a mulher mais feliz do mundo, naquele momento, chorava como nunca tinha chorado antes, nem mesmo quando perdera o seu pai.

Como seria possível, ela nunca se ter apercebido daquele olhar, e daquela raiva, no Alberto por quem se enamorou?

E estava com estes pensamentos a martelarem-lhe na cabeça,  num choro e soluçar profundo e sentido, que não se apercebeu que Alberto entrou, e já lhe afagava os cabelos, lhe acariciava os braços, e a envolvia lentamente. E ela carente e porque o amava,  ao poder sedutor do marido que também a amava, deixou-se seduzir, porque lhe sabia bem o afago daquelas mãos macias e o calor daquela voz quente que lhe sussurava ao ouvido e a fazia estremecer de prazer.

-Perdoa-me, não sei que me deu, fiquei fora de mim,por não me estares a entender.  Não sou assim tu sabes, amo-te tanto, quero-te muito, és a minha mulherzinha querida, não posso viver sem ti, diz que me perdoas, diz? Perdoas-me, vá diz que me perdoas.

E envolveu Camila com tanto beijo e tanto afago, que ela devagar se acalmou, deixou soluçar, de pensar, e correspondeu plenamente a todas as caricias e meiguiçes que ele lhe fazia docemente, sem se furtar a nenhuma, e os dois num só, amaram-se como se anteriormente nada ali tivesse acontecido.

Camila dormiu nos braços de Alberto e quando acordou, as malas estavam feitas. Ele tinha preparado tudo.

-Vê amor como está tudo preparado. Agora toma um duche, vamos tomar o pequeno-almoço, apanhar o táxi com os nossos amigos e tomar o avião. Podes levar uma roupa bem à vontade. Sabes, amo-te, adoro-te, e beijou-a vezes sem conta.

Camila tinha  tido uma noite maravilhosa com o marido, pois não conseguia resistir-lhe nunca. Amava-o acima de tudo, mas não esquecera aquela bofetada que ele lhe dera, a força que usara, e o seu olhar naquele momento. Aquela mão tão diferente no toque ao tocar-lhe o rosto ficara gravada na sua memória e no seu coração. Dispensava uma recordação dessas da sua lua-de-mel.  O facto de Alberto a ter deixado e ter feito prevalecer a sua vontade mostrara-lhe um lado dele que ela não conhecia. Adorava aquele homem que a conseguia levar até às nuvens, colocava-a no céu, mas depois daquele fim de tarde, tinha que passar a controlar-se. Ele dominava-a completamente.

Teria que viajar para Salvador da Baia sem saber nada daquela viagem, sem ter planeado nada com o marido como era habitual, situação com que ela não concordava. Seriam dois dias, ou três, ela nem sabia ao certo, diferentes dos que sonhara, sempre acompanhada de um outro casal, sem conseguir apagar da sua memória aquela mão de Alberto a cair na sua face, onde sentia ainda um fogo. Seriam dias de mentira, de faz de conta. Um final de lua-de-mel que lhe ficaria na sua memória como um marco feio, triste e nebuloso.

Nada a faria esquecer aquele final de tarde em Angra dos Reis. Por mais beijos e caricias que Alberto lhe desse, todos seriam poucos para limpar aquela mancha.

Alberto continuava a sorrir e a divertir-se naquela que deveria ser a viagem de sonho de ambos, mas se o azul dos olhos de Camila já tinha escurecido quando saiu de Múrcia, agora tinha perdido um pouco do seu brilho.


Fotos do Google

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