domingo, 20 de janeiro de 2019






Infância amarga, que recordo triste
A dor do pentear das tranças
Mais tarde no repuxar do laço, no cimo da cabeça.
O cantarolar firme, irritante, da azeda avó, sempre vestida de negro
A chegada a casa do pai, chefe e mandante
De falar forte, cuja entrada pela velha porta do corredor
Me fazia tremer, tal passarinho sem ninho, 
Eu, criança sem riso ou mimo, tremia pelo soar dos passos,
Aflita pelas constantes conversas impertinentes
Os berros, vozes que me estalavam nos ouvidos
Me faziam chorar a alma, ficar alerta, eu tremia, num estado contante!
Suplício terrível; ver quebrar pratos, atirados ao chão, com comida dentro
E o pão? A fome? Onde estavam? Não sei…isso importa…?Não!
Sem entender a razão, corria a pedir-lhe perdão, calma…
“Pára, tenho medo, mais não…não…”, ”não batas na minha mãe”
Agoniada, vendo a mãe naquela tristura, pois o pai lhe erguia a mão,
Eu tremia, tinha medo, frio…, fome não…!
“Pai a bater na mãe?” Não! E chorava, por dentro, e cresci nesta aflição
A mãe carpia, ele saía da mesa e terminava a refeição!
De noite, o choro aflito da mãe, o seu triste gemido, feriam o meu coração.
E eu não dormia! Escutava tudo e tudo gravei na memória,
Os teus passos lentos, firmes no corredor, no vai vem sem fim…
Eterna dor, que já não lembras, eu sei…
Pranto miúdo, infeliz, me despertava, fazia gelar, encolher na cama
Palavras magoadas, ditas em surdina, afligidas, que eu ouvia bem,
Todas ecoam ainda nos meus ouvidos, todas me fizeram mal para a vida,
Cuspiram-me desamor no rosto, no corpo todo…Encolhida, eu tremia ao escutar o teu pranto “….qualquer dia atiro-me ao poço….ai atiro, qualquer dia…”.
Sabes mãe, eu acreditava!
E com os olhos arregalados, ouvidos em escuta, coração receoso
Precisava ir onde tu fosses, fazer o que fizesses. Tinha de ser tua mãe!
Coisa disforme, passados tantos anos, estar presa nesta dor…
Funesta lembrança, infância estremecida, triste e carente 
Passado doloroso o teu e o meu, quanto queixume e cena sórdida
Recordo tudo com angústia e tremor, e tudo cobiçava com ânsia esquecer
Porém o aconchego quente do teu regaço, mãe, minha mãe..., que logo te vais
Se não for eu antes...Esse colo, esse colo doce, quente, aconchegante
Que queria meu…Não tenho na lembrança, e que saudade me faz…
Pena minha, meu desaire, não lembrar o cheiro do teu regaço, e aconchego!
Flecha acesa em brasa, tanto revés, que marcou nossas vidas
Me queimaram por dentro a carne, a alma, que,
Por mais que faça, só me trazem à lembrança a saudade de um colo, o teu, Mãe, o teu colo que devia ser meigo, meu, e não tive. Por onde andaste?
E se o tive, de tão atormentado, não o vivi…
Engoli-o decerto, como coisa acre, fel, que me vitimou a vida inteira 
Esqueci do tanto que chorei por ti, no meu silêncio de menina,
Das noites que em claro, cuidando de ti, passei em vigilante…
Sim, Sim, mãe, tudo se foi, e descurei…a vida é um rio…corre veloz…
Porquê mãe? porque teve de ser assim?
Regaço amado, como queria ter-te comigo. Aconchego tão amado e querido!
Elo único, que imagino em mim, tão delicado... Tão meu, tão precioso e distinto
Mãe, ouves- me mãe, dás- me ainda do teu colo?
Deixas que poise a minha cabeça, no teu regaço?
Mas tu não ouves! Já não lembras nada! Falas apenas do que te vem…
Depois viras as costas, tens muito que fazer...
Falas sempre só tu! Nunca me ouves! Mas estou feliz, agora já não choras….
Sabes mãe, há muito que taparam o poço do quintal…que alivio!
Queria tanto que poisasses a tua cabeça no meu regaço
Ia contar-te a história de uma menina feliz… amo-te tanto!


Rosa Maria Pereira Coelho
 ( 2018)
 



         O Regaço de minha Mãe

Mãe, útero Divino que me deu ao mundo
A idade do tempo que o tempo levou,
Mas muito nos deixou
Teu colo doce e quente, ninho diferente, ternura minha,
Que em meu coração aceso e vivo restou, tal chama viva
Que ainda hoje me aquece
Se tenho dores, se te olho, me falas, sempre me enterneces
Jã não me atentas, pouco escutas, de nada lembras
Mas juntas escrevemos sonhos, quando me adormecias
Eu no teu colo meigo, tu afagando meu rosto
Cantarolavas amor aos meus ouvidos,
E o amor dorme no seu dono
E eu, em ti, me abandonava e, queda, adormecia
Aconchego terno, o teu, saudades da tua pele macia,
Que me habita, pois em mim se eternizou
Mãe, minha mãe querida, quanto aflito medo!
Um dia, uma flor, um lamento, uma saudade eterna,
Lagrimas infindas, um lenço branco, a tua partida…
A tília da nossa porta, odorosa, teus braços perfumados…
Ela, por não te ver, secará de tristeza e não dará mais flor

                                 Eu não quero imaginar a despedida!
                                     Oh, tília triste, não mais florida
Não sei como viver sem o teu doce regaço e os teus abraços infindos
Quero ter-te aqui, comigo, toda a vida!

Deita a tua cabeça no meu colo, dorme e descansa
Dorme minha Mãe, o tempo avança, e tu és pequenina
A idade do tempo que o tempo levou, é infinita
Cantarei para ti, ao teu ouvido
O amor que me ensinaste a sentir a vida inteira
Amo-te sempre, minha Mãe, amada Mãe querida,
Que me concebeste, criaste e tudo me deste,
Quantas vezes sorrindo, com lágrimas escondidas
No teu coração bem recolhidas


Eu para sempre te terei no meu regaço,
Estando eu no teu, eternamente, feita menina…

                                               Rosa Maria Pereira Coelho  
Junho/ 2018 










SOLIDÃO


Dói-me o peso da solidão
Quero ser forte mas não sei
Pura é a ilusão
Tenho medo de algo
Tudo e nada
Todos se vão
E a mim pesa-me a ausência do vazio
A carga da chuva que me encharca
Os ossos, a alma, o corpo inteiro
O vento que sopra, assobia, rodopia
E num giro me  trás à lembrança
O tempo em que tudo era sempre tudo
Tenho medo de hoje
Não entendo nada, não sei que se passa
Falam, correm, há quem diga que sim
Mas o tempo voa e eu só, estou
E o medo fica, em mim estagnou
Não sei que coisa estranha é esta
Que entardecer é este que me molesta
Que por do sol doentio é este que não aquece
Inverno  frio, que gela os ossos
E a chuva cai, lava-me o rosto
Sou eu que não os vejo há muito tempo
Desde ontem
O longe é ali, mas ali está sombrio
E eu não vejo, não sinto, não ouço
As minhas mãos estão fechadas
Tristes e vazias e dizem-me duros segredos
Tudo é assim
Agora já nada é como outrora
Agora é o tempo de olhar a chuva
De sentir o medo frio
De olhar pela vidraça o vento em rodopio
Gente que anda apressada
Que sorri, e é feliz…será
E eu choro…
Nunca soube como era sorrir
Tenho saudades, medo…
Foram-se todos…
Dói…

Rosa Maria pereira Coelho