sábado, 17 de abril de 2010

A lua de mel

Sempre com as suas mãos nas do Pedro, Isabel dentro do carro desistiu de olhar para trás. Já não via o pai e a mãe não tinha aparecido…
Não esquecia o facto de não ter dado um beijo á mãe e de não ter olhado para ela, de lhe ter dado um beijo,  no momento em que saiu de casa para iniciar uma nova vida.

Tinha-a protegido tanto, tinha sofrido tanto por ela, e partia sem uma palavra de carinho, não entendia e custava-lhe a aceitar.

O tio de Isabel deixou-os no hotel. Subiram e no quarto depois de poisarem as malas Pedro sugeriu, que como era cedo o melhor era saírem e dar um passeio. Isabel concordou. Aliás concordaria com tudo o que o seu marido sugerisse naquele momento.

A verdade é que ambos estavam ali, sem saber muito bem o que fazer. Durante o namoro, por vezes abraçavam-se tão intensamente que  pareciam fundir-se num só, e as carícias que trocavam era suaves e doces de tanta ternura, mas nada mais. Agora estavam ali confundidos, sem saber o que fazer ou dizer. Ambos nervosos resolveram ir passear….

Isabel não imaginava nem um bocadinho o que seria estar com Pedro intimamente. Desejo de ficar com ele, ela tinha, mas não imaginava o que devia ou não fazer e como seria tudo além dos beijos e abraços que sempre tinham dado. Pedro nunca lhe tinha proposto, pedido ou sugerido algo além disso. Nunca tinham falado nem discutido nada acerca de assuntos sexuais, não imaginava como seria essa parte da sua vida. O que Isabel sabia tinha a ver com alguma coisa que tinha lido no seu curso, ou alguma conversa que possa ter tido com alguma colega experiente, mas tudo isso limitava-se a quase nada. Sonhos tinha muitos, sonhos decerto demasiado irreais....

Como seria fazer amor com o Pedro? Tinha imaginado tantas coisas e naquele momento a sua cabeça estava oca e sentia-se  acanhada. Parecia uma criança assustada e ingénua que não conseguiu ler correctamente o nome do café onde entraram nessa noite…”Evropa”, foi o que leu..., em vez de "Europa".

Mas tinham que voltar ao quarto. Arrumaram nas gavetas as roupas da mala, e Isabel foi tomar banho. Um duche que podia ser tomado a dois, mas não. Um de cada vez, tomaram o seu banho e depois de Isabel deitada, Pedro  vestido de pijama verde, resolveu arranjar uma lâmpada da cabeceira da cama, que estava avariada.

Isabel não sabia como se iria desembrulhar aquele novelo cada vez mais enredado e sem fio para puxar. O coração dizia-lhe que nada daquilo devia estar a acontecer, não era assim que as coisas deviam ser, mas mantinha-se calada e parada como uma estátua. Finalmente Pedro deitou-se e tudo se desenrolou muito depressa. Parecia que de um momento para o outro, algo muito urgente tinha que ser feito fosse como fosse, e de qualquer forma, como que se urgentemente tivessem que encontrar resposta para algo que não podia esperar. Isabel estática, esperava que tudo acabasse depressa.

Tantas vezes tinha desejado ardentemente estar muito juntinho de Pedro e assim, ali, naquele momento, não entendia aquela pressa, a força, o silêncio,a falta de carinho, a dor, a dureza e a secura dos movimentos. Não podia ser assim…, seria verdade o que a avó lhe tinha dito, quando lhe falou em “serrar”?

Isabel estava triste, magoada e tinha dores. Como ela, Pedro não tinha experiência nenhuma, mas a sensibilidade não o ajudou, e em vez de naturalmente, começar com beijos e abraços a acariciar Isabel, para a envolver na mesma emoção, sem se preocupar com mais nada, pensou em cumprir regras estipuladas e actuou de uma forma mecânica e brusca, que deixou Isabel sem saber como actuar e absolutamente paralisada, com o que ele estava a fazer, de forma que  se limitou a perguntar:
-”já está”?

Nem com mil palavras seria possível descrever o que Isabel sentiu naquele momento em que Pedro lhe respondeu, que no dia seguinte faria o resto… Meio atordoada Isabel só pensou:

“….então, ainda não está tudo…?”
 Mas desiludida e confusa, concordou!
 Aquela tinha sido a sua primeira noite de amor com Pedro, e estava muito longe do que ela pensava ser  fazer sexo com amor. Estava dorida, e sabia que aqueles momentos deviam ter acontecido de outra forma, não sabia como, mas sabia que tudo deveria ter sido diferente. Agarrou-se muito a Pedro, e pelo menos isso foi como sonhou, adormeceu muito agarrada nos braços dele e nessa sua primeira noite de casada, um pouco triste mas esperançada, não teve pesadelos.
Tinha a certeza que o pior tinha passado.

Muitas noites e dias se sucederam uns aos outros e  Pedro e  Isabel, com medo que o mundo acabasse, faziam tudo atabalhoadamente, sem que Isabel sentindo que tudo aquilo estava mal, dissesse ou fizesse alguma coisa para alterar as coisas. Também não sabia como fazer…, não estava á vontade, não queria magoar o marido, mas tinha a certeza que não era nada daquilo que deviam fazer. Ela não sentia nada! Ambos tinham muito que aprender…

Gradualmente foi aceitando aquela situação sem ter coragem ainda de reclamar. Mas a marca desses actos já estavam gravadas no seu coração.

Foram  dias diferentes de todos os que Isabel tinha vivido em toda a sua vida. Saíram muitas vezes á noite e chegavam de madrugada ao hotel, iam á praia e passeavam de mãos dadas, encontraram-se com alguns amigos, mas Isabel continuava magoada, pela mãe não ter aparecido quando saiu de casa. Lembrava-se dela com tristeza e preocupação. Só muito mais tarde Pedro, que sabia do acontecido, contou a Isabel o que aconteceu…enfim uma daquelas cenas habituais entre António e Graça…

Foram tantas as emoções que Isabel viveu com Pedro, todas tão diferentes que mesmo não tendo sido todas tão agradáveis como imaginara, no final daqueles dias, tinha a certeza que nem que vivesse cem anos, nunca mais teria oportunidade de viver momentos iguais aos vividos ali, naquela praia, naquela cidade, nos locais visitados, naquele quarto…

Isabel sentia-se livre como nunca,  apesar de não estar  satisfeita com o decorrer da sua relação sexual com o marido, que era tudo menos normal. Confiava que tudo ainda iria melhorar.

Descrever em pormenor todas as coisas que passavam na cabeça e no coração de Isabel não seria possível. Nem todas as palavras descreveriam exactamente o que Isabel sentia. Finalmente mal ou bem, ela estava a aprender a viver….

No ultimo dia que passaram na Falésia foram até ao mural de onde viam em plenitude todo o horizonte marítimo, e com muita saudade do vivido ali a dois, olharam-se nos olhos e com lágrimas afirmaram que só daí a muitos anos poderiam voltariam a estar assim juntos tantos dias naquele local. Esperava-os muito trabalho…Apesar de tudo, reconheciam ser muito amigos e ter uma grande cumplicidade!

Á espera deles, uma casa humilde e pequena, mas só deles, aguardava-os numa aldeia, que seria a partir daí a sua nova terra.

Abandonaram o hotel e com uma  mala vermelha tipo lona, enorme nas mãos, apanharam o comboio. Acabava para começar ali, uma parte muito importante da vida de Isabel.

Quando desceram na estação dos CFerro, ambos caminhavam para o desconhecido, mas com muita esperança que tudo pudesse correr bem na vida futura que os aguardava.

No coração, Isabel levava muita vontade de ser feliz e fazer feliz o Pedro, e os filhos que sempre sonhara ter com ele.

Havia de superar todas as dificuldades e cuidar da sua família com o carinho, que tanto lhe faltou desde menina.


Isabel queria finalmente ser livre e feliz, mas será que conseguiria?

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O dia do casamento

Isabel acordou cedo, e para sua admiração não estava nervosa.
De um pulo, saltou da cama e deixou a prima a dormir, sem se preocupar com ela. Depressa pôs mãos ao trabalho. No terraço uma quantidade de mesas esperavam  ser preparadas para levar a comida que serviria para receber os convidados.

Isabel preparou as mesas como estava combinado. Fez tudo isso em camisa de dormir. As suas roupas estavam já todas na mala, ou na sua futura casa.

Um telefonema especial encheu-a de alegria. João que estava a especializar-se a milhares de quilómetros da aldeia, queria desejar-lhe felicidades. Ficou comovida. Não conseguia evitar uma certa tristeza pelo facto do irmão estar tão longe dela. Há dois anos atrás, desde que o João tinha casado, que em casa sentia muito mais solidão, mas especialmente naquele dia teria sido bom ele estar ali.
Tomou um duche rápido e meteu-se no quarto, já arrumado, á espera da modista, que lhe traria o vestido de noiva.

Os convidados começaram a chegar, e só então apareceu a senhora com o vestido. Enquanto se vestia foi avisada que o fotógrafo já chegara. Não sabia nada da mãe nem do pai. Naquele momento, só pensava nela. Quando se olhou ao espelho depois de vestida, achou-se tão linda, que até corou.

Um tom azul claro nos olhos, um pouco de rímel e um pouco de blush no rosto, deram-lhe um ar mais bonito ainda. Olhando-se ao espelho pensava que aquilo não era verdade, vivia um sonho.

Isabel estava vestida de noiva, não com o vestido dos seus sonhos, mas estava linda. A sua imagem reflectida no espelho ficou-lhe gravada para sempre. Pela primeira vez não se preocupava com tudo o que os pais, podiam estar a fazer ou dizer.

Nunca mais se tinha preocupado com o facto da avó aparecer ou não. Ela tinha-lhe dado alguma ajuda monetária, e se não fosse ao casamento era porque era essa a sua vontade. A mãe seria a madrinha.

Em casa, tirou fotografias com os pais e sozinha em todas as posições possíveis, e chegada a hora saiu para a igreja pelo braço de António.

Na rua os convidados esperavam a noiva e faziam comentários. Isabel estava muito simples mas graciosa.

Daí a pouco quando chegou á entrada da igreja e viu Pedro, achou que ele estava mais lindo que nunca, ao lado da mãe que vestia de azul. Não recorda mais ninguém. Com o pai a seu lado subiu ao altar, seguida do Pedro pelo braço da mãe. Junto ao altar o chão estava completamente forrado, por um enorme tapete bordado, desenhado com pétalas de flores naturais.

De um momento para o outro reparou que a seu lado estava a avó Olinda e o avô Francisco, que seriam ali os seus padrinhos. Parecia que tudo estava em ordem.

Os olhares que Isabel e Pedro trocavam durante a cerimónia eram de muito carinho. O tempo voou e depois da missa, livros assinados e uma quantidade de fotos tiradas, começou o percurso a pé, até ao salão onde seria servido o almoço. Pelo caminho as mãos de Isabel e Pedro unidas diziam que estavam felizes, enquanto pessoas que os viam passar lhes atiravam flores desejando felicidades.

Sentados á mesa, noivos e convidados, comungavam de um mesmo sentimento, a felicidade daquele casal.

Isabel estranhava a ausência da mãe que só vira na igreja. De vez em quando, referia isso ao Pedro que a acalmava dizendo que devia estar ocupada. Chegado o fim do almoço quase ao final do dia, ficou combinado com o tio de Isabel, irmão de Nélito e Graça, em casa de quem a avó Teresa tinha vivido quando da construção da casa nova, que seria ele a levá-los á Falésia, para onde iam passar alguns dias antes de se mudarem para a sua nova casa, no local de trabalho de Isabel.
Chegados a casa para mudar de roupa, Isabel continuava preocupada com a ausência dos pais, mas sobretudo da mãe.
Pedro ajudou-a a desabotoar uma imensidão de botões que Isabel tinha nas costas do vestido, e sem gestos de afecto ou quaisquer actos de carinho, despiram ambos o traje de noivos e vestiram as roupas para saírem dali. Muito bem comportados como se estivessem a ser vigiados nada mais fizeram além de trocar de roupa. Sem comentar nada Isabel sentiu essa falta, mas estava preocupada demais com a ausência da mãe, e não disse nada.
Estava habituada demais a aceitar tudo, calada. Daí  em diante esperava dialogar todos os assuntos com Pedro.
Na rua o tio já esperava com o  carro e a Graça não dava sinal de si.
De repente apareceu António, que se vinha despedir de ambos e justificou a ausência da Graça pelo excesso de trabalho no salão para o jantar.
Isabel não queria acreditar, como era possível que a sua mãe não estivesse ali…

Só vira a mãe na igreja e naquele momento em que se despedia daquela casa que tinha sido a sua casa, daquela rua, daquela que não seria mais a sua aldeia, a mãe não estava ali para lhe dar beijos e abraços e desejar todo o bem do mundo.

Isabel estava muito triste com isso.

Entrou dentro do carro, e pela primeira vez pressentiu na voz do pai, quando ele se despediu dela, algo que lhe disse que ele estava triste por a ver partir, ou então era o que ela gostava que ele estivesse a sentir . Enquanto viu o pai e a sua casa ao longe, não deixou de olhar para trás…sempre.
 Os olhos iam cheios de lágrimas e no coração uma dor que nunca mais teria fim...

A sua mãe, onde estaria a sua mãe?

Porque não tinha ela pelo menos vindo dar-lhe um beijo?

A partir dali tudo seria novo e desconhecido para Isabel, mas ela esperava, com o  apoio do Pedro, conseguir construir um lar calmo e feliz, muito diferente daquele em que foi criada.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vespera do casamento

Era a véspera do casamento de Isabel e Pedro.
Sozinha além de ter arranjado alfaiate, modista, e uma senhora que trabalhou á mão o toucado que levaria na cabeça, o que a fez percorrer muitos caminhos, marcou o cabeleireiro e escolheu as flores do seu ramo. Tinha  ainda conseguido padre, para realizar a cerimónia no dia e hora combinados, visto que o da aldeia no dia escolhido não estaria disponível. Também o arranjo da sua futura casa, como a de solteira, ficaram ao seu cuidado.

E assim na véspera foi á cidade bem cedo, buscar o seu boquet á florista, e dar o arranjo necessário ao cabelo. De regresso a casa, teria de a deixar como um brinco.
No dia seguinte em casa,  tudo estaria em ordem.  Ela com a ajuda da modista cuidaria de si, e  ficaria bem com certeza.

Chegada a casa, dedicou-se á arrumação da mesma. Nas jarras flores brancas, davam ar de que algo diferente ia acontecer  ali. Arrumada e enfeitada daquela forma para receber os convidados e fazer as fotos habituais com os pais, antes de pelo braço do pai, sair para a igreja, Isabel pensou que a casa estava razoávelmente bonita. A seu ver, dentro dos possíveis, tudo estava como devia.

Para o  primeiro jantar, que os pai e noivos ofereciam aos  familiares e convidados, apesar de cansada Isabel tinha que se arranjar e mostrar-se radiosa. Este era como que, o seu jantar de despedida de solteira, e ela tinha que mostrar graciosidade e simpatia.
O cabelo arranjado de manhã, apesar do dia intenso de trabalho estava aceitável, e depois de um banho recuperaria do dia cansativo que tivera.

Todo o dia não tinha visto Pedro, nem ninguém. Estivera sempre ocupada, mas sem noticias.
 Os pais preocupados com o preparo das refeições a oferecer ao convidados durante aquele dia e seguintes, nem apareciam em casa. Como era da tradição, e mais por vontade da família do Pedro, durante três dias haveria festa. Isabel tinha dito desde logo ao Pedro que só iria estar presente no jantar da véspera e no almoço do dia do casamento.
Ela não gostaria de ficar exposta, durante tanto tempo, aos olhares e perguntas maliciosas dos convidados, não era seu feitio, e além disso, andava cansada com tanto trabalho.
No final dia do casamento sairiam da aldeia até á Falésia de qualquer forma.
Mas nesse dia, que era a véspera, seria a primeira vez que todos juntos Isabel, Pedro, famíliares  e convidados, festejariam em conjunto a união dos dois.

Á noite, o Pedro passou em casa de Isabel para chegarem juntos ao jantar. Era a primeira vez que saiam á noite sozinhos, sem necessidade de qualquer autorização.
Estava-se no verão e no ultimo inverno, portanto uns meses antes, Isabel tinha pedido aos pais para fazer a passagem de ano com o Pedro. Depois de muito pedir, os pais concordaram, mas exigindo que ela teria que estar em casa logo depois da meia noite. Nesse dia Isabel ficou triste. Estava farta daquilo.  Depois da meia noite é que seria o melhor da festa, mas que havia de fazer...
E na verdade nessa passagem de ano, depois da meia noite, não mais que dez minutos depois, Pedro saiu e acompanhou Isabel a casa. Ambos ficaram atónitos quando a meio do percurso apareceu Graça, a mãe de Isabel, que já vinha saber dela. Sem palavras para descrever o que sentiu naquele momento Isabel revoltou-se e não conseguiu evitar que as lágrimas surgissem nos olhos ao mesmo tempo que dentro dela uma raiva sem fim a  inundava. Ia casar daí a pouco tempo, estava noiva de anel e tudo desde a Primavera anterior, tinha 24 anos, e não sabia o que levava os pais a actuar assim com ela, e a não lhe permitirem nada, a não confiarem nela... Estava farta destas atitudes e outras semelhantes.

Mais uma vez, depois de a deixar em casa daí a alguns metros, porque tudo isto se passava na aldeia perto de sua casa, o Pedro voltava para a festa para se divertir até á hora que lhe apetecesse.

Poderiam vir milhares de outras festas, mas esta, que era a primeira e ultima passagem de ano que faria  sloteia com o Pedro, até porque nunca tinha pudido ir a outra, Isabel teria tido todo o direito de a festejar em liberdade. Deitou-se triste, magoada e infeliz. Nunca iria aceitar  nem entender, estas atitudes dos pais para com ela. Precisava mesmo de sair, fugir daquela prisão que a sufocava.

Não podia pedir ao Pedro que abandonasse a festa , ele não o faria nunca, mas imaginar-se ali fechada no quarto longe dele e do grupo de amigos, magoava-a demasiado.

De volta á véspera do casamento, ela vestia uma saia curta azul escuro pregueda excepto á frente, uma blusa branca cintada enfeitada na gola com um gracioso folho e um casaco de malha cintado pequeno, que lhe marcava ainda mais a cintura. O cabelo já arranjado para o dia seguinte dava-lhe um ar gaiato. No dedo, o anel de noivado com três pequenos brilhantes, que desde a primavera do ano anterior, Pedro num almoço feito para a ocasião, lhe oferecera, fazia toda a diferença. E foi assim que ela e o Pedro entraram no salão onde iriam participar no primeiro jantar com  todos os convidados.

A fome era pouca e a conversa entre ela e o Pedro não correu da melhor forma. Andavam  ambos cansados mas Isabel com o seu romantismo, gostaria que nesse dia ele tivesse sido diferente. Mais meigo e carinhoso, quem sabe com algo para lhe dizer, diferente de tudo aquilo que já lhe tinha dito …

No final do jantar, antes do Pedro ir levar Isabel a casa, a mãe  disse-lhe que uma prima convidada, iria dormir com ela lá em casa.
Fosse que prima fosse, Isabel nesse dia queria ficar sozinha. Era o seu ultimo dia solteira e queria pensar, estar só, no quarto que fora também o seu refugio. Mas não podia ser, também este direito lhe foi roubado. Já sabia que teria de partilhar a sua cama com a tal prima que só tinha visto algumas vezes, nessa ultima noite tão importanta para ela.

De regresso a casa Isabel não se lamentou, ia tão incompleta, tão vazia  e ansiosa que nem sabia o que dizer ao Pedro. Ao contrário de todos os  dias anteriores,  em que demoravam eternidades a despedir-se quando ele ia embora, naquele dia os beijos de despedida foram breves e gravadas para sempre, na cabeça  de Isabel, ficaram as palavras de Pedro :

-“ vê se amanhã te apresentas com outra cara mais agradável, que hoje estavas muito mal”
Pouco faltou para  lhe dizer, como o pai fazia muitas vezes, que ela estava de” trombas”. Realmente esta não foi com certeza a melhor forma de se despedirem no ultimo dia de solteiros. Por momentos, ali, Isabel teve vontade de desaparecer para algum lado onde ninguém a conhecesse, e pôr fim a tudo.

Isabel regressou ao seu quarto, triste e desiludida.  Não tinha muito tempo para pensar, pois daí a nada, a tal prima iria ocupar um lugar na sua cama.  Também a seu ver, nada tinha solução naquele momento. Encolheu-se o mais que pode numa borda da cama e tratou de secar as lágrimas. Estava cheia de duvidas, receios e também magoada demais, pelo que queria era adormecer o mais rápido possivel, sem pensar mais.
Com a ajuda de um comprimido, acabou por adormecer, incrédula pelo que acabou por ser a véspera do seu casamento. Pedro tinha-lhe dito  de mau humor, que estava cansado e ainda tinha que ir trabalhar para o salão das refeições, mas nada disso justificava a  seu ver, a forma quase grosseira como se sentiu tratada por ele, nesse dia unico, em que também ela tinha trabalhado muito. E tudo o resto que ela tinha imaginado...? Onde iria ela buscar a ternura e o carinho, que lhe faltara  nesse e nos dias anteriores.
Aquele dia  unico estava irremediavelmente no fim.
Não era assim que Isabel tinha sonhado esse dia, mas mantinha a esperança que tudo iria mudar. Se isto não fosse verdade ela nunca seria feliz.

domingo, 11 de abril de 2010

Arroz-doce com canela

Repentinamente Isabel acorda de um pesadelo. Reviver ali no quarto, por instantes, momentos da sua infância, foi como se tivesse sido invadida por um tufão que brutalmente a obrigasse a girar e rodopiar no ar vezes sem conta, até perder os sentidos. Parecia perdida, com a recordação de todos aqueles maus momentos, que os bons por serem poucos ou por serem bons, tinham-lhe fugido da lembrança.

A voz grave e decidida do pai, a falar com a mãe, chegou-lhe aos ouvidos, e trouxe-a á realidade.

-“deixa isso comigo que eu falo com a minha mãe. Se ela não quiser ir ao casamento o meu pai será o padrinho e tu serás a madrinha, mas até á altura logo se verá”

Isabel soube ali que teria madrinha sim senhora, mas não sabia se seria a avó ou a mãe. Resolveu não se preocupar com isso pois tinha coisas mais importantes para pensar.

O casamento estava perto e passava muito pouco tempo com o Pedro, que ainda estudava para acabar o curso. Ela que já tinha feito o seu estágio profissional, e com horários bastante dispares, pouco tempo tinha para estar com ele. A Isabel, parecia-lhe que quanto mais se aproximava o grande dia, mais distante estava do Pedro, que lhe aparecia muitas vezes aborrecido e amuado. Andavam ambos um pouco nervosos e agitados com o inicio dos preparativos, mas essa atitude dele preocupava-a.

Isabel teria de ter tudo em ordem para depois do dia do casamento, sair logo da casa dos pais. Já sabia que iria mudar de aldeia, e queria que na sua" nova casa",nada lhes faltasse.

Iriam  viver sozinhos no local de trabalho de Isabel. Seria difícil depois disso, Isabel voltar a viver na aldeia que a vira crescer, mas isso não a preocupava. Queria mesmo partir dali e esquecer a sua vida passada, o canto e a casa nova dos pais, se isso fosse possível, e criar o seu próprio lar junto com o Pedro. Um pequeno quarto e uma sala que funcionaria também como cozinha, e uma casa de banho recuperada de tanta velhice, seriam o suficiente para os dois viverem no inicio das suas vidas. Mais uma vez o engenho de António foi posto á prova para conseguirem transformar um local impróprio, num sitio onde viveriam com alguma dignidade. Para estas situações António estava sempre pronto a trabalhar, com a condição de se fazer  tudo como ele dizia.

Isabel nunca esquecerá a sua mesa de sala/cozinha desmontável, feita pelo avô Francisco, assim como uma quantidade de outros móveis úteis para o seu trabalho futuro, que não cabe aqui descrever, mas que Isabel nunca vai esquecer que foi o pai e o avô que construíram, com todo o carinho.

Pedro e Isabel combinaram fazer a sua lua de mel na praia da Falésia, aproveitando algum dinheiro que iriam ganhar de oferta dos convidados. Percorreram imensos hotéis e residenciais para encontrarem um local decente e barato para estarem juntos os primeiros dias das suas vidas em comum. Finalmente iriam estar juntos todos os dias e  todas as noites...

Não podia ser nada caro, mas tinham que encontrar um quarto asseado com casa de banho e um bom chuveiro, tudo limpo e em ordem como Isabel gostava, e um bom pequeno almoço que diariamente os confortasse. Iam viver dias que nunca mais iriam repetir, e tudo o que acontecesse de mau ou bom nesses dias seriam marcos para as suas vidas futuras.

Isabel encontrou uma modista e um alfaiate capazes de fazerem os fatos de ambos, para aquele dia. Nada de muito caro, que o dinheiro era muito pouco, mas simples e elegante. De fato, casaco preto e calça cinzenta e preta listada, camisa  e luvas de pele brancas e gravata cinzenta, Pedro seria o noivo mais lindo de sempre. Isabel vestiria de branco, não o vestido dos seus sonhos, que esse seria caro demais, mas o vestido possível em termos de custos. Com menos cauda, menos rendas e folhos que o imaginado, mas rico em simplicidade e frescura, Isabel seria uma noiva graciosa. Para a cabeça um toucado com flores trabalhado á mão, e um laço em tule rendado bem largo, iriam adornar-lhe o rosto o suficiente. Um simples bouquet de botões de rosa, cor de rosa, no mesmo tom das flores do toucado completariam o conjunto de Isabel, não esquecendo as sandálias e as luvas também brancas. As alianças foram compradas pelos dois, e eram o mais simples possível, tendo cada uma gravado o nome do outro.

A cargo de Isabel ficou o trabalho de enfeitar com canela todos os pratos de arroz doce, que seriam oferecidos aos convidados, antes do casamento. Todos os convites foram feitos pelos pais, exceptuando alguns amigos que ela própria convidou.

Isabel organizava tudo de forma a nada falhar. Os dias sucediam-se rapidamente e Isabel nem se apercebia que pouco faltava para ir viver com o Pedro uma nova vida, numa aldeia onde não conheciam ninguém. Estariam completamente sós, mas conversar sobre esse futuro foi coisa que nunca fizeram…

Com o curso acabado, cada amigo tinha ido trabalhar para lugares distantes dela , e sem se dar conta disso, Isabel daí a algum tempo iria ficar mais sozinha que nunca, numa aldeia distante longe da casa nova dos pais, da avó Teresa, da Zézita, e outras amigas que tinha na aldeia, longe de todos os seus amigos da faculdade, iria enfrentar uma nova realidade. Sobre este assunto e sobre como seria viverem no futuro numa terra desconhecida, Isabel e Pedro nunca tinham falado nada.Também Pedro iria deixar a familia, os amigos, o teatro, e nenhum deles estava preparado para esta realidade futura.
 Só se teriam um ao outro, e um monte de situações complicadas para resolverem.


Esta seria a grande falha das suas vidas. Mas o futuro teria muitas coisas diferentes para oferecer e surpreender Isabel , e ela jurara a si mesmo á muito tempo, que iria superar tudo com o apoio do Pedro.

sábado, 10 de abril de 2010

Duvidas e certezas

Algumas vezes Isabel pensou que aquele namoro não era o que sonhara. De vez em quando tinha pesadelos e chorava, acordava aflita sem entender as suas angustias.
Tinha imaginado, a sua relação com alguém, um pouco diferente da que tinha com Pedro, tanto pelas restrições que lhe eram impostas pelos pais, como pela maneira de ser dele. Sempre que estavam juntos eram sempre as mesmas coisas que ocupavam os dois. Conversavam, trocavam carícias, falavam  de algumas coisas banais,  tudo era aflorado ao de leve sem grandes preocupações.
 Isto fazia pensar Isabel. Muitas vezes as viagens de comboio, no período de aulas, eram feitas com o Pedro a dormir. Cansado das noitadas e aproveitando o balanço do comboio em vez de conversar e namorar com Isabel, dormia.

Em frente de pessoas ou amigos, Pedro nunca exteriorizava  gestos de carinho  mais expressivos, além de o acariciar das mãos. Isabel queria mais. Gostava que ele fosse como o João era com  a namorada. Ao principio nem o nome dela referia. Não tinha com ela nenhum tratamento mais carinhoso e isso deixava Isabel triste, que se sentia  sempre carente.

Isabel ainda recordava aquele casal de noivos, que há muitos anos atrás tinha visitado, e que a tinha impressionado pelas atitudes carinhosas e ternas. Pedro nunca seria assim.

Sempre de mãos dadas, enquanto ele dormia no comboio, ela ia experimentando sensações diversas enquanto pensava tudo isto, imaginando que um dia se conheceriam melhor. Ia adiando sempre para o dia seguinte um monte de duvidas que tinha e que queria colocar ao Pedro.

De noite, por vezes sem querer sonhava com tudo isso, e acordava em sobressalto, quando em pesadelos via, que ele se ia embora e a trocava por uma qualquer colega de curso ou até do teatro, com quem passava tantas noites bem mais acordado, do que nas viagens de comboio que fazia com ela.

Sobretudo Isabel não queria perder Pedro, que já fazia parte da sua vida, ou seria que ainda tinha duvidas acerca disso? Ele dizia-lhe muitas vezes que lhe queria bem, mas ela queria mais. precisava de sentir que era importante e indispensável na vida dele...

A certa altura Isabel já não era capaz de decidir coisa nenhuma. Acabar aquele namoro era impossível. ambos iriam sofrer. Os pais e toda a família de um e outro lado, não iriam entender essa rotura, iriam dizer que ela era doida( numa situação desta a rapariga ficava sempre mal vista), todos iriam falar dela como sendo leviana, coisa que ela não era, e ela sabia que Pedro iria sofrer, pois tinha acerteza que á sua maneira  gostava muito dela, mesmo sem lho dizer as vezes e da maneira que ela gostaria. Os pais de Isabel teriam uma reacção completamente desconhecida para ela, mas que não seria boa.
O  melhor era suportar todas as ausência,  tardes e fins de semana sozinha, todas as  idas do Pedro não sabia ela para onde, nem com quem, e todos os  lanches, encontros e festas para os quais Isabel não era  convidada pelo Pedro, por não ser do teatro, mas onde se ele quizesse bem a podia levar. Isabel guardava no fundo do seu coração o sentimento de mal amada que desde pequena a perseguia,  e que cada dia  não parava  de crescer dentro dela. Gradualmente tentou adaptar-se ao feitio do Pedro, aos seus gostos e quereres, á sua vontade, deixando para trás o que eram verdadeiramente os seus desejos.
Sim, desde muito cedo Isabel sentia-se mal amada pelo Pedro. Pelo carinho e amor que lhe dava sentia que merecia mais atenção da parte dele, e uma forma diferente de ele lhe mostrar como lhe queria bem. Ele gostava dela com toda a certeza mas á sua maneira, de uma forma pouco expressiva, muito silenciosa.
Pedro não teimava ou exigia  nunca que ela fosse com ele a lado algum, nem enfrentava os pais dela a pedir a reclamar a presença de Isabel junto dele.  Os pais deviam confiar no Pedroe  parecia que ambos os lados se tinham combinado, e nem diálogo sobre o assunto existia. Isabel tinha que se contentar com o que parecia estipulado por algum juiz. Por outro lado este sentimento de mal amada que já vinha de menina, juntamente com  os sentimentos da mulher em que se transformara, transformavam-na numa rapariga incompreendida, ansiosa, triste, com medo e vontade de fugir para bem longe. Isabel não se sentia completa.

Como ela gostaria que Pedro fosse um pouco diferente, mais atencioso, mais carinhoso e mais companheiro. Ela queria muito ser indispensável para ele, queria sentir que ele precisava dela sempre junto dele, mas sabia que isso nunca iria acontecer. Ele era muito livre e independente…e sem querer ser possessiva, queria sentir-se especial na vida dele, e isso só acontecera  no inicio do namoro.

Em casa continuava a ter problemas familiares e como antigamente muitas vezes interferia nas discussões dos pais, chamando-lhes a atenção para atitudes menos correctas. De alguma forma tentou encobrir perante Pedro a maneira de viver dos pais, e nunca deixou transparecer tudo de terrível que a tinha marcado na infância. Pedro já sabia que ela era ansiosa e chegava. Os motivos,  mais tarde, talvez lhos contasse. Ele nunca iria entender o que ela viveu  na  infância, nem perceberia o quanto isso a tinha marcado.

Pensava que com certeza as suas exigências para com Pedro tinham a ver com as suas vivencias de infância, e calava e aceitava tudo sem criar problemas e sem se lamentar, com a esperança que o futuro lhe seria risonho. Pedro era para ela além do namorado, o  seu amor, o amigo e confidente, um companheiro. Já tinha decidido que era com ele que iria ficar, e não ia fazer nada para que ele a deixasse. Um dia seria o seu marido, o pai dos seus filhos, e teriam todo o tempo do mundo para sozinhos se conhecerem melhor. Quando mesmo que fosse só com o olhar, que Pedro lhe dizia que a amava, ela sentia-se calma e tranquila e isso dava-lhe força para pensar que nunca mais se queria separar dele.

Tinha a certeza que ele seria sempre o seu melhor amigo e único companheiro, mas também sabia que para conseguir isso, tinha que lutar e sofrer muito.

Ela tinha muita vontade de ser feliz com o Pedro e  secretamente imaginava  que ele ainda se transformaria  no homem romântico que ela sempre sonhara ter. Eram ambos muito jovens e depois de casados, Isabel  conseguiria atingir  até o impossivel.

O namoro

Algumas vezes Isabel pensou que aquele namoro não era o que sonhara. De vez em quando tinha pesadelos e chorava, acordava aflita sem entender as suas angustias.


Tinha imaginado, a sua relação com alguém um pouco diferente da que tinha com Pedro, tanto pelas restrições que lhe eram impostas, como pelo feitio dele. Sempre que estavam juntos eram sempre as mesmas coisas que ocupavam os dois. Conversavam, trocavam carícias, falavam até de algumas coisas do futuro, mas tudo era aflorado ao de leve sem grandes preocupações. Muitas vezes as viagens de comboio, no período de aulas, eram feitas com o Pedro a dormir. Cansado das noitadas e aproveitando o balanço do comboio em vez de conversar e namorar com Isabel, dormia.

Em frente de pessoas ou amigos, Pedro nunca exteriorizava qualquer gesto de carinho além de o apertar das mãos. Isabel queria mais. Gostava que ele fosse como o João era para a namorada. Ao principio nem o nome dela referia. Não tinha com ela nenhum tratamento mais carinhoso e isso deixava Isabel triste.

Isabel ainda recordava aquele casal de noivos, que há muitos anos atrás tinha visitado, e que a tinha impressionado tanto. Pedro nunca seria assim.

Sempre de mãos dadas, enquanto ele dormia no comboio, ela ia experimentando sensações diversas enquanto pensava tudo isto, imaginando que um dia se conheceriam melhor. Ia adiando sempre para o dia seguinte um monte de duvidas que tinha e que queria colocar ao Pedro. Chegou a sonhar com tudo isso, e acordava em sobressalto, muitas vezes a chorar, quando em pesadelos via, que ele se ia embora e a trocava por uma qualquer colega de curso ou até do teatro, com quem passava tantas noites bem mais acordado, do que nas viagens de comboio que fazia com ela.

Sobretudo Isabel não queria perder Pedro, que já fazia parte da sua vida, ou seria que não tinha essa certeza?

A certa altura Isabel já não era capaz de decidir coisa nenhuma. Acabar aquele namoro era impossível. Os pais e toda a família de um e outro lado, não iriam entender essa rotura, iriam dizer que ela era doida, todos iriam falar dela como sendo leviana, coisa que ela não era. Os pais de Isabel teriam uma reacção completamente desconhecida para ela, mas que não seria boa , e assim o melhor era suportar tanta ausência, tantas tardes e fins de semana sozinha, tantas idas do Pedro não sabia ela para onde, nem com quem, tantos lanches, encontros e merendas para os quais Isabel até podia ser convidada pelo Pedro, mas não era, e guardar no fundo do seu coração um sentimento de mal amada que desde pequena sentia e que cada dia arranjava maneira de não parar de aumentar.

Sim desde muito cedo Isabel sentia-se mal amada pelo Pedro. Pelo carinho e amor que lhe dava sentia que merecia mais atenção da parte dele.

Pedro não teimava ou exigia que ela fosse com ele nunca, nem se impunha a pedir aos pais dela que queria que ela o acompanhasse, parecia que ambos os lados se tinham combinado, e nem diálogo sobre o assunto existia. Isabel tinha que se contentar com o que parecia estipulado por algum juiz. Por outro lado este sentimento de mal amada que já vinha de menina, juntamente com todos os que faziam também parte da sua maneira de ser, transformavam-na numa rapariga incompreendida, ansiosa, triste, com medo e vontade de fugir para bem longe.

Como ela gostaria que Pedro fosse um pouco diferente, mais atencioso, mais carinhoso e mais companheiro. Ela queria muito ser indispensável para ele, mas sabia que não era.

Em casa continuava a ter problemas familiares e como antigamente muitas vezes interferia nas discussões dos pais, chamando-lhes a atenção para atitudes menos correctas. De alguma forma tentou encobrir perante Pedro a maneira de viver dos pais, e nunca deixou transparecer tudo de terrível que a tinha marcado na infância. Pedro já sabia que ela era ansiosa e chegava. Os motivos mais tarde, talvez lhos contasse. Ele nunca iria entender o que viveu na sua infância, nem perceberia o quanto isso a tinha marcado.

Pensava que com certeza as suas exigências para com Pedro tinham a ver com isso, e calava e aceitava tudo sem criar problemas e sem se lamentar, com a esperança que o futuro lhe seria risonho. Pedro era para ela além do namorado, o amor, o amigo e confidente, um companheiro. Já tinha decidido que era com ele que iria ficar, e não ia fazer nada para que ele a deixasse. Um dia seria o seu marido, o pai dos seus filhos. Tinha a certeza que ele seria sempre seu amigo e companheiro, mas também sabia que para conseguir isso, tinha que lutar muito.
Ela tinha muita vontade de ser feliz e conseguir que Pedro se transformasse no namorado e marido romântivo que ela sonhara sempre.



quinta-feira, 8 de abril de 2010

Prisão

Todos os encontros com Pedro eram igualmente agradáveis. Num sábado, logo que o pai de Isabel pode atender o Pedro, este foi mesmo falar com António, que não deixou de marcar esse dia com algo que ficou gravado nos dois para sempre.
- “Guardada está a fatia para quem a há-de comer” , foi exactamente o que disse ao Pedro, deixando os dois pasmados olhando um para o outro.
O Pedro continuava no teatro e como Isabel não tinha permissão do pai para sair, ficava muito tempo só. Aos fins de semana o Pedro quase sempre saía com o grupo de teatro. Logo de inicio António tinha proibido namoros  á noite. Queria deitar-se á hora que lhe apetecesse e ambos tinham que estudar, portanto nem pensar em estarem juntos á noite. Para Isabel era difícil aceitar que nunca podia ir com o Pedro a lado algum, sabendo que ele se encontrava com outras amigas.

Aos poucos bailes que foram, iam acompanhados pela mãe do Pedro que o fazia com alegria, mas  Isabel com hora marcada para estar em casa, sempre pouco depois da meia noite, normalmente já ia aborrecida com o facto de ter de regressar tão depressa a casa. Isabel ficava muito triste por  se ausentar tão cedo dos bailes, sabendo que  Pedro voltava para lá e que por lá ficava até que lhe apetecesse.
Passavam juntos os intervalos do almoço e as viagens de comboio sempre que os horários das aulas permitiam.
Isabel sempre quiz muito mais que isso, mas aos poucos  teve que aprender que tinha que ser assim. O Pedro divertia-se a fazer as coisas que mais gostava de fazer e Isabel esperava que ele estivesse disponível para estar com ela. Engolia com muita dificuldade cada um destes obstaculos, como se fossem nozes com casca impossiveis de partir.
 Não foram porém poucas as tardes, em que Isabel teve que mandar Pedro embora de casa para conseguir estudar. Á tarde lanchavam muitas vezes os dois em casa de Isabel e depois perdiam-se entre beijos e afagos e o tempo voava. Na época de exames, Isabel precisava de tempo para estudar e por muito que lhe custasse tinha que pedir ao Pedro que fosse também estudar.

Logo no primeiro verão em que namoravam, o pai de Isabel decidiu que já não havia interesse em alugar casa na Falésia. O João, que namorava no norte, ia com a namorada e a  família  para uma  praia nortenha e assim António não via necessidade de irem para a Falésia como antes. Bastava apanhar uns dias de sol, andando para trás e para diante no carro, e o efeito seria o mesmo. Não pediu opinião a ninguém nem se importava com o que Isabel gostaria mais de fazer ou  o que seria melhor para ela. Nunca ligou muito aos sentimentos e vontades da filha.

Muito triste, Isabel passava os dias de verão longe do Pedro, que por rotina desde pequeno passava com os pais uma determinada quinzena na Falésia, que por azar  não coincidiam com os dias de férias de António.
Desde miúda que Isabel sonhava em passear á noite pelas ruas da Falésia com o namorado, e durante o dia  de mãos dadas na praia sentindo o salpicar da água do mar nas pernas, e deitados ao sol segredarem um ao outro assuntos só deles. Tinha este sonho desde menina, desde o tempo  em que a mãe se metia nas conversas do grupo e dizia a todos que ela só gostava de bonecas e o pai não a deixava sair com o grupo, sobretudo á noite.  Nessa altura muitas vezes pensou que um dia tudo seria como idealizava, mas na verdade esses sonhos foram-lhe todos completamente proibidos.

Deixando António de alugar casa na Falésia, Isabel só ia á  praia nos dias em que António queria, e regressava a casa cedo, pois os pais cansavam-se de um dia inteiro de sol. Á  noite, Isabel e Pedro não conseguiam estar juntos nunca. Passear á noite com Pedro  estava desde logo fora de questão o que  entristecia Isabel , que  nunca iria saber o que era andar livre  e naturalmente com o Pedro pela  praia, como todos os namorados faziam e como  ela sempre tinha imaginado.

Esses dias eram os mais difíceis de passarem separados. Parecia que tudo e todos ficavam contra eles. O céu e o mar revoltavam-se contra a sua separação, o sol desaparecia no céu por trás das nuvens e o mar enfurecido batia furiosamente  na areia. O mês de Setembro nunca mais foi o mesmo e a natureza encarregou-se de tornar a quinzena de Agosto, mais triste e sombria aos olhos de Pedro. Todos os dias escreviam longas cartas de juras de amor. Mas na verdade Isabel gostaria que todas as coisas que lhes aconteciam, fossem de outra forma, e nem mil cartas doces e ternas, poderiam acalmar a dor que sentia por estar assim afastada do namorado. Nunca se conformou com a ideia de os pais não terem a capacidade de perceber que a estavam a magoar, que aquele namoro de Isabel devia ser de outra forma.

Muitas vezes comparava as limitações do seu  namoro com  Pedro, em relação ao namoro do João. Eram muito diferentes os limites impostos a cada um. Isabel sentia-se infeliz por  ser  tão limitada.

Isabel pelas ausências repetidas de Pedro por causa do teatro e porque ela nunca podia sair com ele, precisava que ele lhe dissesse  e falasse coisas que ele nunca chegou a dizer.  Também  por isso ela sentia que algo faltava na relação dos dois. Estava vezes demais triste, sentindo um vazio  longo e frio percorre-la completamente. A sensação de que tudo deveria ser de outra maneira era permanente, mas não tinha coragem de reclamar ou impôr fosse o que fosse.
Junto do Pedro ela sentia-se tranquila, mas algumas vezes duvidava se era mesmo aquilo que desejava para ela. Aquela situação fazia-a sofrer. A mistura do sentimento que tinha por Pedro e a vontade que tinha de ser livre e cortar todas aquelas amarras, confundiam-na muito.
Seria verdade que o Pedro gostava dela?  Estaria disposto a  continuar e aceitar as normas de tirania impostas a Isabel? E longe dela, quando estava ocupado em outras actividades, estaria feliz  e livre, ou  sentiria a sua falta junto dele? Tudo isto e muito mais atormentava Isabel, que tentava sobreviver a esta montanha de duvidas que a deixavam infeliz.
Mas a dor do amor  fugidio e distante, fez crescer Isabel e obrigou-a  a aceitar tudo, admitindo que  com ela, nada  podia ser de outra forma.
Isabel ia aprendendo a conviver com tudo isso atenta á voz do seu coração, não conseguindo pôr de lado a tristeza que a habitava  desde que se sentia gente. Isabel não se sentia  feliz.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O azul

Naquele dia Isabel acordou animada. Deixou-se ficar na cama até que o corpo lhe pediu e o tempo permitiu. Escreveu, leu e sonhou como seria tudo nesse dia. A hora do pequeno-almoço passou, mas não tinha fome. Estava tão tranquila, que nenhum dos seus órgãos reclamou coisa nenhuma.

Levantou-se e fez em casa absolutamente o necessário. O dia era demasiado importante para se preocupar com ninharias. Um almoço rápido mas suficiente, tapou as necessidades de manutenção de energia no corpo.

Na hora de se arranjar para sair, Isabel pensou que naquele dia tinha que parecer bem, e tentou arranjar-se como uma senhora muito segura de si. Ela estava realmente muito segura de si.

Quando chegou á livraria, ia estranhamente calma. Pelo sim pelo não antes de sair de casa, tinha tomada o comprimido milagroso que em situações limite, funcionava sempre.

Aquela era uma situação nova, diferente de todas as que já tinha vivido, mas era a mais importante de todas. Nem casamentos ou nascimentos, baptizados ou comunhões, namoros ou trabalhos, ou fosse o que fosse tinha tido alguma vez importância para ela, como aquele acontecimento.

Entrou e ficou inebriada pela cor, pelo cheiro. Tantos livros e todos pareciam ocupar o sítio certo.

A montra azul denunciava logo o que passava. Lá dentro o azul espalhava-se por todo o lado. Ao redor livros de todas as cores, e conteúdos preenchiam o espaço da livraria. Isabel sempre gostou de livros apesar da dificuldade em escolher os que deveria realmente ler. Sempre adorou o cheiro dos livros. Todos eram o que desejava. Mas todos, não eram os possíveis para ela. Isabel nunca conseguiria entender o que a maioria deles dizia. Não fora muito boa a português, e sempre entendeu melhor com o coração, mas a vontade de ler histórias que a fizessem sonhar e voar para outros universos, era mais forte.

Sempre gostou do cheiro dos livros, desde muito cedo, quando passou um ano fechada em casa doente, que gostaria de ter podido ler histórias de encantar. Por isso ficou por aí, e são ainda essas as histórias que povoam a sua mente.

Apareceram amigos, familiares, companheiros, professores, colegas, muito bem postos e animados, embebidos da mesma vontade de participar e acompanhar aquele momento primeiro e único.

Isabel com uma calma que não lhe era muito familiar, gostava de tudo o que via e muito mais do que sentia. Todos estavam bem, e aquele menino homem de camisola vermelha com um blazer, era o seu rei. Movimentava-se por entre prateleiras, mesas de livros e pessoas, como se aquela fosse a sua casa. Isabel sabia que ele estava feliz como nunca, e a sua pequena estrela, movimentava-se igualmente feliz como ele, espalhando os dois, naquele espaço um brilho de luz, calma e felicidade que aos poucos contagiou toda a gente.

A eloquência das palavras ditas e ouvidas entrara no coração de Isabel e lá permaneceram para sempre. Á frente viu, ouviu, compreendeu e sentiu tudo, como nunca. Viveu os momentos mais encantadores e fascinantes de toda a sua vida, sem medos sem nervoso ou ansiedade. A felicidade e emoção contagiaram toda a gente. Na sua mente a imagem do menino rei, de camisola vermelha que falava com a alma e com toda a inteligência e magia, ficaram gravadas para sempre no seu espírito. Isabel sabia que o seu Sol nesse dia brilhou mais alto, e que cada vez brilharia mais.

Por momentos o mundo todo estava ali e por aquele momento tudo tinha valido a pena. Um enorme raio de luz brilhou naquela sala e a emoção que envolveu todos os presentes fez perpetuar para sempre a magia daquele momento.

Isabel não sabia o que dizer, o que pensar. Estava calma e irradiada de uma felicidade como nunca. As lágrimas eram de eterno prazer e felicidade. Não tinha vontade de mais nada. Queria não sair mais dali.

Beijos, abraços, parabéns, tudo devido e merecido, e tudo, muito pouco para tão grande feito.

Isabel, foi se despedindo das pessoas, que satisfeitas iam abandonando comovidas a livraria. Abordando os seus pais também presentes neste acto, e demais felizes pelo acontecimento, Isabel deu um beijo á mãe que ao ouvido lhe disse,"anda vá, dá um beijo ao pai ", beliscando-lhe o braço, e empurrando-a para ele.

A mãe de Isabel não sabe, mas isso incomodou e entristeceu Isabel, que nunca deixou de cumprimentar o seu pai. Seja como for aquele é o seu pai, e ela sempre o respeitou. Por mais que peça á mãe que não o faça, ela repete este gesto continuadamente.

Por mais que coisas extraordinárias  aconteçam na vida de Isabel, há sempre uma nuvem a pairar por cima dela. Por isto sim, abençoado comprimido.

Por tudo o resto abençoada a hora em que num dia de feriado, o anestesista chamado de urgência, com a ajuda do médico fez vir ao mundo o "rei", como depois do parto comentou, (que Isabel bem ouviu)"era uma pena perder-se". E era, só que eles ali, não sabiam quanto.

Aquele dia de Maio

Aquele dia de Maio amanheceu radioso. Á hora combinada Isabel estava na paragem do autocarro. Todos chegaram, só faltava o Pedro. Isabel já triste com o autocarro a partir olhou mais uma vez o fundo da rua e de repente ao longe, apareceu ele a correr. O motorista lá esperou, e então sim ,seguiram o seu percurso para a cidade.
Isabel não tem noção se nesse dia o autocarro ia muito ou pouco cheio, só sabe que ao chegar, todos tomaram o caminho da manifestação e que pelas ruas uma quantidade pouco habitual de pessoas tomavam a mesma direcção. De um momento para o outro, ao lado de Isabel só restava o Pedro, os amigos no meio de tanta gente tinham desaparecido. Era uma multidão que avançava e cada vez mais se comprimia. Voltar para trás já era impossível, cada vez mais as pessoas se juntavam, sentindo-se a Isabel rapidamente como se estivesse empacotada. Mal  conseguia respirar, e  mas ela apesar de ansiosa, sabia que com o Pedro ali tudo iria correr bem. Recorda que ao lado dela uma senhora de idade, muito baixa,  dificilmente viria qualquer coisa e que por certo, tal como por momentos já tinha acontecido a Isabel, andava sem colocar os pés no chão. Ela girava como um pião em torno das pessoas e estas em torno dela, e lá seguia ocupando um  minimo espaço naquele aluvião de gente. Isabel e Pedro  no meio desta situação olhavam  um para o outro e prosseguiam rindo.
Instantaneamente a mão de Pedro segurou a de Isabel com muita força, e com um sorriso assim ficaram parados enquanto Spínola falava…

Isabel não lembra nada do que foi dito naquele encontro com o povo. Por momentos sentiu-se sozinha com o Pedro, flutuando sobre nuvens fofas que de vez em quando a faziam abanar. Parecia que o céu tinha chegado ali. Quando começaram a andar o tempo parecia ter parado, e sem dar conta como se fossem ondas do mar, num avançar e  recuar constante, levada ao colo pela multidão, isabel desceu as escadas do largo municipal. Nunca mais viu a velhota nem ninguém, e nunca mais tirou a sua mão da do Pedro.

Não trocaram muitas palavras e não escolheram sitio para se dirigir. Caminharam os dois assim pelas ruas, até que voltaram a encontrar os amigos da aldeia, que se riram vendo-os assim. Sem comentários o Pedro só disse que ia com Isabel almoçar á cantina da universidade. Eles disseram que  iam embora e Isabel calada aceitou o convite, feito assim, ficando calada.

Foram andando, conversando pouco, mas sempre que se olhavam nos olhos sorriam. As mãos muito unidas,  diziam uma á outra, um monte de coisas que nenhum deles era capaz de falar.

Isabel não tinha fome, mas durante o almoço o Pedro sugeriu que gostaria de não ir embora tão cedo para casa. Foram passear no jardim junto á universidade. As mãos já não queriam andar sós, e novamente juntas, caminharam, até que numa sombra, um banco os convidou a sentar. Não houve palavras, nem gestos desmedidos. Isabel sentia-se bem ali e sabia que algo mais teria de acontecer. Era muito importante que assim fosse.  E  foram tantos os beijos e carícias que percorreram lentamente todo o rosto de Isabel que ela se limitou a aceitar cada um, como se fossem algo  precioso que ao poucos a tiravam da escuridão e lhe davam vida.

Nenhum pedacinho do  rosto  de Isabel ficou esquecido. Sem palavras, que Pedro não era de muitas palavras, depois de  mais de mil beijos dados, só disse :

_”não preciso de perguntar se queres namorar comigo, pois não?”

Isabel estava arrepiada e feliz, também um pouco envergonhada, mas disse logo que não, que sim ,  que queria com certeza namorar com ele. Pensar o quê, esperar para quê? Naquele momento não tinha duvidas, porque sabia que se aceitou todas aquelas carícias e não as repudiou nem por segundos em pensamento, claro que queria o Pedro assim juntinho dela todos os dias.

Não queria fugir daquele bem querer. Tal como no dia anterior no choupal e depois no café, durante todo o dia sentiu nascer uma cumplicidade muito grande pelo  Pedro. Junto dele estava calma sem medos, esquecia as aulas, os conflitos de casa, a politica actual, o mundo todo deixava de existir,  e estava ali inteira sem pensar em mais nada. Era aquilo que ela queria para a sua vida…

Voltaram para o comboio, e depois na aldeia percorrendo a caminho de casa, a rua de mãos dadas, Isabel sentia-se forte  e poderosa. Nunca tinha visto ninguém andar de mãos dadas na aldeia. Os namorados limitavam-se a passear lado a lado, mas para ela, era um dado adquirido que não saberia andar nunca mais com o Pedro, sem ser daquela forma. Toda a gente que os visse pensaria que namoravam, mas isso ainda lhe deu mais vontade de não largar a mão dele, que carinhoso pela ,primeira vez a ia levar a casa.

Um carinhoso beijo nos lábios, mesmo á porta selou a despedida. Isabel tinha a certeza que como ela também o Pedro estava feliz.

Já no seu quarto Isabel pensou que mesmo naquele dia iria dizer aos pais que estava a namorar com aquele rapaz da aldeia vizinha. Mal o João chegou contou -lhe, e o irmão muito solidário, prontificou-se a dar a noticia aos pais á hora de jantar. Conhecia o Pedro e sabia que era bom rapaz.

Isabel não tinha tempo de pensar mais a sério no assunto e nem queria saber se estava certo ou não aquela tomada de decisão, mas a felicidade que a inundava era tanta que qualquer duvida naquele momento não tinha qualquer justificação. Só sabia que no dia seguinte iria combinar com o Pedro a forma de conciliarem os horários, para se poderem encontrar o mais possível, visto que frequentavam faculdades diferentes.

Á noite ao jantar  meio envergonhada enquanto o João chamou o assunto á baila, António quis mais informações. Isabel não falou muito, limitou-se a ouvir e concordar com o que o pai dizia. Nada de namoros á porta ou á janela como era hábito na aldeia :
-" atenção á compostura,  para bom entendedor meia palavra basta. O rapaz que venha falar comigo. Quero-os dentro de casa quando a mãe aí estiver".
Estava dito e Isabel nada retorquiu.

Será que o Pedro não se importaria de ir lá a casa falar com o pai?

Isabel deitou-se feliz a pensar no calor dos beijos que ainda sentia na face e na suavidade dos lábios do Pedro nos seus na despedida...

sábado, 3 de abril de 2010

O 25 de Abril

No dia 25 de Abril de 1974, Isabel tinha aulas de manhã. Levantou-se como de costume para ir para as aulas. Ao pequeno almoço, a mãe comentou com ela, que ouviu na rua quando foi ao padeiro, que na capital andava tudo em guerra.


- “Parece que os soldados fizeram estão em pé de guerra, e levaram já muita gente presa, mas é lá tão longe que não há-de chegar aqui nada…”

Se Isabel não percebia muito dos tempos conturbados que se viviam no país, Graça muito menos, e sendo assim Isabel resolveu que  deveria ir para as aulas como normalmente.

A guerra colonial cada vez era mais um problema politico para o país. A falta de liberdade de expressão revoltava os intelectuais, que viam o mundo de costas viradas para o seu país. A população, devido ao aumento crescente da imigração ( muitas famílias encontravam no país forma de trabalhar e conseguir sobreviver), estava cada vez estava mais envelhecida. Os estudantes viviam em permanente agitação, e tudo junto criava no país um momento de rotura, o momento chegado para um ponto de viragem.

Isabel chegou à faculdade e não havia aulas. As pessoas falavam cada uma para seu lado, “abaixo este e aquele, o outro para a rua, o povo agora é que manda, havias de ter ouvido na rádio de madrugada, na capital os soldados estão nas ruas armados com tanques de guerra e…”, e por aí adiante era tanta informação junta, que Isabel não sabia se havia de sentir medo e fugir dali para casa, ou ficar e escutar tudo..,resolveu ficar.

Então , a partir das 3 da madrugada de 25 Abril , a musica de José Afonso, Grândola Vila Morena, moveria as tropas colocadas em sítios estratégicos, a um autentico assalto ao país, aos locais considerados principais para o governo cair.

A canção “E depois do adeus “ cantada por Paulo de Carvalho confirmou que tudo estava a correr bem. Era uma revolução. Nunca nada mais seria como antes. As rádios, televisão, aeroporto, banco de Portugal, a rádio Marconi foram os primeiros alvos das tropas que não encontram resistência por parte de ninguém.

Isabel  pensava, que devia haver pessoas que não estariam assim tão bem. Parecia muita coisa para se conseguir tudo com tanta aceitação dos antigos políticos.

A revolução organizada por um grupo de militares capitães, movimentou as tropas e coordenou tudo a fazer, e mais tarde na rua, o povo juntou-se aos militares apoiando-os incondicionalmente. Tudo decorreu numa normalidade invulgar encontrando os soldados junto do povo muito apoio e conforto.
Nas ruas da capital, por uma vendedeira de cravos ter colocado um cravo no cano de uma espingarda de um soldado, serviu de mote para que centenas de cravos transformassem as espingarda em simbolo de revolução pacifica.
E os comentários iam sendo cada vez mais precisos, a rádio agora tomada, contava  livremente a cada segundo o que se ia passando, e rápidamente as noticias circulavam nas ruas. Isabel já não tinha tanta certeza, como a mãe que tudo o que acontecia era assim tão longe. Ali na sua universidade vivia-se intensamente todos aqueles momentos, e já se dizia que estudantes e políticos presos iam ser postos em liberdade.

O jardim da Associação Académica ia ser finalmente aberto, agora que os estudantes punham fim ao luto académico, e todos deviam dirigir-se para lá e acolher alguns dos estudantes presos que finalmente iam ser postos em liberdade.

Isabel também participou desse momento. Atordoada não entendia bem o que se passava, mas por tudo o que via tinha a certeza que era algo de muito grandioso. Atenta olhava tudo um pouco receosa, tentando não ser apanhada pelas objectivas de máquinas fotográficas e de filmar  de alguns presentes, que iam registando todos os momentos ali vividos. Admirava a envolvência e a energia de muitos estudantes, incapaz de comentar ou entender muito bem todos aqueles procedimentos.

De regresso a casa, notou as ruas um pouco vazias e o comboio sem a agitação habitual. Nesse dia os rapazes não se passeavam para trás e para diante. Algo já tinha mudado. Estavam todos empenhados demais naquele dia. Nos dias seguintes não haveria aulas e depois logo se veria. Muitos professores e funcionários considerados facistas, iriam ser demitidos e muita coisa ia mudar. Aquele mês na universidade e os seguintes iam ser de muitas mudanças.

Havia que aguardar o desenrolar dos acontecimentos.

Portugal estava livre, e todos gritavam

-”o povo unido jamais será vencido..”

Isabel foi repartindo os seus dias pela aldeia e umas idas curtas á faculdade para se inteirar das novidades e gradualmente participar nas aulas repostas. O retorno pleno ás aulas, implicava substituição de professores, e esse processo levou algum tempo a ficar resolvido.

Houve um período em que os alunos se achavam no direito de poder e saber fazer tudo. Era preciso tempo para se encontrar estabilidade para continuar a trabalhar.

Um destes dias, um amigo dela, que também era amigo do Pedro, convenceu-a de que este tinha algo muito importante pare lhe falar. Ela deveria ir até ao choupal junto á estação férrea, e esperar lá que ele apareceria. Para não parecer mal devia convidar a amiga retornada a ir com ela, mas era importante não faltar.

Isabel achou estranho aquele encontro combinado para aquele sitio, mas conversou com a amiga retornada, e á hora lá estava. Pedro não apareceu, e então rapidamente o amigo se prontificou a ir chamá-lo. Para Isabel alguma coisa ali estava mal, mas Pedro lá chegou e a verdade é que de repente se viu sozinha com ele, tendo os outros dois amigos desaparecido, não sabendo Isabel para onde.

Isabel e Pedro sentaram-se encostados a um grande choupo virado para a estação, de forma a não ficarem muito visíveis . Se alguém a visse ali e fosse dizer á mãe, ela não saberia como justificar o motivo da sua presença naquele sitio. Ultimamente de dia, tinha alguma liberdade, mas nunca fazia nada que a pudesse colocar mal. Estava preocupada, mas gostava de estar ali com Pedro.

Concluíram que ambos foram enganados, ou seja, a desculpa que o amigo deu a Isabel para aquele encontro, também a deu ao Pedro. Como Isabel, este esperava que Isabel tivesse algo importante para lhe dizer. Riram com o facto, os amigos é que queriam aquele encontro e eles tinham sido o isco. Mas conversaram de muita coisa,  incluindo o momento actual, riram e estavam felizes até que começou a chover. Os outros amigos apareceram e não houve tempo para nada, foi uma correria até ao café junto ao canto, onde em criança Isabel viu algumas vezes televisão e onde agora de vez em quando, desde que andava na universidade, tomava um café com um bolo de canela, fabrico da casa. Todos molhados faziam conversa para secar um pouco, sem comentários ao  ocorrido a cada casal no choupal.

Isabel não poderia aparecer tão molhada em casa. Mais tarde, diria á mãe que como a chuva não passava, o caminho de casa da amiga ate á sua, a deixara naquele estado. A amiga retornada e a família, viviam numa casa pequena alugada, relativamente distante da casa nova de Isabel, á espera que o inquilino da casa que deixaram quando foram para o ultramar, ficasse livre. Para essa família que deixou tudo no ultramar, desde a casa lá construída, aos carros, e grande parte de valores materiais e mordomias lá adquiridos, era um recomeço doloroso. Foram pobres, ficaram ricos, e estavam novamente, com pouco mais que nada…

Mas os quatro, lá continuaram no café, até que Isabel disse que tinha que ir embora. Já saíra há muito de casa, e depois ficava difícil justificar a sua ausência. Combinaram todos, no dia seguinte ir à cidade ver a manifestação que estava marcada para junto da Câmara Municipal.

O general Spínola, considerado um herói com muito poder militar, logo após o dia 25 Abril, integrava a Junta de Salvação Nacional, formada para desmantelar todos os órgãos do regime anterior, e então nomeado presidente da Republica, ia falar ao povo da cidade no dia 31 de Maio. Vivia-se o período do primeiro governo provisório, e Isabel não podia faltar, e o Pedro com o seu espirito meio revolucionário muito menos.
Combinaram que no dia seguinte iriam todos no autocarro das nove até á cidade para participar na manifestação. Mas  todos, foi o que todos combinaram…Isabel ficou ansiosa.

Pelo caminho as duas amigas nada contaram uma á outra. Isabel não estava nada interessada em saber o que estiveram a fazer os amigos, mas também não comentou o que conversou com o Pedro. Estava entusiasmada com a ideia de no dia seguinte irem todos juntos á manifestação, e poder estar novamente com o Pedro. Bem dera conta do ar despenteado e rosado da amiga, mas não ligou. Estava muito alegre e sentia que tal como no país, alguma coisa na sua vida ia mudar para sempre. Tinha gostado especialmente da tarde passada com o Pedro...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Perto da liberdade

Durante a sua infância e adolescência, Isabel sem saber, tinha vivido na sua condição de mulher, num regime de total ausência de direitos. Em casa, como na  maioria dos lares portugueses, o pai dominava como figura de chefia, com totais poderes paternais e maritais, e todos lhe deviam obediência. Era  este o espírito imposto ás famílias, pelo regime totalitarista.

A mulher não tinha quaisquer direitos, tendo o marido tantos poderes sobre ela, que podia abrir a sua correspondência, proibi-la de trabalhar fora de casa, de tomar contraceptivos, de viajar para o estrangeiro, exercer qualquer espécie de comercio ou outra actividade liberal. Tudo isto e muito mais, só era possível com o acordo do marido. Para tudo, sendo casada, o marido tinha que dar autorização, e quanto á sua vida social e politica, ficava limitada às regras impostas pelo governo politico. Aliás politicamente, à mulher nada era  permitido.

Uma mulher mãe solteira, era marginalizada pela sociedade e o filho considerado ilegítimo(chamado filho de pai incógnito), sem direito a nome de pai.

Todas as mulheres eram consideradas um ser humano de nível inferior ao homem. Em casa de Isabel também era esse o regime que vigorava. O pai trabalhava fora e dava ordens, a mãe e os filhos obedeciam, sendo que o filho homem era educado para seguir o mesmo rumo do pai “que de pequenino é que se torce o pepino”. O chefe da casa. Só nas familias devidamente instruidas e politicamente informadas, é que estes conceitos poderiam ser diferentes.

Na sociedade a mulher tinha um papel meramente subalterno, sem direitos absolutamente nenhuns. Sujeitava-se ao facto da Constituição não garantir quaisquer direitos aos cidadãos, e muito menos a ela, que na altura tinha como obrigação parir, criar os filhos e cuidar da casa.

O direito ao trabalho fora de casa, continuação dos estudos livremente depois da quarta classe, (que era limite do ensino obrigatório), um determinado numero de carreiras, como a magistratura ou a politica, e uma série enorme de outros direitos estavam também condicionados á vontade do pai, influência e poder familiar. Todas estas regras eram demasiado complexas e exigentes para serem do conhecimento e compreensão de Isabel, criada na aldeia sem nunca ter sequer viajado até á capital, numa casa onde não se recorda, ter  visto revistas ou jornais.

Para Isabel, a mulher no mundo com mais liberdade era a avó Olinda, logo seguida da avó Teresa, pois ambas fizeram sempre o que muito bem lhes apeteceu, sem terem os maridos a intervir, e sem perceberem que politicamente eram consideradas muito menos que eles. Se elas soubessem, talvez tivessem lutado por isso, mas como não, limitaram-se a viver a sua liberdade da forma que entenderam. Isabel um dia sentir-se-ia feliz, se na sua profissão conseguisse agir livremente como as avós,  pois de uma coisa estava certa, queria muito ser mãe, mas também queria ter uma profissão, e não ficar em casa á espera do marido, como acontecia com a mãe. Queria ser independente.

Mesmo sem se envolver, Isabel ia sabendo que no país onde vivia, tudo era censurado. Teatro, livros, cinema, televisão, imprensa, discos, todas as artes estavam condicionadas pela censura. Tudo era censurado pelo estado, incluindo a revista crónica feminina, que a mãe comprava todas as semanas.

Não havia liberdade, nem democracia. Não existiam eleições livres, e o país vivia politicamente condicionado. Os oposicionistas, eram presos em cadeias e centros especiais, alegando a policia política (PIDE), os motivos políticos mais improváveis, para essas prisões, pois não tinham morto ou roubado nada, simplesmente lutavam com as palavras ditas ou escritas, o que se passava no seu país. Para muitos deles a solução era a vida na clandestinidade ou o refugio no exílio.

Enquanto os outros países progrediam e avançavam em democracia, o país de Isabel vivia uma ditadura há mais de quarenta anos, surgida gradualmente após a segunda Grande guerra mundial. Portugal não era nada bem visto a nível internacional, mantendo-se atrasado e fechado a novas ideias.

Isabel na universidade, ouvia falar destas coisas em segredo e nunca repetia nada em lugar nenhum. Estava mais que alertada em casa que se vivia muito bem assim, e que o governo Salazarista era o melhor para o povo. Além disso sabia que pessoas iam presas por dizer mal, (era o que se dizia), do regime politico vigente. Ás mais variadas horas do dia ou noite, as suas casas eram invadidas e a policia levava-as sem explicação alguma.

Nada de comentários fosse sobre o que fosse, na rua, ou até em casa, pois as paredes tinham ouvidos. No entanto Isabel, nunca se tinha perguntado porque é que a mãe não tinha os mesmos direitos do pai, não podia fazer nada sem lhe pedir, não podia trabalhar fora de casa por vontade expressa do pai.

Porque seria que as pessoas não se podiam reunir a discutir politica trocando opiniões, porque fugiam pelas fronteiras montanhosas em segredo para o estrangeiro ilegalmente, porque muitas famílias para sobreviver, iam trabalhar para o estrangeiro, porque tinham que ir para a guerra do Ultramar todos os jovens muitos deles sem perceber porquê, e os que fugiam a essa guerra não podiam voltar ao seu país, porque levou o colonialismo á guerra colonial, e fazia o país gastar tanto dinheiro. Sempre ouvira dizer que as colónias portuguesas eram o orgulho nacional, eram um prolongamento da nação que era preciso defender. Mas a luta para manter essas terras, estava a destruir os jovens e as famílias portuguesas. Isabel tinha muitas duvidas e não tinha quem a esclarecesse.

Desde que frequentara o liceu misto Isabel pensava, que como em casa, onde o pai ainda discutia muito, mas já não usava tanta violência física, tudo estava gradualmente a melhorar, pois apesar dos recreios não serem mistos, as salas de aulas eram mistas, e na universidade também andavam á vontade rapazes e raparigas, ao contrário do que tinha acontecido na escola primária.

Isabel não sabia bem, porque andava sempre tanta policia na zona da universidade, e porque apareciam tantos panfletos com informações politicas em sítios como nas casa de banho. Muitos estudantes viviam revoltados , mas será que teriam completa razão?

Estas duvidas, eram no entanto muito pouco, muito menos que uma gota de água. Isabel nem imaginava que entretanto muitas pessoas davam a sua existência, pela luta dos direitos humanos, pelo direito á liberdade, á democracia, á livre expressão de pensamento, aos direitos entre homens e mulheres, aos direitos das crianças, ao acesso ao ensino, o direito á saúde…, á paz e ao amor livres (estamos na era dos hippies) , e que por todo o mundo aconteciam manifestações de estudantes, também exilados, trabalhadores e opositores á continuação da guerra colonial. Ela também não sabia que a partir de uma certa visita do presidente da republica a vários estabelecimentos de ensino da cidade, os estudantes universitários contestatários, fizeram ouvir a sua voz contra a ditadura, enquanto discursava, já fartos de se envolverem em manifestações, revoltados com o regime totalitarista repressivo, e fartos de sofrerem sobre eles a repressão da polícia politica.

Ultimamente com a guerra colonial, que lhes roubava a juventude para os levar para uma guerra, que já não se sustentava e onde não viam qualquer sentido, os estudantes estavam a atingir o limite de revolta. Viviam-se os últimos momentos de uma politica absurda a que ultimamente com a retirada de Salazar por” motivos de saúde”,e subida ao poder de Marcelo Caetano, se denominava primavera marcelista.

Esta politica foi apenas um sonho da democratização do poder. Mudaram os nomes das instituições mas tudo ficou na mesma.

Isabel sentia á sua volta que algo estava em mudança. Com medo e meio atordoada com tudo o que via e ouvia, prosseguia os estudos e ingenuamente pensava que os jovens estudantes revoltados deviam era estudar, para ajudarem futuramente a construir um Portugal melhor.

Mas a 14 de Janeiro de 1974 o General Spínola toma posse da vice-presidência do cargo de General do Estado-maior das Forças Armadas, que depressa é demitido aquando do lançamento do livro”Portugal e o Futuro”. Marcelo Caetano demite-o pois não concorda com as suas opiniões acerca da politica colonial. Demitido, Spínola rapidamente se torna herói nacional.

Isabel estava prestes a ver a sua vida mudar como estudante e como mulher, e não iria estar só!

Todo o seu futuro iria depender destas mudanças.