quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vespera do casamento

Era a véspera do casamento de Isabel e Pedro.
Sozinha além de ter arranjado alfaiate, modista, e uma senhora que trabalhou á mão o toucado que levaria na cabeça, o que a fez percorrer muitos caminhos, marcou o cabeleireiro e escolheu as flores do seu ramo. Tinha  ainda conseguido padre, para realizar a cerimónia no dia e hora combinados, visto que o da aldeia no dia escolhido não estaria disponível. Também o arranjo da sua futura casa, como a de solteira, ficaram ao seu cuidado.

E assim na véspera foi á cidade bem cedo, buscar o seu boquet á florista, e dar o arranjo necessário ao cabelo. De regresso a casa, teria de a deixar como um brinco.
No dia seguinte em casa,  tudo estaria em ordem.  Ela com a ajuda da modista cuidaria de si, e  ficaria bem com certeza.

Chegada a casa, dedicou-se á arrumação da mesma. Nas jarras flores brancas, davam ar de que algo diferente ia acontecer  ali. Arrumada e enfeitada daquela forma para receber os convidados e fazer as fotos habituais com os pais, antes de pelo braço do pai, sair para a igreja, Isabel pensou que a casa estava razoávelmente bonita. A seu ver, dentro dos possíveis, tudo estava como devia.

Para o  primeiro jantar, que os pai e noivos ofereciam aos  familiares e convidados, apesar de cansada Isabel tinha que se arranjar e mostrar-se radiosa. Este era como que, o seu jantar de despedida de solteira, e ela tinha que mostrar graciosidade e simpatia.
O cabelo arranjado de manhã, apesar do dia intenso de trabalho estava aceitável, e depois de um banho recuperaria do dia cansativo que tivera.

Todo o dia não tinha visto Pedro, nem ninguém. Estivera sempre ocupada, mas sem noticias.
 Os pais preocupados com o preparo das refeições a oferecer ao convidados durante aquele dia e seguintes, nem apareciam em casa. Como era da tradição, e mais por vontade da família do Pedro, durante três dias haveria festa. Isabel tinha dito desde logo ao Pedro que só iria estar presente no jantar da véspera e no almoço do dia do casamento.
Ela não gostaria de ficar exposta, durante tanto tempo, aos olhares e perguntas maliciosas dos convidados, não era seu feitio, e além disso, andava cansada com tanto trabalho.
No final dia do casamento sairiam da aldeia até á Falésia de qualquer forma.
Mas nesse dia, que era a véspera, seria a primeira vez que todos juntos Isabel, Pedro, famíliares  e convidados, festejariam em conjunto a união dos dois.

Á noite, o Pedro passou em casa de Isabel para chegarem juntos ao jantar. Era a primeira vez que saiam á noite sozinhos, sem necessidade de qualquer autorização.
Estava-se no verão e no ultimo inverno, portanto uns meses antes, Isabel tinha pedido aos pais para fazer a passagem de ano com o Pedro. Depois de muito pedir, os pais concordaram, mas exigindo que ela teria que estar em casa logo depois da meia noite. Nesse dia Isabel ficou triste. Estava farta daquilo.  Depois da meia noite é que seria o melhor da festa, mas que havia de fazer...
E na verdade nessa passagem de ano, depois da meia noite, não mais que dez minutos depois, Pedro saiu e acompanhou Isabel a casa. Ambos ficaram atónitos quando a meio do percurso apareceu Graça, a mãe de Isabel, que já vinha saber dela. Sem palavras para descrever o que sentiu naquele momento Isabel revoltou-se e não conseguiu evitar que as lágrimas surgissem nos olhos ao mesmo tempo que dentro dela uma raiva sem fim a  inundava. Ia casar daí a pouco tempo, estava noiva de anel e tudo desde a Primavera anterior, tinha 24 anos, e não sabia o que levava os pais a actuar assim com ela, e a não lhe permitirem nada, a não confiarem nela... Estava farta destas atitudes e outras semelhantes.

Mais uma vez, depois de a deixar em casa daí a alguns metros, porque tudo isto se passava na aldeia perto de sua casa, o Pedro voltava para a festa para se divertir até á hora que lhe apetecesse.

Poderiam vir milhares de outras festas, mas esta, que era a primeira e ultima passagem de ano que faria  sloteia com o Pedro, até porque nunca tinha pudido ir a outra, Isabel teria tido todo o direito de a festejar em liberdade. Deitou-se triste, magoada e infeliz. Nunca iria aceitar  nem entender, estas atitudes dos pais para com ela. Precisava mesmo de sair, fugir daquela prisão que a sufocava.

Não podia pedir ao Pedro que abandonasse a festa , ele não o faria nunca, mas imaginar-se ali fechada no quarto longe dele e do grupo de amigos, magoava-a demasiado.

De volta á véspera do casamento, ela vestia uma saia curta azul escuro pregueda excepto á frente, uma blusa branca cintada enfeitada na gola com um gracioso folho e um casaco de malha cintado pequeno, que lhe marcava ainda mais a cintura. O cabelo já arranjado para o dia seguinte dava-lhe um ar gaiato. No dedo, o anel de noivado com três pequenos brilhantes, que desde a primavera do ano anterior, Pedro num almoço feito para a ocasião, lhe oferecera, fazia toda a diferença. E foi assim que ela e o Pedro entraram no salão onde iriam participar no primeiro jantar com  todos os convidados.

A fome era pouca e a conversa entre ela e o Pedro não correu da melhor forma. Andavam  ambos cansados mas Isabel com o seu romantismo, gostaria que nesse dia ele tivesse sido diferente. Mais meigo e carinhoso, quem sabe com algo para lhe dizer, diferente de tudo aquilo que já lhe tinha dito …

No final do jantar, antes do Pedro ir levar Isabel a casa, a mãe  disse-lhe que uma prima convidada, iria dormir com ela lá em casa.
Fosse que prima fosse, Isabel nesse dia queria ficar sozinha. Era o seu ultimo dia solteira e queria pensar, estar só, no quarto que fora também o seu refugio. Mas não podia ser, também este direito lhe foi roubado. Já sabia que teria de partilhar a sua cama com a tal prima que só tinha visto algumas vezes, nessa ultima noite tão importanta para ela.

De regresso a casa Isabel não se lamentou, ia tão incompleta, tão vazia  e ansiosa que nem sabia o que dizer ao Pedro. Ao contrário de todos os  dias anteriores,  em que demoravam eternidades a despedir-se quando ele ia embora, naquele dia os beijos de despedida foram breves e gravadas para sempre, na cabeça  de Isabel, ficaram as palavras de Pedro :

-“ vê se amanhã te apresentas com outra cara mais agradável, que hoje estavas muito mal”
Pouco faltou para  lhe dizer, como o pai fazia muitas vezes, que ela estava de” trombas”. Realmente esta não foi com certeza a melhor forma de se despedirem no ultimo dia de solteiros. Por momentos, ali, Isabel teve vontade de desaparecer para algum lado onde ninguém a conhecesse, e pôr fim a tudo.

Isabel regressou ao seu quarto, triste e desiludida.  Não tinha muito tempo para pensar, pois daí a nada, a tal prima iria ocupar um lugar na sua cama.  Também a seu ver, nada tinha solução naquele momento. Encolheu-se o mais que pode numa borda da cama e tratou de secar as lágrimas. Estava cheia de duvidas, receios e também magoada demais, pelo que queria era adormecer o mais rápido possivel, sem pensar mais.
Com a ajuda de um comprimido, acabou por adormecer, incrédula pelo que acabou por ser a véspera do seu casamento. Pedro tinha-lhe dito  de mau humor, que estava cansado e ainda tinha que ir trabalhar para o salão das refeições, mas nada disso justificava a  seu ver, a forma quase grosseira como se sentiu tratada por ele, nesse dia unico, em que também ela tinha trabalhado muito. E tudo o resto que ela tinha imaginado...? Onde iria ela buscar a ternura e o carinho, que lhe faltara  nesse e nos dias anteriores.
Aquele dia  unico estava irremediavelmente no fim.
Não era assim que Isabel tinha sonhado esse dia, mas mantinha a esperança que tudo iria mudar. Se isto não fosse verdade ela nunca seria feliz.

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