quinta-feira, 8 de abril de 2010

Prisão

Todos os encontros com Pedro eram igualmente agradáveis. Num sábado, logo que o pai de Isabel pode atender o Pedro, este foi mesmo falar com António, que não deixou de marcar esse dia com algo que ficou gravado nos dois para sempre.
- “Guardada está a fatia para quem a há-de comer” , foi exactamente o que disse ao Pedro, deixando os dois pasmados olhando um para o outro.
O Pedro continuava no teatro e como Isabel não tinha permissão do pai para sair, ficava muito tempo só. Aos fins de semana o Pedro quase sempre saía com o grupo de teatro. Logo de inicio António tinha proibido namoros  á noite. Queria deitar-se á hora que lhe apetecesse e ambos tinham que estudar, portanto nem pensar em estarem juntos á noite. Para Isabel era difícil aceitar que nunca podia ir com o Pedro a lado algum, sabendo que ele se encontrava com outras amigas.

Aos poucos bailes que foram, iam acompanhados pela mãe do Pedro que o fazia com alegria, mas  Isabel com hora marcada para estar em casa, sempre pouco depois da meia noite, normalmente já ia aborrecida com o facto de ter de regressar tão depressa a casa. Isabel ficava muito triste por  se ausentar tão cedo dos bailes, sabendo que  Pedro voltava para lá e que por lá ficava até que lhe apetecesse.
Passavam juntos os intervalos do almoço e as viagens de comboio sempre que os horários das aulas permitiam.
Isabel sempre quiz muito mais que isso, mas aos poucos  teve que aprender que tinha que ser assim. O Pedro divertia-se a fazer as coisas que mais gostava de fazer e Isabel esperava que ele estivesse disponível para estar com ela. Engolia com muita dificuldade cada um destes obstaculos, como se fossem nozes com casca impossiveis de partir.
 Não foram porém poucas as tardes, em que Isabel teve que mandar Pedro embora de casa para conseguir estudar. Á tarde lanchavam muitas vezes os dois em casa de Isabel e depois perdiam-se entre beijos e afagos e o tempo voava. Na época de exames, Isabel precisava de tempo para estudar e por muito que lhe custasse tinha que pedir ao Pedro que fosse também estudar.

Logo no primeiro verão em que namoravam, o pai de Isabel decidiu que já não havia interesse em alugar casa na Falésia. O João, que namorava no norte, ia com a namorada e a  família  para uma  praia nortenha e assim António não via necessidade de irem para a Falésia como antes. Bastava apanhar uns dias de sol, andando para trás e para diante no carro, e o efeito seria o mesmo. Não pediu opinião a ninguém nem se importava com o que Isabel gostaria mais de fazer ou  o que seria melhor para ela. Nunca ligou muito aos sentimentos e vontades da filha.

Muito triste, Isabel passava os dias de verão longe do Pedro, que por rotina desde pequeno passava com os pais uma determinada quinzena na Falésia, que por azar  não coincidiam com os dias de férias de António.
Desde miúda que Isabel sonhava em passear á noite pelas ruas da Falésia com o namorado, e durante o dia  de mãos dadas na praia sentindo o salpicar da água do mar nas pernas, e deitados ao sol segredarem um ao outro assuntos só deles. Tinha este sonho desde menina, desde o tempo  em que a mãe se metia nas conversas do grupo e dizia a todos que ela só gostava de bonecas e o pai não a deixava sair com o grupo, sobretudo á noite.  Nessa altura muitas vezes pensou que um dia tudo seria como idealizava, mas na verdade esses sonhos foram-lhe todos completamente proibidos.

Deixando António de alugar casa na Falésia, Isabel só ia á  praia nos dias em que António queria, e regressava a casa cedo, pois os pais cansavam-se de um dia inteiro de sol. Á  noite, Isabel e Pedro não conseguiam estar juntos nunca. Passear á noite com Pedro  estava desde logo fora de questão o que  entristecia Isabel , que  nunca iria saber o que era andar livre  e naturalmente com o Pedro pela  praia, como todos os namorados faziam e como  ela sempre tinha imaginado.

Esses dias eram os mais difíceis de passarem separados. Parecia que tudo e todos ficavam contra eles. O céu e o mar revoltavam-se contra a sua separação, o sol desaparecia no céu por trás das nuvens e o mar enfurecido batia furiosamente  na areia. O mês de Setembro nunca mais foi o mesmo e a natureza encarregou-se de tornar a quinzena de Agosto, mais triste e sombria aos olhos de Pedro. Todos os dias escreviam longas cartas de juras de amor. Mas na verdade Isabel gostaria que todas as coisas que lhes aconteciam, fossem de outra forma, e nem mil cartas doces e ternas, poderiam acalmar a dor que sentia por estar assim afastada do namorado. Nunca se conformou com a ideia de os pais não terem a capacidade de perceber que a estavam a magoar, que aquele namoro de Isabel devia ser de outra forma.

Muitas vezes comparava as limitações do seu  namoro com  Pedro, em relação ao namoro do João. Eram muito diferentes os limites impostos a cada um. Isabel sentia-se infeliz por  ser  tão limitada.

Isabel pelas ausências repetidas de Pedro por causa do teatro e porque ela nunca podia sair com ele, precisava que ele lhe dissesse  e falasse coisas que ele nunca chegou a dizer.  Também  por isso ela sentia que algo faltava na relação dos dois. Estava vezes demais triste, sentindo um vazio  longo e frio percorre-la completamente. A sensação de que tudo deveria ser de outra maneira era permanente, mas não tinha coragem de reclamar ou impôr fosse o que fosse.
Junto do Pedro ela sentia-se tranquila, mas algumas vezes duvidava se era mesmo aquilo que desejava para ela. Aquela situação fazia-a sofrer. A mistura do sentimento que tinha por Pedro e a vontade que tinha de ser livre e cortar todas aquelas amarras, confundiam-na muito.
Seria verdade que o Pedro gostava dela?  Estaria disposto a  continuar e aceitar as normas de tirania impostas a Isabel? E longe dela, quando estava ocupado em outras actividades, estaria feliz  e livre, ou  sentiria a sua falta junto dele? Tudo isto e muito mais atormentava Isabel, que tentava sobreviver a esta montanha de duvidas que a deixavam infeliz.
Mas a dor do amor  fugidio e distante, fez crescer Isabel e obrigou-a  a aceitar tudo, admitindo que  com ela, nada  podia ser de outra forma.
Isabel ia aprendendo a conviver com tudo isso atenta á voz do seu coração, não conseguindo pôr de lado a tristeza que a habitava  desde que se sentia gente. Isabel não se sentia  feliz.

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