sábado, 3 de abril de 2010

O 25 de Abril

No dia 25 de Abril de 1974, Isabel tinha aulas de manhã. Levantou-se como de costume para ir para as aulas. Ao pequeno almoço, a mãe comentou com ela, que ouviu na rua quando foi ao padeiro, que na capital andava tudo em guerra.


- “Parece que os soldados fizeram estão em pé de guerra, e levaram já muita gente presa, mas é lá tão longe que não há-de chegar aqui nada…”

Se Isabel não percebia muito dos tempos conturbados que se viviam no país, Graça muito menos, e sendo assim Isabel resolveu que  deveria ir para as aulas como normalmente.

A guerra colonial cada vez era mais um problema politico para o país. A falta de liberdade de expressão revoltava os intelectuais, que viam o mundo de costas viradas para o seu país. A população, devido ao aumento crescente da imigração ( muitas famílias encontravam no país forma de trabalhar e conseguir sobreviver), estava cada vez estava mais envelhecida. Os estudantes viviam em permanente agitação, e tudo junto criava no país um momento de rotura, o momento chegado para um ponto de viragem.

Isabel chegou à faculdade e não havia aulas. As pessoas falavam cada uma para seu lado, “abaixo este e aquele, o outro para a rua, o povo agora é que manda, havias de ter ouvido na rádio de madrugada, na capital os soldados estão nas ruas armados com tanques de guerra e…”, e por aí adiante era tanta informação junta, que Isabel não sabia se havia de sentir medo e fugir dali para casa, ou ficar e escutar tudo..,resolveu ficar.

Então , a partir das 3 da madrugada de 25 Abril , a musica de José Afonso, Grândola Vila Morena, moveria as tropas colocadas em sítios estratégicos, a um autentico assalto ao país, aos locais considerados principais para o governo cair.

A canção “E depois do adeus “ cantada por Paulo de Carvalho confirmou que tudo estava a correr bem. Era uma revolução. Nunca nada mais seria como antes. As rádios, televisão, aeroporto, banco de Portugal, a rádio Marconi foram os primeiros alvos das tropas que não encontram resistência por parte de ninguém.

Isabel  pensava, que devia haver pessoas que não estariam assim tão bem. Parecia muita coisa para se conseguir tudo com tanta aceitação dos antigos políticos.

A revolução organizada por um grupo de militares capitães, movimentou as tropas e coordenou tudo a fazer, e mais tarde na rua, o povo juntou-se aos militares apoiando-os incondicionalmente. Tudo decorreu numa normalidade invulgar encontrando os soldados junto do povo muito apoio e conforto.
Nas ruas da capital, por uma vendedeira de cravos ter colocado um cravo no cano de uma espingarda de um soldado, serviu de mote para que centenas de cravos transformassem as espingarda em simbolo de revolução pacifica.
E os comentários iam sendo cada vez mais precisos, a rádio agora tomada, contava  livremente a cada segundo o que se ia passando, e rápidamente as noticias circulavam nas ruas. Isabel já não tinha tanta certeza, como a mãe que tudo o que acontecia era assim tão longe. Ali na sua universidade vivia-se intensamente todos aqueles momentos, e já se dizia que estudantes e políticos presos iam ser postos em liberdade.

O jardim da Associação Académica ia ser finalmente aberto, agora que os estudantes punham fim ao luto académico, e todos deviam dirigir-se para lá e acolher alguns dos estudantes presos que finalmente iam ser postos em liberdade.

Isabel também participou desse momento. Atordoada não entendia bem o que se passava, mas por tudo o que via tinha a certeza que era algo de muito grandioso. Atenta olhava tudo um pouco receosa, tentando não ser apanhada pelas objectivas de máquinas fotográficas e de filmar  de alguns presentes, que iam registando todos os momentos ali vividos. Admirava a envolvência e a energia de muitos estudantes, incapaz de comentar ou entender muito bem todos aqueles procedimentos.

De regresso a casa, notou as ruas um pouco vazias e o comboio sem a agitação habitual. Nesse dia os rapazes não se passeavam para trás e para diante. Algo já tinha mudado. Estavam todos empenhados demais naquele dia. Nos dias seguintes não haveria aulas e depois logo se veria. Muitos professores e funcionários considerados facistas, iriam ser demitidos e muita coisa ia mudar. Aquele mês na universidade e os seguintes iam ser de muitas mudanças.

Havia que aguardar o desenrolar dos acontecimentos.

Portugal estava livre, e todos gritavam

-”o povo unido jamais será vencido..”

Isabel foi repartindo os seus dias pela aldeia e umas idas curtas á faculdade para se inteirar das novidades e gradualmente participar nas aulas repostas. O retorno pleno ás aulas, implicava substituição de professores, e esse processo levou algum tempo a ficar resolvido.

Houve um período em que os alunos se achavam no direito de poder e saber fazer tudo. Era preciso tempo para se encontrar estabilidade para continuar a trabalhar.

Um destes dias, um amigo dela, que também era amigo do Pedro, convenceu-a de que este tinha algo muito importante pare lhe falar. Ela deveria ir até ao choupal junto á estação férrea, e esperar lá que ele apareceria. Para não parecer mal devia convidar a amiga retornada a ir com ela, mas era importante não faltar.

Isabel achou estranho aquele encontro combinado para aquele sitio, mas conversou com a amiga retornada, e á hora lá estava. Pedro não apareceu, e então rapidamente o amigo se prontificou a ir chamá-lo. Para Isabel alguma coisa ali estava mal, mas Pedro lá chegou e a verdade é que de repente se viu sozinha com ele, tendo os outros dois amigos desaparecido, não sabendo Isabel para onde.

Isabel e Pedro sentaram-se encostados a um grande choupo virado para a estação, de forma a não ficarem muito visíveis . Se alguém a visse ali e fosse dizer á mãe, ela não saberia como justificar o motivo da sua presença naquele sitio. Ultimamente de dia, tinha alguma liberdade, mas nunca fazia nada que a pudesse colocar mal. Estava preocupada, mas gostava de estar ali com Pedro.

Concluíram que ambos foram enganados, ou seja, a desculpa que o amigo deu a Isabel para aquele encontro, também a deu ao Pedro. Como Isabel, este esperava que Isabel tivesse algo importante para lhe dizer. Riram com o facto, os amigos é que queriam aquele encontro e eles tinham sido o isco. Mas conversaram de muita coisa,  incluindo o momento actual, riram e estavam felizes até que começou a chover. Os outros amigos apareceram e não houve tempo para nada, foi uma correria até ao café junto ao canto, onde em criança Isabel viu algumas vezes televisão e onde agora de vez em quando, desde que andava na universidade, tomava um café com um bolo de canela, fabrico da casa. Todos molhados faziam conversa para secar um pouco, sem comentários ao  ocorrido a cada casal no choupal.

Isabel não poderia aparecer tão molhada em casa. Mais tarde, diria á mãe que como a chuva não passava, o caminho de casa da amiga ate á sua, a deixara naquele estado. A amiga retornada e a família, viviam numa casa pequena alugada, relativamente distante da casa nova de Isabel, á espera que o inquilino da casa que deixaram quando foram para o ultramar, ficasse livre. Para essa família que deixou tudo no ultramar, desde a casa lá construída, aos carros, e grande parte de valores materiais e mordomias lá adquiridos, era um recomeço doloroso. Foram pobres, ficaram ricos, e estavam novamente, com pouco mais que nada…

Mas os quatro, lá continuaram no café, até que Isabel disse que tinha que ir embora. Já saíra há muito de casa, e depois ficava difícil justificar a sua ausência. Combinaram todos, no dia seguinte ir à cidade ver a manifestação que estava marcada para junto da Câmara Municipal.

O general Spínola, considerado um herói com muito poder militar, logo após o dia 25 Abril, integrava a Junta de Salvação Nacional, formada para desmantelar todos os órgãos do regime anterior, e então nomeado presidente da Republica, ia falar ao povo da cidade no dia 31 de Maio. Vivia-se o período do primeiro governo provisório, e Isabel não podia faltar, e o Pedro com o seu espirito meio revolucionário muito menos.
Combinaram que no dia seguinte iriam todos no autocarro das nove até á cidade para participar na manifestação. Mas  todos, foi o que todos combinaram…Isabel ficou ansiosa.

Pelo caminho as duas amigas nada contaram uma á outra. Isabel não estava nada interessada em saber o que estiveram a fazer os amigos, mas também não comentou o que conversou com o Pedro. Estava entusiasmada com a ideia de no dia seguinte irem todos juntos á manifestação, e poder estar novamente com o Pedro. Bem dera conta do ar despenteado e rosado da amiga, mas não ligou. Estava muito alegre e sentia que tal como no país, alguma coisa na sua vida ia mudar para sempre. Tinha gostado especialmente da tarde passada com o Pedro...

Sem comentários: