domingo, 11 de abril de 2010

Arroz-doce com canela

Repentinamente Isabel acorda de um pesadelo. Reviver ali no quarto, por instantes, momentos da sua infância, foi como se tivesse sido invadida por um tufão que brutalmente a obrigasse a girar e rodopiar no ar vezes sem conta, até perder os sentidos. Parecia perdida, com a recordação de todos aqueles maus momentos, que os bons por serem poucos ou por serem bons, tinham-lhe fugido da lembrança.

A voz grave e decidida do pai, a falar com a mãe, chegou-lhe aos ouvidos, e trouxe-a á realidade.

-“deixa isso comigo que eu falo com a minha mãe. Se ela não quiser ir ao casamento o meu pai será o padrinho e tu serás a madrinha, mas até á altura logo se verá”

Isabel soube ali que teria madrinha sim senhora, mas não sabia se seria a avó ou a mãe. Resolveu não se preocupar com isso pois tinha coisas mais importantes para pensar.

O casamento estava perto e passava muito pouco tempo com o Pedro, que ainda estudava para acabar o curso. Ela que já tinha feito o seu estágio profissional, e com horários bastante dispares, pouco tempo tinha para estar com ele. A Isabel, parecia-lhe que quanto mais se aproximava o grande dia, mais distante estava do Pedro, que lhe aparecia muitas vezes aborrecido e amuado. Andavam ambos um pouco nervosos e agitados com o inicio dos preparativos, mas essa atitude dele preocupava-a.

Isabel teria de ter tudo em ordem para depois do dia do casamento, sair logo da casa dos pais. Já sabia que iria mudar de aldeia, e queria que na sua" nova casa",nada lhes faltasse.

Iriam  viver sozinhos no local de trabalho de Isabel. Seria difícil depois disso, Isabel voltar a viver na aldeia que a vira crescer, mas isso não a preocupava. Queria mesmo partir dali e esquecer a sua vida passada, o canto e a casa nova dos pais, se isso fosse possível, e criar o seu próprio lar junto com o Pedro. Um pequeno quarto e uma sala que funcionaria também como cozinha, e uma casa de banho recuperada de tanta velhice, seriam o suficiente para os dois viverem no inicio das suas vidas. Mais uma vez o engenho de António foi posto á prova para conseguirem transformar um local impróprio, num sitio onde viveriam com alguma dignidade. Para estas situações António estava sempre pronto a trabalhar, com a condição de se fazer  tudo como ele dizia.

Isabel nunca esquecerá a sua mesa de sala/cozinha desmontável, feita pelo avô Francisco, assim como uma quantidade de outros móveis úteis para o seu trabalho futuro, que não cabe aqui descrever, mas que Isabel nunca vai esquecer que foi o pai e o avô que construíram, com todo o carinho.

Pedro e Isabel combinaram fazer a sua lua de mel na praia da Falésia, aproveitando algum dinheiro que iriam ganhar de oferta dos convidados. Percorreram imensos hotéis e residenciais para encontrarem um local decente e barato para estarem juntos os primeiros dias das suas vidas em comum. Finalmente iriam estar juntos todos os dias e  todas as noites...

Não podia ser nada caro, mas tinham que encontrar um quarto asseado com casa de banho e um bom chuveiro, tudo limpo e em ordem como Isabel gostava, e um bom pequeno almoço que diariamente os confortasse. Iam viver dias que nunca mais iriam repetir, e tudo o que acontecesse de mau ou bom nesses dias seriam marcos para as suas vidas futuras.

Isabel encontrou uma modista e um alfaiate capazes de fazerem os fatos de ambos, para aquele dia. Nada de muito caro, que o dinheiro era muito pouco, mas simples e elegante. De fato, casaco preto e calça cinzenta e preta listada, camisa  e luvas de pele brancas e gravata cinzenta, Pedro seria o noivo mais lindo de sempre. Isabel vestiria de branco, não o vestido dos seus sonhos, que esse seria caro demais, mas o vestido possível em termos de custos. Com menos cauda, menos rendas e folhos que o imaginado, mas rico em simplicidade e frescura, Isabel seria uma noiva graciosa. Para a cabeça um toucado com flores trabalhado á mão, e um laço em tule rendado bem largo, iriam adornar-lhe o rosto o suficiente. Um simples bouquet de botões de rosa, cor de rosa, no mesmo tom das flores do toucado completariam o conjunto de Isabel, não esquecendo as sandálias e as luvas também brancas. As alianças foram compradas pelos dois, e eram o mais simples possível, tendo cada uma gravado o nome do outro.

A cargo de Isabel ficou o trabalho de enfeitar com canela todos os pratos de arroz doce, que seriam oferecidos aos convidados, antes do casamento. Todos os convites foram feitos pelos pais, exceptuando alguns amigos que ela própria convidou.

Isabel organizava tudo de forma a nada falhar. Os dias sucediam-se rapidamente e Isabel nem se apercebia que pouco faltava para ir viver com o Pedro uma nova vida, numa aldeia onde não conheciam ninguém. Estariam completamente sós, mas conversar sobre esse futuro foi coisa que nunca fizeram…

Com o curso acabado, cada amigo tinha ido trabalhar para lugares distantes dela , e sem se dar conta disso, Isabel daí a algum tempo iria ficar mais sozinha que nunca, numa aldeia distante longe da casa nova dos pais, da avó Teresa, da Zézita, e outras amigas que tinha na aldeia, longe de todos os seus amigos da faculdade, iria enfrentar uma nova realidade. Sobre este assunto e sobre como seria viverem no futuro numa terra desconhecida, Isabel e Pedro nunca tinham falado nada.Também Pedro iria deixar a familia, os amigos, o teatro, e nenhum deles estava preparado para esta realidade futura.
 Só se teriam um ao outro, e um monte de situações complicadas para resolverem.


Esta seria a grande falha das suas vidas. Mas o futuro teria muitas coisas diferentes para oferecer e surpreender Isabel , e ela jurara a si mesmo á muito tempo, que iria superar tudo com o apoio do Pedro.

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