Aquele dia de Maio amanheceu radioso. Á hora combinada Isabel estava na paragem do autocarro. Todos chegaram, só faltava o Pedro. Isabel já triste com o autocarro a partir olhou mais uma vez o fundo da rua e de repente ao longe, apareceu ele a correr. O motorista lá esperou, e então sim ,seguiram o seu percurso para a cidade.
Isabel não tem noção se nesse dia o autocarro ia muito ou pouco cheio, só sabe que ao chegar, todos tomaram o caminho da manifestação e que pelas ruas uma quantidade pouco habitual de pessoas tomavam a mesma direcção. De um momento para o outro, ao lado de Isabel só restava o Pedro, os amigos no meio de tanta gente tinham desaparecido. Era uma multidão que avançava e cada vez mais se comprimia. Voltar para trás já era impossível, cada vez mais as pessoas se juntavam, sentindo-se a Isabel rapidamente como se estivesse empacotada. Mal conseguia respirar, e mas ela apesar de ansiosa, sabia que com o Pedro ali tudo iria correr bem. Recorda que ao lado dela uma senhora de idade, muito baixa, dificilmente viria qualquer coisa e que por certo, tal como por momentos já tinha acontecido a Isabel, andava sem colocar os pés no chão. Ela girava como um pião em torno das pessoas e estas em torno dela, e lá seguia ocupando um minimo espaço naquele aluvião de gente. Isabel e Pedro no meio desta situação olhavam um para o outro e prosseguiam rindo.
Instantaneamente a mão de Pedro segurou a de Isabel com muita força, e com um sorriso assim ficaram parados enquanto Spínola falava…
Isabel não lembra nada do que foi dito naquele encontro com o povo. Por momentos sentiu-se sozinha com o Pedro, flutuando sobre nuvens fofas que de vez em quando a faziam abanar. Parecia que o céu tinha chegado ali. Quando começaram a andar o tempo parecia ter parado, e sem dar conta como se fossem ondas do mar, num avançar e recuar constante, levada ao colo pela multidão, isabel desceu as escadas do largo municipal. Nunca mais viu a velhota nem ninguém, e nunca mais tirou a sua mão da do Pedro.
Não trocaram muitas palavras e não escolheram sitio para se dirigir. Caminharam os dois assim pelas ruas, até que voltaram a encontrar os amigos da aldeia, que se riram vendo-os assim. Sem comentários o Pedro só disse que ia com Isabel almoçar á cantina da universidade. Eles disseram que iam embora e Isabel calada aceitou o convite, feito assim, ficando calada.
Foram andando, conversando pouco, mas sempre que se olhavam nos olhos sorriam. As mãos muito unidas, diziam uma á outra, um monte de coisas que nenhum deles era capaz de falar.
Isabel não tinha fome, mas durante o almoço o Pedro sugeriu que gostaria de não ir embora tão cedo para casa. Foram passear no jardim junto á universidade. As mãos já não queriam andar sós, e novamente juntas, caminharam, até que numa sombra, um banco os convidou a sentar. Não houve palavras, nem gestos desmedidos. Isabel sentia-se bem ali e sabia que algo mais teria de acontecer. Era muito importante que assim fosse. E foram tantos os beijos e carícias que percorreram lentamente todo o rosto de Isabel que ela se limitou a aceitar cada um, como se fossem algo precioso que ao poucos a tiravam da escuridão e lhe davam vida.
Nenhum pedacinho do rosto de Isabel ficou esquecido. Sem palavras, que Pedro não era de muitas palavras, depois de mais de mil beijos dados, só disse :
_”não preciso de perguntar se queres namorar comigo, pois não?”
Isabel estava arrepiada e feliz, também um pouco envergonhada, mas disse logo que não, que sim , que queria com certeza namorar com ele. Pensar o quê, esperar para quê? Naquele momento não tinha duvidas, porque sabia que se aceitou todas aquelas carícias e não as repudiou nem por segundos em pensamento, claro que queria o Pedro assim juntinho dela todos os dias.
Não queria fugir daquele bem querer. Tal como no dia anterior no choupal e depois no café, durante todo o dia sentiu nascer uma cumplicidade muito grande pelo Pedro. Junto dele estava calma sem medos, esquecia as aulas, os conflitos de casa, a politica actual, o mundo todo deixava de existir, e estava ali inteira sem pensar em mais nada. Era aquilo que ela queria para a sua vida…
Voltaram para o comboio, e depois na aldeia percorrendo a caminho de casa, a rua de mãos dadas, Isabel sentia-se forte e poderosa. Nunca tinha visto ninguém andar de mãos dadas na aldeia. Os namorados limitavam-se a passear lado a lado, mas para ela, era um dado adquirido que não saberia andar nunca mais com o Pedro, sem ser daquela forma. Toda a gente que os visse pensaria que namoravam, mas isso ainda lhe deu mais vontade de não largar a mão dele, que carinhoso pela ,primeira vez a ia levar a casa.
Um carinhoso beijo nos lábios, mesmo á porta selou a despedida. Isabel tinha a certeza que como ela também o Pedro estava feliz.
Já no seu quarto Isabel pensou que mesmo naquele dia iria dizer aos pais que estava a namorar com aquele rapaz da aldeia vizinha. Mal o João chegou contou -lhe, e o irmão muito solidário, prontificou-se a dar a noticia aos pais á hora de jantar. Conhecia o Pedro e sabia que era bom rapaz.
Isabel não tinha tempo de pensar mais a sério no assunto e nem queria saber se estava certo ou não aquela tomada de decisão, mas a felicidade que a inundava era tanta que qualquer duvida naquele momento não tinha qualquer justificação. Só sabia que no dia seguinte iria combinar com o Pedro a forma de conciliarem os horários, para se poderem encontrar o mais possível, visto que frequentavam faculdades diferentes.
Á noite ao jantar meio envergonhada enquanto o João chamou o assunto á baila, António quis mais informações. Isabel não falou muito, limitou-se a ouvir e concordar com o que o pai dizia. Nada de namoros á porta ou á janela como era hábito na aldeia :
-" atenção á compostura, para bom entendedor meia palavra basta. O rapaz que venha falar comigo. Quero-os dentro de casa quando a mãe aí estiver".
Estava dito e Isabel nada retorquiu.
Será que o Pedro não se importaria de ir lá a casa falar com o pai?
Isabel deitou-se feliz a pensar no calor dos beijos que ainda sentia na face e na suavidade dos lábios do Pedro nos seus na despedida...
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