quarta-feira, 10 de março de 2010

A casa nova

A casa nova.
Depois do regresso a casa, vindos recambiados da cidade por causa da avó Olinda, eram muitas as conversas que os pais de Isabel tinham por causa da construção da sua casa nova.
Era preciso dizer á avó Teresa que tinha que deixar a casa onde vivia e que era da Graça, por herança da madrinha, para se iniciar a construção.
Para o avô Orlando estava sempre tudo bem. Era um verdadeiro homem de paz. Podia não fazer certas coisas, mas não impedia que os outros as fizessem. Daí a quantidade de negócios que Teresa ia tendo, todos a darem prejuízo, e ele nunca dizia nada deixando-a prosseguir como ela entendia. Podia trabalhar um dia inteiro que senão o mandassem parar, não parava para almoçar, enquanto o trabalho não estivesse feito . Não era por ele que algum mal viria ao mundo. Para ele mudar de casa não era problema.
Teresa não viu muito bem a ideia de deixar aquele sitio e aquela casa. Tinha lá tanta coisa. Restos de todos os seus negócios. Conhecia muito bem toda a gente da aldeia, e sabia mais ou menos de cor quem tinha dividas para com ela. Tinha dinheiro a reaver de pessoas a quem tinha vendido fruta, peixe ou alguma galinha , mas ela tinha sempre a esperança de recuperar algum desse valor. Saindo dali tudo ficaria mais difícil. Deixaria de passar pelas pessoas e as dividas seriam esquecidas. E sair para onde?
Na casa da Graça a família de Teresa não cabia. Eram 4 pessoas, a avó Teresa, o avô Orlando, a bisavó Júlia e o Nélito que era um reguila, e nunca se iria entender com o pai de Isabel, muito menos gostaria de viver preso no canto. Só quatro pessoas conseguiriam entender-se mutuamente. António que sempre respeitou a bisavó Júlia e que por qualquer motivo dizia sempre bem dela . E os avôs Orlando e Francisco, que costumavam conversar na rua e encontra-se na taberna a beber um copito ao final do dia sempre com a maior satisfação.
O que havia de encontrar era um sitio para Teresa e os seus ficarem a viver, e os seus pertences poderiam ficar na sua maioria em casa de Isabel. Tudo de havia de resolver.
Enquanto em casa de Isabel os pais discutiam a planta da casa, o numero de divisões, o tamanho das janelas ou do quintal, se a cozinha iria levar uma banca ou não, Isabel imaginava como seria viver sem as escapadelas a casa da avó Teresa. Aquela casa sempre cheia de qualquer coisa boa, onde ela passava tanto tempo a inventar o que fazer, a comer fruta ou um qualquer biscoito ou a virar o quarto do Nélito de pernas ao ar, ou até a varrer, pois havia sempre algo para limpar, tudo isso ia acabar. E o quarto do Nélito que sem arrumação possível, era um manancial de coisas novas a descobrir em cada canto.
A bisavó Júlia que só queria ajudar iria para onde a levassem. Tinha pena de deixar aquela casa mas ia com a filha, que era ela que precisava da sua ajuda.
Isabel sabia que iam acabar o cheiro dos farnéis, e a espera pelo regresso das excursões onde a avó Teresa ia tanta vez. Deixaria de dormir no aconchego do colo da bisavó Júlia.
Já não teria onde se refugiar quando as coisas em casa pioravam com os pais. Isabel estava contente porque com uma casa nova deixava o canto, e ia tentar esquecer todas as desavenças que aconteciam por causa da avó Olinda, mas muito triste porque a avó Teresa tinha que sair da aldeia e a sua casa iria abaixo. Mas tinha que ser.
Depois de algumas conversas em família, para resolver o problema da mudança de Teresa, ficou combinado entre todos, que a avó Teresa deixaria em casa de Graça tudo o que lá coubesse de mobílias e outros haveres e que por favor de um irmão já casado de Graça, um pouco mais novo que ela, que vivia na aldeia ao lado, a avó Teresa iria mudar-se para sua casa e ficar lá até aparecer uma casa para alugar na aldeia de Isabel, que fosse do agrado de Teresa. Seria tudo uma questão de tempo.
Teresa partiu triste, ia ter que viver de favor em casa do filho, numa outra terra, mas tinha que ser assim. Não havia outra solução.
Estavam todos um pouco tristes e um pouco contentes, menos é claro a avó Olinda que desta vez sim, iria ficar sem o filho o António por vizinho, e portanto o natural é que estivesse aborrecida.
A casa de Isabel foi invadida pelos moveis de Teresa. A sala de Isabel ficou mais composta, e a ela coube-lhe a sorte de ficar com uma cama nova. A cama azul fosco e russo , foi desmanchada e foi substituída pela cama da avó Teresa, que era de madeira e que tinha sido feita pelo avô Orlando, quando ele e Teresa casaram. Ao lado colocaram uma mesinha de cabeceira também de Teresa e o quarto de Isabel ficou muito mais bonito.
Ao mesmo tempo ,e porque Isabel ia avançando no liceu o avô Francisco tinha feito para a neta uma pequena secretária com duas gavetas de um lado, onde Isabel se sentava a estudar. Em cima da secretária Isabel guardava alinhados os seus livros numa prateleira improvisada com dois tijolos e uma tábua por cima.
O quarto de Isabel apesar de escuro agora tinha mais dignidade. A mesa redonda de um só pé, cor de borra de vinho, que abanava por todo o lado, tinha desaparecido e agora com os móveis novos Isabel quase tinha um quarto a sério. Quando saísse dali para a casa nova logo se veria. Teresa teria que reaver os seus móveis, mas depois isso se veria.
Volta e meia os pais de Isabel zangavam-se muito por não concordarem com detalhes da casa. Mas não adiantava a Graça dizer que não queria isto ou aquilo, ou que já não queria casa nova ,pois tudo tinha que ficar como António imaginou.
Vivia-se o ano de 1965, Isabel dormia no seu quarto, na cama da avó Teresa, e de repente acordou a pensar que estava a ser embalada por algo ou que algum comboio ao passar ao longe, tivesse feito a sua cama abanar. Aos seus ouvidos chegou um som estranho e profundo que fez com que ela de um salto se colocasse imediatamente de pé .
Chamou a mãe. Todos acordaram á excepção do João que continuou a dormir calmamente. Era um tremor de terra .
Naquele momento no quintal da avó Olinda, pela primeira vez Isabel verificou que perante as forças da natureza as pessoas nada podem. Todas se unem e só desejam que não aconteça mal a ninguém.
Naquele momento todos estavam ali submissos com a mesma devoção. Que nada mau acontecesse. O pai entendeu que não era necessário chamar o João. A terra já não abanava e o som vindo do seu interior parara. A avó Olinda rezava e dizia que era castigo de Deus.
“minha mãe não diga disparates” foi o que António disse.
“que fique tudo como Deus quer, que ele é que manda ,estamos todos por conta Dele”. E foi com estas palavras ditas pela avó Olinda que cada um recolheu á sua cama. O João continuou a dormir.
Antes de conseguir adormecer Isabel ouviu a mãe dizer para o pai :
“Deus queira que as paredes da nossa casa nova não tenham caído…”
Isabel tremia de medo, encolheu-se muito na cama e adormeceu aflita.
No dia seguinte de manhã quando acordou o pai já tinha ido ver a casa nova e tudo estava bem. Pela aldeia alguns muros e casas velhas tinham caído mas não havia noticias de alguém se ter magoado.
Nesse dia no liceu não se falou de outra coisa e na quantidade de pessoas que tinha estado na rua em pijama ou camisa de dormir, todos com o mesmo sentido de união. Que nada de mal acontecesse a nada nem a ninguém. Isabel sentiu que o mundo podia ser melhor, mais unido sem ser preciso passar por esses sustos. Era só o Homem querer .
Durante muitos anos sonhou com aquele barulho, com aquela cama a abanar, mas ao acordar verificava que tudo estava bem.
Nem tudo o homem pode controlar. O pai não podia tudo. Se as paredes tivessem caído ele teria que as erguer novamente e não seria culpa de ninguém.
O que era preciso era acabar a casa nova e arranjar uma casa para Teresa voltar á sua vida na aldeia.

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