quinta-feira, 25 de março de 2010

Outros amores

Isabel era como todas, uma rapariga sonhadora.
Apesar de sair muito pouco de casa, com as amigas do liceu ia falando de namoricos . Algumas bem cedo, preparavam enxoval e namoravam para casar. Isso não lhe interessava, mas gostaria muito de sentir que alguém se interessava por ela. Todas as cartas que jovens lhe foram escrevendo, foi-lhe dito mais tarde pela mãe, que foram retidas pois os pais entendiam, que se ela andava a estudar não podia pensar em rapazes. Isabel durante toda a sua juventude imaginou, que ninguém nunca gostou dela, o que a deixava triste.

A certa altura no liceu conheceu um jovem com quem simpatizou bastante. O colega era calado, sempre de casaco azul escuro e calça de vinco, passava o tempo com os livros debaixo do braço, sem dar importância a nada em especial. Dizem que por amor a ele, uma colega se tinha morto em casa de forma estranha. Isso não! Ela nem queria pensar tal coisa!
 Imaginar que um dia poderia sair e passear com ele de mãos dadas, era uma coisa que Isabel sonhava, e lhe dava prazer imaginar, ainda que soubesse impossível de acontecer.

Ele não lhe ligava grande importância, mas mesmo assim durante muito tempo ela fez de conta que isso era mentira. Na verdade ela nunca soube nada sobre os sentimentos dele,nem para com ela nem para com ninguém. Ele não tinha namorada e de vez em quando aconteciam coisas que a faziam pensar. Ele aparecia nos bailes particulares feitos pelo João, olhava-a de uma forma diferente, dançava toda a tarde, mas nunca com Isabel. Depois as avós de ambos conversavam muito e Teresa muitas vezes dizia a Isabel o quanto esse neto da amiga, gostava dela.
"- ó avó ele gosta de mim como, se nunca me diz nada?"
Um dia os dois conversaram e ele convidou Isabel a ir ao cinema. Ela respondeu logo que sim. Seria nesse dia que ele lhe diria algo. O pior era conseguir cumprir o combinado.
Isabel tinha de convencer o pai, que não havia mal nenhum em ir ao cinema com um amigo numa tarde de domingo.
As experiências  anteriores que tinha de ir ao cinema eram péssimas.
Por duas ou três vezes, tinha-se dado tão mal que jurara não voltar. Desde que as amigas da aldeia a tinham deixado sem bilhete na entrada do Tivoli, que nunca mais tinha ido ao cinema. Mas agora tudo seria diferente, era o que pensava, ao pensar que ia com ele... E assim Isabel empenhou-se em conseguir autorização do pai para sair nesse domingo.

Não foi fácil convencer pai e mãe, que não havia nada demais, nessa ida ao cinema. Isabel era uma jovem bem comportada nunca saía a lado nenhum e nunca dera provas de se comportar mal. Era disciplinada, passava todos os anos, não exigia nada, nunca fazia coisas consideradas mal feitas, e o rapaz até parecia pertencer a famílias sérias. Não havia de facto  nada além da permissão dos pais, que a mãe de Isabel nessas situações por vezes ainda era pior que o pai, talvez por viver sempre metida em casa, que impedisse Isabel de ir ao cinema.

Era tão comum os jovens irem ao cinema ao domingo á tarde, que essa proibição parecia a Isabel um crime que faziam com ela.
Mas depois de muito argumentar, chegaram a um acordo. O pai de Isabel iria levá-la á entrada do cinema, e no final estaria lá para a trazer de volta para casa.
Isabel achou isso terrível mas não tinha opção, ou assim ou nada de cinema. Com alguma dificuldade disse ao colega que estaria na entrada do cinema a tempo de comprarem os bilhetes.

Estavam postas de parte as hipóteses de um passeio, antes ou depois do cinema, ou um lanche num café qualquer da cidade. O pai conseguia sempre limitar os seus movimentos ao mínimo, e assim ela já não sabia se o melhor era ir ou não ir ao cinema. Sentia sempre que estava vigiadíssima, como se passasse o tempo a fazer coisas maquiavélicas. Aliás o pai dizia-lhe sempre que mal se distraísse ao voltar da esquina lá poderia estar ele…., como se fosse um lobo ou um papão. Afirmava isto, vezes sem conta, para ela e para o João, como se fosse um super homem, policia controlador, um adivinho, de todas as situações.

O moço era de poucas palavras, e não deve ter achado piada nenhuma á forma daquele encontro. No domingo á hora combinada o pai deixou Isabel na entrada do cinema. Ele estava com as mãos nos bolsos do casaco e assim permaneceu. Isabel saiu do carro e o pai pôs-se logo a andar. Compraram cada um o seu bilhete e entraram na sala do cinema Tivoli.

Sentados um ao lado do outro, durante toda a sessão não trocaram uma palavra. Isabel colocava as mãos nos braços do seu assento, mas em altura nenhuma, sequer um dedo dele abordou sua mão. Manteve-se sempre com uma das mãos no bolso das calças e a outra a servir de apoio ao queixo. Isabel nem se lembra da história, nem dos actores, nem se a sala estava cheia ou vazia. Tinha sido convidada para ir ao cinema e nem um gesto ou palavra do seu companheiro?

No intervalo não quis sair. E para quê ? Apenas aumentaria o constrangimento de ambos. Era mais que evidente que ele nunca mais a iria convidar, mas Isabel também pensava que se gostasse dela, ele diria ou faria, qualquer coisa naquele tempo que estavam juntos. Estava triste e furiosa . Assim nunca mais queria ir ao cinema, nem a lado nenhum com ninguém. Se ele preferisse podiam ter ficado a conversar até o pai chegar e nem sequer terem entrado no cinema. Tudo teria sido possivel se conversado.
Na imaginação de Isabel podiam ter feito tudo menos ficar calados, como se não existissem, como se não fosse real estarem os dois ali.
A segunda parte do filme passou-se da mesma forma. Em silêncio, sem uma observação, um toque , fosse o que fosse.
Sem estarem presentes, os pais de Isabel estiveram ali o tempo todo entre ambos.

Á saída nem houve tempo para despedidas. O pai já aguardava dentro do carro. Um até depois, bastou.

Já dentro do carro em movimento, Isabel olhou para trás e viu que o colega estava de pé, sem ter arredado do  mesmo sitio, com as mãos nos bolsos a olhar, tal e qual como quando chegou.

Nunca percebeu porque não disse ele nada! Ou não quis perceber!
Ele era estranho e não gostava dela, ou não teria tido coragem?

Então para que queria ela um jovem sem coragem?
De qualquer forma não foi desta vez que Isabel gostou da sua ida ao cinema. Estava desapontada e sentia-se rejeitada por aquele jovem, que até aí ela apreciava.

Isabel ia tirá-lo da cabeça. Ela merecia mais que uma tarde de silêncio e dezenas de  minutos de cobardia.

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