O primeiro ano escolar no liceu deixou Isabel cansada e doente. Este ano tinha servido quase exclusivamente para a adaptação de Isabel á cidade. Tinha aprendido coisas novas, mas continuava uma menina assustada e muito só. No liceu não tinha feito muitas amigas, e como as antigas colegas da escola primária, ou tinham ido para a costura ou trabalhavam em casa ou no campo, não convivia com ninguém. .Parecia um bicho do mato
As noites mal dormidas , as viagens diárias de comboio e autocarro, a chuva e frio do Inverno e a alimentação deficiente, deixaram Isabel, além de triste, enfraquecida. No final do ano escolar uma gripe teimava em não a abandonar, e de vez em quando tinha umas febres teimosas que a deixavam muito abatida. O tratamento que a mãe lhe estava a dar não estava a resultar. Mas aos empurrões foi passando o Verão.
Quando chegou Setembro ,como de costume, a família foi para a praia. Isabel que já não andava bem, com os ares do mar sentiu-se pior. Febres muito altas difíceis de controlar, começaram a preocupar os pais que depressa decidiram acabar com as férias e regressar com Isabel a casa para a levar a um médico.
Isabel não se lembrava de ver o pai e a mãe tão preocupados com ela. As trouxas foram feitas sem a sua ajuda e rapidamente se puseram a caminho de casa. Isabel ardia em febre, quase á quarenta e oito horas.
Da Falésia foram directos com trouxas e tudo para a cidade. Alguém competente tinha que observar a Isabel.
Pela observação feita, o médico foi de opinião que deviam levar Isabel a um especialista, fazer uma séria de exames e também um RX. A auscultação aos seus pulmões não era famosa. Algo estava menos bem.
Seguiram-se exames e mais exames até ao veredicto final. Isabel por um conjunto de circunstâncias estava com uma sombra num pulmão. Se o processo avançasse seria muito grave. Foi-lhe recomendado pelo médico especialista, repouso absoluto, boa alimentação, peixe, carne e boa fruta , e nada de rua. Até ordens em contrário os próximos três meses seriam de cama, sem apanhar correntes de ar, e depois com o tempo se veria. Só lhe era permitido ver a luz do dia pela janela. E assim teria de ser feito.
Isabel tinha tanta febre e estava tão débil que nem se apercebia bem, do que lhe estava a acontecer. Passou por uma fase em que a febre teimosa não a abandonava e o apetite teimava em não aparecer, passando os dias mais adormecida que acordado tal era o estado febril.
O pai decidiu que o melhor, era ela deixar o seu quarto escuro e passar os dias no quarto dele e de Graça. O quarto de Isabel como era interior ,não tinha forma de ser arejado. Então todos os dias de manhã a mãe arejava o quarto dela e de António e fazia a cama de lavado. Depois Isabel mudava-se para lá muito agasalhada, para não apanhar correntes de ar. E foi assim durante muitas e muitas semanas, sempre com as janelas de vidro fechadas a Isabel foi tratando a sua doença.
Todos os dias, como o médico tinha recomendado, um enfermeiro ia a casa de Isabel dar-lhe uma injecção de manhã e outra á tarde. Eram injecções de estreptomicina, antibiótico usado para aquele tipo de situações. Cada agulha grossa e comprida metia respeito, mas todos os dias ela virava o rabo para cima e o enfermeiro lá ia escolhendo o melhor sítio para cada picadela. Tinha também que tomar uns comprimidos grossos e grandes como feijocas, que teimavam sempre em ficar presos na garganta, mas que Isabel tinha que conseguir engolir.
Isabel via o tempo passar e o médico continuava a insistir naquele tratamento. Finalmente quando já só tinha febre á tarde, e as injecções e comprimidos lhe davam tanto enjoo e tremuras que parece que lhe faziam pior, Isabel pensou que podia sair da cama.
As aulas já tinham começado e ela queria muito voltar ao liceu. Tinha passado o Verão todo sozinha, e estava farta de cama .Com mais algumas faltas iria perder o ano.
Mas o médico recomendou que nesse ano Isabel não ia sair de casa. Não sabia ao certo quando iria ficar boa, pois os exames de RX continuavam a mostrar uma sombra num pulmão. Nada de liceu, nada de aulas, nem de comboios, nada de rua. Só cama e boa alimentação, podia no máximo passar algum tempo num sofá, mas como em casa isso não existia, o destino dela era a cama.
Isabel chorou de tristeza. Estava farta de levar picadelas . As nádegas dela pareciam um peneiro, não havia um bocadinho que não estivesse picado, e os braços iam pelo mesmo caminho. Já andava enjoada de tanto comprimido e agora que a febre só aparecia á tarde, já lhe apetecia sair da cama, o que era impossível. Só saía para ir á cidade fazer os exames de RX, que nunca mais ficavam bem, mas muito agasalhada e no pequeno Fiat. Nunca conversava ou via ninguém naquele quarto onde já não conseguia estar mais tempo.
Quase nunca tinha a visitas. As antigas colegas da escola nem deviam saber que estava doente. Nem a Zézita a visitou. Será que também não sabia que ela estava doente? As colegas do liceu já não as via á tanto tempo que já nem se deviam lembrar dela. Estava sozinha. Nem o João lhe fazia companhia. Quando voltasse ao liceu ia estar tão gorda de tanto comer e dormir, que todos iam gozar dela. De vez em quando aparecia uma vizinha ou amiga da mãe que lhe levava fruta, e mais nada.
As horas em que não comia nem dormia, ouvia na rádio, novelas, anúncios e noticias sobre a guerra no ultramar e dos militares que partiam para defender a pátria, como lhes diziam.
Isabel começou por pedir á mãe livros para ler, mas a única coisa que ela lhe arranjava eram uns livritos muito pequenos de bonecos que o barbeiro do canto vendia e que Isabel lia de uma piscadela. Dizia á mãe para que o pai lhe comprasse um na cidade ,mas todos os dias Isabel esperou e o pai nunca lhe trouxe nenhum livro.
Isabel estava farta daquilo tudo. Sentia-se muito infeliz e a única coisa que a satisfazia é que por qualquer motivo as discussões entre os pais, muitas vezes por interferência da avó Olinda tinha diminuído. Estava a valer para alguma coisa a sua doença.
Tinha saudades das escapadelas a casa da Zézita, para ouvir musica . Esta tinha um gira discos e alguns singles e recordava-se de ouvir lá vezes sem conta, “Non so digno de te” de Gianni Morandi, ou “Dei-te um cravo encarnado” da Aida Baptista. Havia ainda as revistas corin tellado, e as cartas que ela recebia de um soldado que estava no ultramar de quem era madrinha de guerra .Nem livros do Nélito ela tinha para ler.
Passava o tempo a ouvir noticias no Rádio, as rádio novelas, os anúncios q eu chegou a saber todos de cor e salteado e as mensagens dos pobres militares que muitas vezes entaramelados e inventado palavras novas , desejavam ás famílias muita” saúde e prospriedades”(em vez de prosperidades) isto já na época natalícia.
Os dias iam passando com muita lentidão e Isabel sentia-se com mais força e mais vontade de sair da cama. Mas dentro dela crescia um grande medo de voltar ao liceu. Tinha que começar tudo de novo, e naquele ano não tinha aprendido nada. Só tinha esquecido tudo. Tinha que começar do nada .Será que se iria lembra de algo? As colegas agora estavam noutro ano já não iam olhar para ela! Tudo estaria diferente. Ela também tinha mudado.
Estava gorda e feia, isso ela tinha a certeza, mas sentia que estava com vontade de recomeçar, ainda que a imagem da cidade e dos transportes a assustasse muito. Depois da sua doença tudo seria e estaria diferente.
O que seria que a aguardava?
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