sexta-feira, 12 de março de 2010

O concurso

Ia realizar-se no liceu um concurso das bonecas.

Todas as alunas dos primeiros anos podiam concorrer e levar para o liceu a boneca que consideravam a sua preferida.

Nessa altura Isabel tinha o boneco preto pequenino para o qual fazia roupinhas, mas era muito pequenino, a boneca meio feia com os braços e pernas seguras por elásticos, mas que além de ter cara de senhora, o que não agradava a Isabel, tinha os pés em plástico tão fino que quase não tinha dedos. Havia uma outra boneca em porcelana com um botão na barriga que a punha a falar, que alguém tinha oferecido a Isabel, não sabendo ela porquê. Estava guardada para não se estragar. Isabel não gostava dela. Não dava para brincar. Esconder uma boneca, é o mesmo que a não ter. Isabel nunca pensava nessa boneca ridícula que por ter um vestido engomado e um botão que a deixava falar, a mãe e o pai tinham arrumado algures. Portanto Isabel não tinha boneca para levar ao concurso.

Mas soube que na reitoria, davam uma boneca a quem não tivesse.

Ela correu a inscrever-se para lhe darem uma. Não foi preciso muito para entenderem que Isabel não tinha realmente nenhuma boneca em condições de levar para o liceu no dia estipulado, tal era o entusiasmo que mostrou ao ver tanta boneca junta, apesar de serem de plástico simples e estarem nuas.

Deram-lhe uma boneca com cara de moçoila, não um bebé como ela gostaria, mas ela tinha a certeza que chegando a casa a mãe faria para a sua boneca um vestido lindo, que ela iria ficar muito bem no dia do concurso junto de todas as outras bonecas.

Na verdade Isabel não gostava nada que a mãe divulgasse em publico o gosto especial que ela tinha por bonecas. Ficava furiosa quando estavam na praia juntos rapazes e raparigas e fosse pelo que fosse a mãe se intrometia nas conversas do grupo e dizia ” a minha Isabelinha não liga nada ao que estão a dizer, só pensa em bonecas “. Todos riam e Isabel corada, ficava cheia de vergonha.

Que mal tinha ela gostar de bonecas. Gostava e gostaria sempre, e ninguém tinha nada com isso. Pensava que um dia quando tivesse uma filha lhe daria todas as bonecas que ela quisesse e mais ainda. Não via mal nenhum nisso até porque o irmão era mais velho e também tinha os seus brinquedos. Uma coisa era ela gostar de bonecas, outra bem diferente era a mãe fazer dele criança, diante de outras pessoas, sobretudo rapazes, quando ela sabia que já estava crescida.

Chegou a casa com a boneca ofegante. Contou á mãe, muito bem o sucedido e a mãe entusiasmou-se com a conversa. Pensou que sim senhora, que tinha uns restos de tecido e algumas rendas que iam sobrando de roupas já feitas e até uns restos do vestido da primeira comunhão de Isabel, que dariam para pôr aquela boneca de meio metro, muito bem vestida.

Faltavam poucos dias e sempre que chegava a casa no final das aulas, o trabalho da mãe ia evoluindo. No final ficou espectacular. Parecia uma daquelas meninas que nos casamentos levam as alianças dos noivos.

Um vestido branco pelo joelho enfeitado na saia com nervuras e rendas e folhos alternadamente, sem faltar por baixo um saiote com muito franzido e uma renda na ponta , que armava muito bem o vestido. De manga á cava, o vestido tinha o peito todo enfeitado igualmente de rendas ,nervuras e folhos devidamente alinhados, não faltando nas costas as casas e os botões tudo muito bem rematado á mão. Por baixo da saia ,a tapar o rabinho, uma cuecas brancas muito bem feitas cheias de folhos e rendas na ponta, tal e qual como as meninas mais pequeninas usavam. Na espécie de trança que a boneca tinha na cabeça a mãe de Isabel pôs-lhe um laço preso com um alfinete e para os pés, muito perfeito fêz em tecido uma espécie de sapatos meias também brancos. A boneca estava linda. Nem parecia a mesma. Isabel nem cabia em si de contente.

A mãe foi-lhe dizendo:

“olha que me deu muito trabalho, e ainda ficou caro, não a deixes ficar por lá, depois quando a trouxeres é para pôr em cima da mala ali na sala”

“Está bem, lá vai esta para fazer vista”, mas naquele momento aquilo era o que menos interessava . Queria era que a noite passasse rápido , para ir depressa para o liceu.

Não se importou nada de ter que andar todo o dia com a boneca ao colo. Ela estava tão linda que o faria com todo o orgulho. Teria sempre para dizer que fora um trabalho da mãe para um concurso do liceu.

De manhã cedo saiu para o comboio com o pai . Ia feliz. Aquela não era a boneca com que sonhava , esse era um Nenuco, que se vendia vestido com roupinha de bebé e umas botinha de lã, uma calçada outra na mão e que tinha cabelo aos caracóis, mas naquele dia não ia ficar envergonhada.

No liceu as bonecas eram tantas que Isabel não conseguia saber qual era a mais bonita. Nénucos havia-os vestidos com fatinhos de todas as cores. A boneca dela era mais uma entre dezenas. Pelo caminho até ao liceu muita gente entendeu com a boneca. Estava realmente bem vestida e engomada e cheia de laços rendas e folhos, chamava a tenção, mas lá era só mais uma.

Isabel pegava-lhe como se fosse um troféu.
Mas no liceu pouca gente se abordou dela. Afinal eram tantas e tão bonitas que ela própria estava confusa.
Valeu-lhe uma professora que lhe perguntou :”quem vestiu a tua boneca, está muito bonita a boneca que te demos aqui”

“Foi a minha mãe, senhora professora”
“dá-lhe os parabéns , está muito bonita”
Isabel ficou contente com o seu prémio.

De volta a casa vinha tranquila e sem vergonha nenhuma de trazer ao colo a sua boneca no percurso do autocarro e do comboio. Quando chegou a casa , contou á mãe o sucedido. Afinal alguém tinha reparado no seu trabalho.
E a boneca foi descansar sentada na mala da sala, onde ficou até á mudança de casa . Mais tarde na casa nova, passou a ser o elemento de decoração principal da cama de Isabel.
Por vezes Isabel vivia lampejos de felicidade.

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