sábado, 27 de março de 2010

O baile de finalistas

Durante cinco anos Isabel frequentou o liceu misto, completando assim o sétimo ano de escolaridade, último ano do ensino liceal na altura. Os dois primeiros anos tinha-os feito no liceu feminino, e o pai cumpriu a promessa. Como nunca chumbou depois de completar todo o liceu, iria para a universidade.


Já há muito a ideia de ser costureira de profissão estava abandonada, e o curso de professora primária também, visto que para este curso os jovens ao quinto ano liceal passavam para o ensino do magistério primário, onde ao fim de três anos e um estágio feito numa escola primária, estavam aptos a ensinar das primeiras letras, a matemática, geografia a história de Portugal, e depois ser colocado a ensinar num local atribuído segundo algumas regras, e este pequeno pormenor fazia toda a diferença.

Isabel não se importaria de ter tirado este curso, mas de facto era complicado imaginar que Isabel no final teria de trabalhar sabe-se em que zona do país. Normalmente as mães acompanhavam as filhas quando estas, para dar aulas no local para o qual eram destacadas pelo Ministério da Educação, tinham que ir viver para aldeias ou cidades longe das suas casa. António não imaginava Graça a sair de casa e acompanhar Isabel fosse para onde fosse. Isabel sempre soubera que nunca viria a ser professora primária porque o pai nunca a deixaria abandonar a aldeia sozinha.

No final do sétimo ano, também Isabel teria o seu baile de finalista.

Estes bailes eram um marco na vida dos estudantes, que nesta altura ou abandonavam o ensino e começavam a trabalhar, ou porque uma etapa de novos estudos específicos se aproximava.
Os bailes, feitos no ginásio do liceu, tinham vários apoios, e eram muito bem frequentados. Professores, alunos já na universidade ou outros estabelecimentos de ensino, e familiares, ocupavam lugares de destaque em mesas especialmente adornadas para a ocasião. O baile era feito por um conjunto musical em voga, que toda a noite tocava musicas actuais capazes de manter em perfeita animação todo o baile.
As alunas, principalmente as finalistas vestiam muito bem. Cada uma tentava inovar e levar o vestido comprido mais bonito da noite. Era muito natural o uso do vestido comprido nas raparigas, assim como o fato com gravata para os rapazes, que assim vestidos nesse dia tinham um aspecto mais adulto e muito mais interessante.

Isabel que nunca ousara pedir ao pai, para ir a nenhum baile desses, sonhava á muito com o seu. Com certeza que nesse baile estariam os jovens por quem nutria alguma simpatia, especialmente aquele de quem já tinha desistido, mas a quem gostava de mostrar que estava bem e feliz, dançando com outros colegas.
Mas todas as festas tinham  custos. Isabel sabia muito bem que para si, vestido comprido nem pensar. O João nesta altura já frequentava a universidade e há algum tempo que frequentava diversos bailes, era até um grande bailarino. Para o seu baile de finalistas, no liceu masculino, os pais tinham-lhe comprado um fato azul escuro, e caso ele acompanhasse Isabel, já tinha roupa. Mas Isabel nem sequer sabia como começar o pedido para ir ao bailo quanto mais pensar na roupa que gostaria de vestir.

O pai andava adoentado com gripe, e nesse dia já estava deitado, era sexta feira e o baile seria no dia seguinte. Isabel foi ao quarto do pai, e disse-lhe que no dia seguinte seria o seu baile de finalistas. Gostaria muito de ir, foi só o que disse ao pai. A mãe disse logo que não era fácil pois com o pai doente não tinha quem a levasse e trouxesse, além disso não tinha roupa.

António deve ter visto a ansiedade e vontade de ir a esse baile nos olhos de Isabel. Muito discreta e conformada, guardou para o ultimo dia falar deste assunto, pois imaginou que o pai não a deixaria sair á noite para a cidade. De facto sem esperar, Isabel ouviu o pai dizer que SIM, ela podia ir ao seu baile, mas tinha que se sujeitar a certas condições, visto que ele na cama não podia ir com ela.

De manhã a mãe iria falar ao senhor que tinha um táxi lá na aldeia e ele seria incumbido de levar e depois ir buscar ao liceu a Isabel e o João que acompanharia a irmã.
Todas estas condições, ao mesmo tempo que alegravam Isabel também a inquietavam. Não tinha vestido, o que era mau, ia com o irmão, o que era bom, mas com o horário estipulado pelo pai, a noite ia ser muito curta, o que não era muito estimulante. Teria que abandonar a festa quando ela estivesse no apogeu, mas em relação a isto não podia fazer nada. Á uma da manhã o taxista estaria na rua á espera para trazer de volta Isabel e o irmão.

E o vestido, que iria vestir Isabel?

Se pudesse usar um vestido comprido ela nem imaginava, mas seria uma das mais bonitas da festa. Pensando sempre o contrário, Isabel estava uma rapariga muito bonita e delicada.
O pai ordenara á Graça para de manhã dar algum dinheiro a Isabel ir comprar algo para vestir, e o melhor era ser algo que ficasse para usar futuramente. Os sapatos engraxados fariam muito boa figura.
De manhã bem cedo Isabel foi de comboio para a cidade.
Normalmente não comprava roupas no pronto a vestir. Tinha aprendido a tirar moldes da Burda com a sua amiga retornada, e com a mãe faziam calças, blusas, saias, alguns vestidos , mas tudo muito simples e farto de ser usado para levar ao baile.

Como não conhecia muitas casas de pronto a vestir, andou numa roda viva de loja em loja. Nada, ou era tudo muito caro ou então não era de acordo com o seu gosto e com a ocasião. Fartou-se de vestir e despir roupas, algumas em que deixou preso o seu coração pela graciosidade e elegância, outras que lhe ficavam mesmo mal. Teve momentos que se sentiu muito bonita, mas tinha de desistir porque o custo não era acessível. Era a primeira vez que tinha de decidir, algo do género mas estava disposta a não desistir. Nesse dia estava decidida a não desistir. Numa casa em que entrou, que vendia essencialmente  malhas, viu um conjunto saia e camisola que resolveu experimentar. A saia de malha simples fina e fofa, curta o suficiente, porque se usava a mini saia, ficava-lhe muito bem. Por cima a camisola canelada igualmente fofa e delicada, contornavam o corpo de Isabel tornando-lhe as formas elegantes mais evidentes. Aquele azul ficava-lhe muito bem, e a carreira de botões pequeninos de alto a baixo na camisola á frente ajudaram na decisão final.

Claro que Isabel não foi ao cabeleireiro fazer nenhum apanhado no cabelo como muitas faziam, lavou e secou o cabelo em casa, preparou-se o melhor que pode, e com mais um outro pormenor, que de vez em quando sem os pais notarem já usava um pouco de maquilhagem que ia comprando com uns escudos que juntava. Um pouco de sombra e rímel nos olhos e um pouco de cor no rosto transformaram o seu olhar e deixaram-na mais bonita.

Á hora combinada lá estava o táxi á porta e Isabel e o João foram levados ao baile.

Para o João nada daquilo era novidade, mas para Isabel tudo aquilo era novo lindo, maravilhoso. A sala, o palco, as mesas, o conjunto, as pessoas.

O João tinha uma mesa reservada junto com colegas da universidade. Ela foi-lhes apresentada e sentiu-se bem ali. Com o seu fato azul sentiu-se confortável o suficiente, apesar de algumas colegas parecerem ter saído de alguma capa de revista. Claro que não dançou com quem gostaria, mas divertiu-se, ainda que quando o ambiente estava a aquecer, teve que sair pois o táxi estava á espera. Como ela gostaria de ter ficado. Tinha chegado muito depressa ao fim aquele sonho.

Dessa noite ficaram as fotos e a vontade enorme de voltar sempre àqueles bailes. No táxi a caminho de casa nos cheios olhos triste por ter deixado a festa a meio, nascia a vontade enorme de repetir.

Na verdade no ano seguinte já aluna da universidade voltou ao baile de finalistas no seu antigo liceu. Foi com o irmão que já conduzia. O vestido era outro, cinzento, mais curto ainda, bastante cintado, deixava-a mais bonita.
Foi a primeira vez que sem saber porquê aquele rapaz de braço partido, pendurado ao peito, se dirigiu a ela e a convidou para dançar.

Era o Pedro!

Aquele era o baile de finalista do Pedro, que ela já tinha visto no teatro da aldeia, uma vez que tinha saído com a avó Teresa para ver o Nélito a representar.
O futuro reservava-lhe muitas surpresas!

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