Dançava-se lá como em todo o lado. Eram salas mais ou menos amplas e a ideia que se tinha é que lá dentro se faziam coisas horríveis, por isso se dançava quase ás escuras, ou então era por se dançar ás escuras que se faziam as tais obscenidades.
Na Falésia havia uma discoteca e Isabel gostava muito de saber como era esse espaço lá por dentro. Já ouvira as amigas falar mas não fazia ideia de como eram no interior. Sentia até um certo medo por esse ambiente desconhecido, mas isso não lhe tirava a curiosidade. Havia já algum tempo que não se sentia bem em sítios fechados ou com muita gente, mas se pudesse gostava de ver de perto como era uma discoteca.
Ao contrário dos bailes da aldeia, as mães não iam com as filhas, nem estavam sentadas em cadeiras á volta da sala. O som era muito alto e não havia conjunto. Havia um sitio onde um jovem colocava LPs numa aparelhagem. Penduradas e colocadas em sítios estratégicos, luzes de várias cores, lâmpadas e bolas de pequenos vidros, rodopiavam. Na pista de dança, casais dançavam a noite toda, ou muito coladinhos ou em constantes movimentos altamente complexos e acrobáticos. Outros jovens passavam a noite sentados a conversar, ou em pé encostados a um qualquer balcão. O que também acontecia eram as cenas de porrada pela noite dentro. Desta parte Isabel não gostava nem de pensar, mas de tudo o resto ela tinha muita curiosidade de experienciar.
No liceu falavam de uma ou duas discotecas que haviam na cidade e ela nem sonhava em passar perto, mas na Falésia e estando em férias estava cheia de curiosidade em ir ver como era.
Por vezes á tarde faziam matines para os mais novos. Então o grupo da praia combinou uma tarde de domingo irem todos á discoteca.
Isabel não se sentia muito á vontade no grupo. Pouco ou nada participava nas suas conversas porque nunca saía com eles.
Tinha muitos complexos. Havia sempre algo que não deixava que ela se mostrasse como na realidade era. Ou o fato de banho ridículo, a sensação que tinha que era gorda e feia, as conversas em que a mãe se intrometia considerando-a sempre criança, o facto de negar sempre os convites para sair á noite com o grupo, ou fosse o que fosse havia sempre algo que a fazia viver a fazer de conta que estava tudo bem, mas que a distanciava muito de todos os assuntos reais do grupo.
Costumava ouvir em silêncio a conversa de todos e fazia de conta que também tinha estado presente. Naquela tarde quando combinaram sair, sem se dar conta Isabel falou alto e disse:
“amanhã também vou”,e disse-o com tanta convicção que a maioria olhou para ela admirada.
“ nada de atrasos, saímos ás três do café Tubarão.”
Isabel não podia ficar mal vista, tinha de conseguir convencer a mãe a sair com o grupo. Não tinha o habito de mentir , mas desta vez se fosse preciso teria de utilizar todos os meios para não faltar ao prometido. Mentir não, mas podia não dizer toda a verdade.
Estava demasiado excitada com a saída. No grupo havia rapazes engraçados, simpáticos mesmo, com quem ela gostaria de conversar e quem sabe dançar. Preocupava-a a roupa que devia escolher para vestir, ainda que não tivesse muito por onde escolher. Estava tão entusiasmada com tudo isso que sem receio nenhum e colocando um ar mais que natural disse à mãe:
“amanhã á tarde, o grupo da praia vai passear até ao casino da praia, vão todos e eu gostava muito de ir. Acho que devia ir, nunca vou com eles a lado nenhum e passear á tarde não faz mal”
“está bem, vou dizer ao pai e depois vê-se “
“vou dizer que sim, sim mãe?”
Como a mãe não respondeu Isabel considerou a resposta dada, visto que quem cala consente. Não tinha mentido, só não tinha dito toda a verdade, e depois se alguém falasse do baile ela diria que todos entraram e que não poderia ficar na rua á espera. Desta vez ia rir e divertir-se como os outros.
A tarde estava de chuva . Á hora combinada lá estava o grupo com muito mais gente do que era costume. O João também apareceu mas isso não intimidou Isabel. Lá foram todos até á discoteca. Isabel ia admirada com tudo aquilo e estranhamente perturbada pelo pai não lhe ter dito nada. Só esperava não ter nenhuma surpresa desagradável no regresso. Mas lá foi em grupo.
Também apareceu no café, um jovem mais velho que ela uns anos, que ela e o João conheciam da aldeia. O moço falava muito e ela nem por isso. Isabel preferia outras companhias mas isso não aconteceu. Estavam todos demasiado entretidos uns com os outros para ligar alguma importância a Isabel. Só o moço da aldeia lhe dava atenção, mas não era a sua atenção que ela pretendia, não por ser da aldeia mas porque Isabel engraçava com um certo jovem do grupo, como seria normal na sua idade, e era dele que queria atenção.
A discoteca, por ser de dia não estava ás escuras, nem tinha as bolas de luz e vidros a rodopiar, ela bem tentou olhar para quem lhe interessava mas nada. Entretidos uns com os outros, se ela quis dançar foi com o tal jovem mais velho. Estava triste e desanimada. Nenhum rapaz do grupo da praia tinha reparado nela. E aquele tal muito menos. Estava desiludida. Devia estar feia, gorda e com cara de parva. Nem ouviu mais uma vez o convite do seu conterranio para dançar.
“ não , estou cansada, não me apetece , não sei dançar isto”
Tudo servia para se livrar de dançar com aquele moço que começava a deixá-la ansiosa.
"Se fosse na aldeia já diriam que ele estava interessado em mim", pensava Isabel.
Mas tal como ela, ele também não estava á vontade ali.
De um momento para o outro Isabel deu consigo a pensar que queria sair dali. Sabia o caminho para casa. Se bem pensou, depressa o fez e mesmo sem dizer ao João pôs-se a andar o mais depressa que pôde até casa.
“então já de volta, não fui á praia porque começou a chover e os teus amigos?”,disse a mãe quando viu aparecer Isabel.
“foram todos dançar, mas eu não quis, vim-me embora”
“fizeste bem filha ”
Isabel estava infeliz. Mentiu o tempo todo, até a ela própria. Ela queria dançar sim , mas não com um jovem chato e velho, como ela achava na altura, mas com aquele “ o tal jovem” que nem olhou para ela. Durante aquela tarde ela soube que não existia no grupo, não fazia parte desse mundo. Ninguém gostava dela. Sentiu-sa marginalizada, uma pessoa sem interesse para ninguém.
Á noite, nem o irmão perguntou por nada. Ninguém dera pela sua ausência.
Isabel cada dia vivia mais em silêncio com o mundo, guardando para si revoltada, todas as coisas que lhe aconteciam.
Nesta altura não gostava nada dela.
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