domingo, 7 de março de 2010

Os bailes

Na sua infância e adolescência as idas aos bailes da aldeia ao fim de semana ou algum feriado eram motivo de festa para pais e filhos. Depois de um dia de trabalho todos se aperaltavam para ir ao baile. Isto era sempre mais importante para famílias com filhas em idade de namoro, mas muitas mães só com filhos rapazes também iam aos bailes.
Era uma forma de convívio, de diversão e de saírem de casa. Nessa altura aproveitavam e punham em dia todas as conversas das vidas da aldeia.
As mães deviam acompanhar as filhas ou para as mostrar a possíveis pretendentes ou então no caso de já namorarem, para as protegerem e resguardarem de falatórios. Ir com o namorado de noite, ou mesmo de dia fosse onde fosse era altamente proibido. Rapariga que namorasse algum tempo com um rapaz ficava falada e caso o namoro não fosse avante, ninguém mais a queria para casar. Também uma menina que fosse estudar não devia ter olhos para qualquer rapaz. Os mais simples e não estudantes,achavam sempre que as estudantes não eram para eles. O contrário já era tão provável acontecer.
Era muitas vezes nos bailes que os rapazes começavam a apreciar as moçoilas. O seu aspecto, a sua postura, a sua beleza e a forma como se deixava conduzir na dança.Se se deixasse apertar muito, não devia ser grande coisa. O namoro fazia-se á janela e depois á porta, e claro está que os namorados tentavam fazer o mesmo de sempre, mas muito longe dos olhares dos pais. As mães, sempre por perto, tentavam proteger a conduta das filhas que tinha de estar sempre ilesa. Valia muitas vezes ao par de namorados, o cansaço de um dia de trabalho que fazia com que a mãe guardiã passasse pelo sono.
Isabel, muitas vezes apreciou cenas de namoro de vizinhos á janela ou á porta, ou ainda a forma engraçada como um par de namorados quando caminhava se encostava, evolvendo-se num roçar cúmplice. Nem de mãos dadas caminhavam. O toque do braço do rapaz a roçar o peito da moça já era indicativo de posse e namoro.
Isabel imaginava que um dia, nem namoro á porta ou janela, nem roçar de braços,só de mãos dadas é que ela queria andar sempre.
Claro que Isabel em toda a sua vida de jovem adolescente, terá ido a muito poucos bailes. O pai não deixava. A mãe nunca estava disposta a ir com ela, nem se esforçava para isso. E ela,sempre desgostosa pela falta de liberdade, contentava-se em ouvir das moças bailarinas o relato dos bailes.
A sala de baile era ampla e num palco, um conjunto tocava musicas da época. De vez em quando as mães reclamavam com as filhas a forma como os rapazes as apertavam. As filhas faziam de contam que não ouviam e ao dançar afastavam-se da cadeira onde a mãe estava sentada. Não se dançava separado. Dançar aos pulos ,como se dizia do twisti ou rock, era considerado na aldeia, um comportamento pouco adequado a uma jovem.
Muitas vezes quando chegava o Verão e as festas religiosas, os bailes faziam-se na rua em espaços amplos com palcos improvisados. Os homens passavam o tempo na conversa a beber e petiscar em quiosques improvisados, e as mães tomavam conta das filhas que dançavam com os rapazes que corriam as terras da vizinhança á procura dos bailes com o melhor conjuntos e as raparigas mais jeitosas.
Muitas vezes estes bailes acabavam em cenas de pancadaria. Já noite alta, quando as cabeças dos homens, estavam bem toldadas de vinho, bastava um pequeno desentendimento para começar a porrada. Era um Deus te acuda. As cadeiras pelo ar, cabelos arrepelados , murro daqui e dacolá, até se estabelecer a ordem era uma complicação. Muitas vezes era necessária a intervenção da guarda, para repor a calma e o baile poder continuar. Muitas vezes podia estar em causa um nome , uma reputação, ou uma simples frase dita sem maldade. Mas baile sem cena de pancadaria não era a mesma coisa.
Muitas vezes Isabel pediu para ir a um ou outro baile, mas o pai nunca autorizava. Ela também achava que não ia lá fazer nada. Não sabia dançar muito bem, e como não praticava, tinha vergonha dos rapazesde dançar mal ou de eles não a convidarem para dançar, o que era bem pior.
Ninguém a queria. Todas as meninas da sua idade, alguma vez já tinham recebido uma ou outra carta de um rapaz, a revelar-lhe como a achavam bonita, a convidá-la para uma dança num próximo baile. Isabel nunca recebeu carta alguma. Soube muitos anos mais tarde, que os pais nunca lhe tinham entregue carta nenhuma, mas que elas existiram.
Isabel terá ido a um ou dois desses bailes com uma prima da cidade que era surda muda. Graça, para fazer a vontade á sobrinha ia com ela e levava Isabel. Esta adorava ver a prima dançar. Sem ouvir a musica deixava-se conduzir como uma pluma. Isabel dançava pouco. Normalmente punha os olhos nalgum moçoilo que passava aquele pedaço de noite sem a convidar para dançar. Saíam muito cedo do baile, normalmente por volta da meia-noite quando a festa estava a aquecer.Isabel levava no coração o peso da rejeição.
Uma ocasião na praia quando passavam férias em Setembro, Isabel pediu muito ao pai para ir a um baile,famoso naquela altura. Todas as meninas do grupo da praia iam. Ela nunca ia. Muitas vezes nem se permitia pedir ao pai. Ele nunca permitia. O João tinha autorização para ir aos bailes todos, se cumprisse o horário de regresso a casa. Também ele contribuía para Isabel não ir aos bailes, pois achava que aquilo não era ambiente para ela. Nessa altura ele tanto insistiu para que ela não fosse que o pai disse:
“desta vez só porque estás para aí a teimar para a tua irmã não ir, ela vai mesmo”
Isabel foi, mas estava aflita.
Apesar da ajuda que o irmão já lhe tinha dado em tempos em casa, para a ensinar a dançar, como ela nunca praticava, tinha medo de fazer má figura.Depois achava que estava muito mal vestida.
O baile tinha muita gente, e alguns pares dançavam muito bem. Sentiu que estava ali a mais. A mãe passou o tempo a dizer-lhe, como e com quem devia ou não dançar.Estava envergonhada. Assim era preferível ficar em casa. Depois estava numa fase em que todos os homens a assustavam pela forma como olhavam para ela. Vivia confundida desde que na cidade foi obrigada a presenciar cenas de exibicionistas. Também considerava que estava gorda além de mal arranjada. Estava convencida que ninguém gostava dela.
As amigas da praia, cada uma, tinha arranjado um par com quem dançava e se divertia. Ela estava constantemente a ser advertida e chamada pela mãe. Depressa implorou á mãe para sair dali. Estava triste, nervosa, não era com aquilo que tinha sonhado.
Talvez um dia, se o mundo desse uma volta, tudo se modificasse,e ela viesse a dançar feliz uma noite toda com alguém que lhe interessasse. Nessa altura tudo isso estava muito longe do seu alcance. Nunca mais pediu para ir a esses bailes, não nessas condições.
Na aldeia nem ousava pedir mais nada. Sabia que a resposta seria NÃO.
Mas isto iria marcá-la.
O que não se dança na juventude nunca mais se dança, porque só se é criança e adolescente uma vez na vida.

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