Por volta dos doze anos Isabel apaixonou-se pela primeira vez.
Desde que visitou, por um motivo qualquer, a casa de uns jovens recém-casados, ficou fascinada pela maneira terna e doce com que o marido tratava a esposa. Além do carinho agradava-lhe o tom de voz e a forma doce e delicada, com que se dirigia a ela. Todos esses gestos ficaram gravados na sua memória e a partir daí imaginava para si, alguém que a tratasse com aquele carinho e atenção.
Na escola não teve contacto com rapazes. Além do João e do Nélito, só conhecia o Nuninho , que ela achava muito mimado e maniento para o gosto dela, além de que esse só tinha olhos para as primas da cidade. Mais tarde no liceu misto, conheceu muitos rapazes, alguns mais interessantes que outros, mas achava-os todos iguais. Isabel apreciava um determinado tipo de jovem, isso era um ponto assente. Tinha que ser alto e magro, moreno, simpático e no mínimo um pouco inteligente. Não gostava de jovens grosseiros e folgazões. Tinha que ter as mãos com dedos finos e sempre limpas. Isabel estava no entanto convencida que ninguém a olhava. Sentia-se sempre rejeitada por toda a gente. Ninguém gostava dela. O pai dizia-lhe muitas vezes que quando andava, levava uma perna por cada lado da aldeia, tinha as pernas tortas, e o pai sempre que a acompanhava para o comboio fazia questão de referir esse assunto.
Mas um ano na praia conheceu um moço um pouco mais velho que ela que a encantou. Tudo nele era interessante. Já com barba, aquele rapaz tinha uma voz suave, falava com um balancear, que Isabel poderia estar a ouvi-lo toda a vida sem enjoar. Contava coisas do estudo, da sua vila, do trabalho, dos pais e dos irmãos. Cinco irmãos no total, três rapazes e duas raparigas. Todos calmos e tranquilos, sendo a irmã mais velha um pouco arrebitada, Isabel fez contudo amizade com ela e durante o ano trocavam noticias por carta. Ela e umas outras miudas mais audazes, eram o centro de todas as atenções masculinas. Isabel mantinha-se no grupo como ouvinte.
Isabel via-o falar, enterrando e erguendo consecutivamente os dedos na areia, deixando cair entre eles a areia, como se fosse uma peneira. Fazia isto repetidas vezes e Isabel seguia-o sempre com o olhar. Queria tanto que aquele moço olhasse para ela, como de grãos de areia ela via de cada vez cair dos seus dedos. Os seus olhos seguiam as suas mãos, muito mais atentos, que os seus ouvidos o que dizia.
Era moreno, de cabelo aos caracóis, usava calças claras e sempre uma camisa clara de manga curta. Os olhos muito negros com umas enormes pestanas faziam dele, aos olhos de Isabel, o jovem mais bonito que já vira.
Como era mais nova, raramente falavam. Isabel sabia que ele nem a olhava, e com a Graça a passar o tempo a dizer que Isabel só gostava de bonecas, nem sequer era possível o rapaz reparar nela. Além disso no grupo haviam moças da idade dele, e á noite ao contrário de Isabel, saíam todos a passear e a fazer sabe-se lá o quê. Isabel imaginava-o a passear de mãos dadas com alguma delas e a segredar-lhe coisas ao ouvido. Á tarde na praia riam-se sempre tanto e estavam sempre tão animados que tudo parecia ter a ver com os passeios nocturnos.
Ela não sabia bem porquê, mas essas coisas faziam doer-lhe o coração.
De vez em quando sonhava acordada, e via-se a passear com ele de mãos dadas, e quando as coisas em casa corriam mal, imaginava-se a viver num casebre, num monte bem longe de tudo e todos, a tê-lo como seu guardião. Seria com certeza bem mais feliz.
Manteve este amor secreto muito tempo, o suficiente para durante o periodo de aulas, quando regressava do liceu para o comboio, imaginar que ele estaria á sua espera, num sitio qualquer e a acompanharia á estação. Por vezes deixava escapar nas cartas que escrevia á irmã, perguntas para saber do seu paradeiro. Amores de praia…, que Isabel construia na sua mente á imagem das telenovelas que por vezes ainda lia na casa da Zézita.
Os anos foram passando e só na praia é que o via. Ele nunca surpreendeu Isabel em local algum, só na sua imaginação fértil é que o via. Isabel era uma miúda sonhadora, mas este sonho acabou, ainada que ela nunca o tivesse esquecido. Foi á sua imagem que criou o prototipo de homem que considerava ideal para si.
Mas um dia colocou um outro amor no seu lugar.
Por vezes no liceu mandavam-lhe papelinhos, ou recados, mas ela não ligava. Nunca eram de ninguém que gostasse muito ou então nem os entendia. Furtava-se sempre a possiveis encontros que á partida lhe eram propostos por colegas que não lhe interessavam.
Nessa altura na aldeia por vezes o João reunia amigos, rapazes e raparigas e todos juntos organizavam bailes. Eram bailes particulares, muito habituais nessa época. Festejavam um aniversário, o carnaval, um fim de curso… Num local escolhido para o efeito, normalmente uma garagem, só entrava quem estava convidado. Faziam-se sempre do inicio da tarde ao anoitecer, e os jovens encarregavam-se de levar os doces e bebidas para o lanche. No final da festa ao inicio da noite, a mãe de Isabel voltava a buscar o gira-discos á cabeça, que com o balanço do carro, a agulha do braço do aparelho muito delicada, podia quebrar.
A pedido do João com a autorização do pai, Graça levava á cabeça até á tal garagem, uma aparelhagem de gira discos antiga, que António tinha recuperado praticamente do lixo. Ao som de musicas shake ou slow, toda a tarde se dançava. Isabel passava as tardes á espera que um ou outro jovem por quem nutria mais simpatia se abeirasse dela e a convidasse a dançar, mas de facto não tinha muita” sorte.” Normalmente interessava-se sempre por alguém que até ao final da festa nem a olhava. Isso deixava-a triste e desconsolada. Como nunca ia aos bailes nocturnos, tinha que aproveitar aqueles, a que o pai de bom humor a deixava ir, pois tinha o João por perto. Mas como? Quem ela gostaria que a fizesse rodopiar não a convidada. Sentia-se uma estranha e marginalizada daquele grupo.
Todo o sacrificio que fazia para conseguir autorização do pai para sair, não justificavam o sentimento de rejeição com que chegava ao final dessas festas. Isabel era considerada “menina da mãe”, o que era absolutamente mentira. Proibida de participar nas festas e outros convivios da aldeia, não se juntava ao jovens da aldeia, o que fazia com que poucos a conhecessem realmente.
Como ela gostaria que aquele jovem especial, por quem aos poucos começou a sentir um enorme fascínio, pegasse nela pela cintura e a levasse a girar á volta da garagem vezes sem fim. Sentir na sua a mão dele, era um sonho improvável.
Costumava juntar-se a alguma rapariga que por ter o namorado ausente, na tropa ou já na guerra do ultramar, simplesmente não dançava. Ia ali só para sair de casa, pois como o baile não era publico o povo não iria comentar. As jovens que namoravam só podiam dançar com os namorados, já o contrário não era verdade pois um rapaz mesmo namorando podia dançar onde quisesse, logo que a namorada e família não soubessem.
Isabel aguardava, tentando mostrar uma felicidade mentirosa. De cada vez pensava que seria na festa seguinte,que algo iria acontecer, mas não conseguia deixar de se sentir frustrada e rejeitada.
Os seus olhos e o seu coração perseguiam teimosamente, o sonho de ser pretendida por alguém que ela também gostasse.
Dançar nem que fosse uma vez com seu escolhido. Será que isso um dia iria acontecer?
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