segunda-feira, 1 de março de 2010

A Falésia

Durante alguns anos, Isabel o irmão e os pais foram em Setembro, apanhar banhos de sol e mar para a praia do Molho, mas passado algum tempo trocaram, por decisão do pai, esta por uma outra praia mais fina, mais limpa e muito mais frequentada nessa altura. A praia da Falésia. O sistema era o mesmo de outrora.

Um mês antes ia-se alugar a casa, que tinha que obedecer a um certo numero de requisitos. O fundamental além de ser barata, era ser limpa e ter dois quartos, um para os pais e outro para o João e uma cama algures para Isabel. Era indispensável uma casa de banho e um sito onde a Graça deveria lavar roupa, pois não havia roupa de muda para todos os dias de férias, e o António e os filhos andavam sempre impecavelmente limpos.

Apesar de ficar um pouco mal instalada, porque para ela sobrava sempre o canto mais minúsculo da casa, Isabel gostava sempre desses dias. Cada casa parecia-lhe sempre melhor que a sua na aldeia.

Sair do canto e ver-se livre de Olinda era o melhor que podia acontecer. Depois conhecia novos amigos vindos de outras terras, com quem fazia amizade. Era habitual encontrarem-se ano após ano ,e isso era muito bom. O mais difícil eram as despedidas no final das férias. Promessas de cartas trocadas e amizade eterna, muitas lágrimas e abraços faziam sempre parte das despedidas. Isabel detestava esses dias.

No dia em que chegavam á Falésia, Isabel fazia como sempre, ajudava a mãe em casa. As trouxas de roupa e alimentos continuavam a fazer parte da bagagem e como tal tinham que se desfazer e arrumar. A limpeza da casa antes e depois também se faziam. Eram dois dias de canseira o da chegada e o da partida, embora este tivesse com um sabor muito mais amargo, e portanto muito mais difícil de cumprir.

Fazia-se a escolha dos quartos, instalava-se a tralha toda e no dia seguinte começavam as idas á praia.

Numa barraca de pano, alugada a uma senhora, passavam-se as manhãs e tardes umas atrás das outras sempre com o mesmo ritual. Sol, banho de mar, jogar ao prego, aos reis e rainhas ,aos objectos escondidos e tantos outros jogos. Almoço em casa e regresso á praia para brincadeiras até ao final da tarde. Em Setembro os dias eram muito amenos e agradáveis.

Neste tempo tudo era bom e o pior que podia acontecer era o pai fazer barulho com a mãe na praia ou na casa alugada. Se não surgissem discussões estes eram os melhores dias do ano de Isabel, claro está tirando o dia da partida .

Isabel gostava das brincadeiras na praia, mas detestava quando a mãe se intrometia e dizia sempre “ela só gosta de bonecas”. Ficava furiosa e envergonhada. Já lhe bastava ter de passar as férias com um fato de banho onde cabiam três, todo costurado de alto a baixo e no sitio do peito, pois não tinha mamas que chegassem para o tamanho das copas.

O que ela mais gostava era de ter um fato de banho ao seu tamanho, já que nem se arriscava a pedir um biquíni. As meninas que os vestiam ficavam todas lindas. Ela sentia-se gorda, feia e mal vestida.

Neste dias de manhã á hora do banho iam todos para a agua. A Graça com uma das suas batas de verão passava o tempo a gritar pelo João, que correndo perigo, porque não sabia nadar se aventurava a furar as ondas, uma após outra. Isabel tinha um pouco de receio. Ainda se recordava dos mergulhos forçados do banheiro da praia do Molho, e isso não era muito agradável. Agora não gostava que lhe tocassem.

Depois do banho as mães limpavam os filhos mais pequenos, e estes e os maiores como Isabel e o João deitavam-se ao sol a secar. Toda a gente tinha direito a um lanche. Mas Isabel e o João ficavam sempre a olhar os outros a comer.

O António tinha decretado que o almoço seria todos os dias á uma da tarde e que não havia comer para ninguém antes disso. Isabel sentiu muitas vezes água crescer-lhe na boca. Tinha fome. Que mania a mãe tinha de dizer que aquele lanche lhes ia tirar o apetite.

Saiam sempre a correr da praia para não se atrasarem para o almoço, que a mãe saía mais cedo e já estava em casa com tudo pronto.

Á tarde depois do almoço, a Isabel e o irmão iam um bocadinho mais cedo para a praia. Os pais ficavam em casa a dormir a cesta.

Esses eram os melhores momentos de todos. Ninguém para interromper as brincadeiras sadias que o grupo de miúdos tinha. Entretanto a mãe chegava com a merenda. Felizmente o pai não se perdia muito pela praia.

Na presença dele Isabel nunca estava tranquila.

Muitas vezes com sorte se a mãe estivesse bem disposta, depois do pão com marmelada ,que queijo não havia, podia haver direito a uma bolacha americana, mas só de vez em quando, pois isso era um luxo caro. Gelados estava decretado que era só no fim das férias e dos mais baratos. Bolos das latas vendidos pelas senhoras vestidas de branco, estavam absolutamente proibidos.

Á noite nos primeiros anos de férias na praia da Falésia ainda se faziam alguns passeios a ver as montras e a apanhar o ar da maresia, mas á medida que Isabel foi crescendo tudo se foi complicando.

Isabel crescia na idade e na inteligência e percebia muito bem que algumas coisas que lhe aconteciam não estavam certas.

Ela precisava de liberdade e de paz para crescer feliz.