quinta-feira, 18 de março de 2010

O cortejo

A igreja da aldeia estava a precisar de obras.
Facilmente se gera um movimento único de solidariedade e união, para todos juntos, conseguirem mudar o telhado da igreja , reparar paredes, transformar até algumas coisas que mais tarde se verificou ter sido exagerado. Era necessário manter de pé a igreja que os antepassados tinham construído na aldeia. Mas a força para atingir o objectivo, surgiu rápido, e não faltaram ideias para arranjar dinheiro suficiente para iniciar as obras. Estava tudo a ser um êxito.

Cada pessoa da aldeia pagaria o correspondente ás telhas que a cobriam na Igreja o que equivalia a umas 10 telha, e todos concordaram com isso. Assim sendo as telhas estavam pagas . Mas faltava muita coisa.

 Com o apoio do povo, surgiu a ideia de se organizar um cortejo, em que as pessoas dariam o que pudessem e tivessem em casa, e depois far-se-ia um leilão de tudo, em que cada um compraria o que lhe fizesse mais falta.

Para que o cortejo resultasse em pleno,e atraisse pessoas dos arredores, teria que se arranjar e enfeitar o transporte para as oferendas e grupos ensaiados e vestidos  a rigor, para garantir á partida o éxito do projecto. A  presença de estranhos á terra era fundamental, para a compra das oferendas.
Cada rua da aldeia teria um carro, camioneta ou tractor, devidamente enfeitado e um grupo de rapazes e raparigas  ensaiados, para cantar e dançar ao longo das ruas, tudo feito no maior dos segredos para ser surpresa geral.
Claro que todas as ruas alinharam e cada qual pôs-se a trabalhar o melhor que soube, no que era necessário fazer. Desde criar letras originais, ensaiar passos de dança nunca vistos, e pensar na roupa que cada grupo devia vestir, tudo era pensado em pormenor.

Os carros alegóricos eram enfeitados com ramos de plantas, flores de papel, vasos de plantas, cartazes alegóricos, tudo de forma que ao passar o cortejo pelas ruas, todas as oferendas ficassem bem visíveis e capazes de chamar a atenção e cobiçar o interesse dos que viam.

Os grupos de dança formaram-se rapidamente, pois todos os jovens estavam cheios de vontade de participar. Isabel estava ansiosa para fazer parte do grupo de dança da sua rua.

A sua, era a rua a principal, pois era nessa rua que ficava o canto onde vivia, mas mesmo que fosse outra qualquer, por muito que ela o desejasse, ia ser a mesma coisa. Não ia dançar. Pediu muito á mãe mas não se atreveu a pedir ao pai, pois sabia que a resposta seria não.

Foi autorizada a ir com a mãe uma vez ou duas ver os ensaios. Não ficou muito tempo. Naquela altura já andava no liceu e não conhecia muito bem ninguém, sendo este também o motivo que os pais alegavam para não a deixar ir dançar. Meninas que andavam a estudar não podiam perder noites, misturadas com jovens simples trabalhadores de qualquer coisa. isabel não conseguia argumentar, mas tinha muita pena de não se integrar activamente no grupo da sua rua

“Andas a estudar não é para dançares pela rua”. Isabel achava isto tudo um disparate. Até sentia vergonha pelo pensamento dos pais.

No dia em que foi ver os ensaios ainda comentou com a mãe como gostaria de estar ali a dançar, mas a mãe afirmou de imediato que dançar na rua não era para meninas estudantes como ela. Esse assunto estava mais que falado. Ponto final.

Isabel iria sim, em cima da camioneta representativa da rua, vestida de tricana e o João de estudante, que era o traje escolhido para o grupo. Isabel não gostou da ideia. Ir empoleirada em cima do carro, bem visível aos olhos de toda a gente, sem saber muito bem o que dizer ou fazer, intimidava-a bastante. Gostaria muito mais de dançar.

Não tinha opção, ou ia em cima da camioneta ou não ia em lado nenhum. Aquilo era o que o pai tinha decidido, quando foram lá a casa convida-la para participar.

E Isabel lá foi com o João a compor o carro junto com as oferendas, cestos ou tabuleiros enormes com tudo que se pode imaginar. Bolos doces ou salgados, bacalhau, cebolas, pão ou broa, compotas, nozes, todo o tipo de fruta, queijo, abóboras, batatas, carnes assadas ou cruas, vinhos diversos em garrafa ou garrafão, tudo muito bem arranjado, e no meio, a Isabel e o João, encostados a uma espécie de pilar onde se viam penduradas algumas notas em dinheiro já oferecido.

No final do cortejo antes da venda das oferendas, cada grupo de dança fez uma actuação. O grupo de Isabel também actuou, e no final ela retirou-se do agrupamento de pessoas que assistiam ao desfecho. Sentiu um braço puxa-la, e um jovem bem parecido que nunca tinha visto perguntou-lhe:

“ a menina estava ali a dançar, que bem a vi! Dança muito bem e é muito bonita”.

Isabel olhou o moço admirada, corou, sorriu e agradeceu, dizendo que sim, que tinha estado a dançar.

Uma pequena mentira que podia ser verdade, encheu-a de alegria. Por segundos sentiu-se igual a todas as jovens do grupo.
Nunca ninguém lhe tinha dito que era bonita, muito menos daquela forma directa e simples, puxando-a para a olhar. O jovem devia estar confundido, porque todas vestiam igual, mas Isabel preferiu pensar que não.

Quando o jovem  disse que ela era bonita olhou-a bem nos olhos. Não podia ser mentira. Preferiu pensar que tinha estado a dançar, e que era mesmo ela que o moço achou bonita.

Estava tão contente por aquele momento, que nem se lembrou mais, que á noite quando todos os jovens fossem ao baile no final do dia de festa, ela iria para a cama.

Uma luz entrou no seu coração. Não esquecia os olhos do jovem sorrindo a olhar para ela dizendo “dança muito bem e é muito bonita “

Isabel era bonita…, e em casa antes de despir o seu fato de tricana, olhou-se ao espelho e achou que era mesmo bonita, ou seria do fato…

Sem comentários: