sexta-feira, 19 de março de 2010

O novo liceu

Tinha finalmente acabado a construção de um novo liceu na cidade.
Este novo espaço foi especialmente pensado, para acolher os jovens estudantes oriundos de todas as localidades circundantes da cidade, que utilizavam meios de transportes diversos para chegar ao liceu. Foi planeado para reunir rapazes e raparigas .

Era assim o primeiro estabelecimento de ensino misto, tendo em conta que as turmas seriam igualmente mistas e só os momentos de recreio e tempos livres é que seriam independentes. Rapazes para um lado, raparigas para outro, assim como as aulas de Educação Física também seriam dadas á parte. Igualmente teria professores homens e mulheres, visto que até aí no liceu feminino não haver professores homens.

O mundo estava realmente a mudar e muita gente não sabia, mas todo o país estava perto de grandes transformações sociais e politicas.

A ida de Isabel para este liceu ia transformar muito a sua vida. Ia conhecer novos amigos, numa idade muito importante da sua vida.

Sem  imaginar como, foi automaticamente mudada para o  novo liceu, que ficava muito mais perto da estação do comboio e do autocarro.

Até então, para poupar uns tostões para um bolo, umas pevides ou até algum material escolar, ou porque não tinha a totalidade do valor do bilhete, Isabel fazia grandes caminhadas até ao liceu. Recorda que muitas vezes para poupar um tostão, atravessava a ponte do rio a pé até á próxima paragem, porque do lado de lá o bilhete custava exactamente menos um tostão, e muitos tostões juntos faziam a diferença.

Tudo parecia apontar para que no novo liceu a vida do aluno fosse mais livre , mais adaptada a década 70, que se aproximava rapidamente.

As meninas teriam que continuar a usar bata, mas ao contrário do que acontecia no liceu anterior em que para cada ano era obrigatório uma cor diferente, no novo liceu seriam batas de igual cor para todas, ainda que o monograma bordado tivesse cor diferente. Para as meninas que repetiam de ano isso era importante, porque o ideal era não ser reconhecido o ano que se frequentava.

Pequenos pormenores que não importavam a Isabel. Ela achava muito interessante era ir ter aulas muito mais perto dos transportes, e além disso em turmas com rapazes. Este era um pormenor que a deixava um pouco ansiosa, mas muito curiosa. Como era envergonhada, tinha que se empenhar nos estudos para não fazer figura de burra em frente aos novos colegas. Ali nem pai nem mãe iriam interferir nas suas amizades e relações com colegas fossem eles quais fossem. Eram simplesmente colegas.

Conseguiu libertar-se da mala e do casaco azul, não sem algumas discussões. Mas essa luta foi ganha. Liceu novo ,mala nova. Chegava-lhe o facto de ter que usar sapatos horríveis.

Foi muito fácil a adaptação ao novo liceu. No outro, tudo era super vigiado e quase nada se podia fazer. As meninas não podiam usar calças e tinham que andar todas de peúgas e saias de comprimento considerado decente.

Nada disto nunca perturbou Isabel, mas agora a perspectiva de turmas mistas deixava-a expectante. No novo liceu não existiam tantos preconceitos. Isabel passou a conviver com colegas e professores do sexo masculino, e começou a sentir-se um pouco mais à-vontade em relação a todos os medos com que vivia.

Nas aulas de inglês é que tudo começou desde o principio a correr mal. Tinha vergonha de dizer mal as palavras e quando nas aulas lhe faziam perguntas ficava sempre calada, o que prejudicou bastante o seu aproveitamento e aprendizagem nesta disciplina. Mas passou todos os anos e concluiu com êxito, no final do tempo previsto, a saída do liceu e o acesso á universidade.

Durante o percurso neste liceu Isabel fez amigos especiais, sofreu de paixonetas impossíveis, participou em várias actividades ainda que nunca ninguém a tivesse ido ver fazer fosse o que fosse. Fez coisa que nunca tinha imaginado conseguir fazer.

Como era habitual foi proibida de sair em excursões ou participar em festas de grupos ou outras fora do liceu e fora do horário de aulas, mas viveu e sobreviveu a tudo isso.

Um dia na altura do carnaval um grupo de amigos convidou Isabel a ir a um baile num espaço, muito perto do liceu e junto a um café. Tanto teimaram com ela que cedeu e foi só ver como era. Não tinha tempo nem autorização para mais. A sala estava meio escura como era habitual na altura, e vários pares dançavam uns mais apertadinho que outros. Achou tudo muito interessante, mas preocupada, estava sempre a olhar para as horas. Bem que gostaria de ficar por ali algum tempo, e até dançar com algum colega, mas tinha horas para chegar a casa. Os papelinhos e fitas de carnaval rodopiavam constantemente pelo ar. Isabel estava a gostar de tudo aquilo mas teve que sair. Não tendo mais que apreciado o ambiente, ia triste por não poder ficar, mas nunca desobedecia aos pais.

Com este imprevisto acabou por perder o comboio onde deveria ir e foi só no seguinte. Chegada a casa ficou aflita quando viu que o pai já estava.

Nesse dia tinha levado o carro para o trabalho e chegou mais cedo.

O inquérito feito a Isabel foi longo, mas tudo estaria bem se Isabel não tivesse omitido a sua passagem por aquela festa. Realmente, justificou-se do atraso mas não  falou da festa que tinha ido espreitar, e como tal foi difícil justificar ao pai porque tinha papelinhos metidos no seu cabelo. Disse a verdade, mas o pai não entendeu.

Ouviu uma série de vezes a mesma coisa , e nesse ano as festas do carnaval já estavam concluídas.
Sempre que coisas destas aconteciam, pensava que um dia ainda iria divertir-se muito em outras festas, mas no seu íntimo, Isabel sabia muito bem que não seria a mesma coisa….

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