domingo, 21 de março de 2010

A casa nova

No local onde a avó Teresa viveu durante anos, estava pronta a nova casa de Isabel. Depois de algumas desavenças acerca de pormenores de acabamentos, os pais de Isabel tinham conseguido chegar com a obra ao fim. Apesar de faltarem alguns pormenores, o mais importante estava pronto.

No grande quintal, ainda estava a laranjeira onde o Nélito costumava passar tardes a tocar bateria nos testos e panelas(a sua bateria). Para lá do terraço pensavam fazer umas arrecadações, uma capoeira, e retomar o amanho da terra. Quem sabe fazer também um pequeno jardim. O essencial para começar uma nova vida estava pronto. Era o que Isabel pensava.

Uma casa nova com janelas em todas as divisões. Tudo parecia ainda um sonho.
Em cada janela uma persiana protegia a casa, em vez de portas de madeira rombas e velhas, as novas portas eram de madeira encerada, não fosse o verniz riscar,e sendo  novas e robustas davam um ar importante e seguro á casa.

A mesa que outrora servia para tomar as refeições na antiga cozinha escura , servia agora de balcão na nova cozinha, com uma pedra mármore em cima. Um fogão a estrear com forno e um frigorifico conferiam á cozinha a devida importância, completando o  conjunto dee necessidades nesta área.
As refeições principais do dia seriam feitas na sala de jantar, sempre que o pai estivesse. Os quartos, assim como a sala de jantar e os pequenos corredores, eram todos em tacos de madeira. Os tetos brancos em estuque.
A cantara da agua foi substituída por um jarro, e sobre um pequeno lava loiça uma torneia iria facilitar muito os afazeres da cozinha. Ao lado da cozinha uma dispensa. Nesta umas escadas  que davam para o sótão, onde se instalou um cilindro para aquecimento de água. Á volta  paredes da dispensa, António montou algumas prateleiras que ele próprio fez, para arrumar alguidares, vassouras, loiças diversas, copos , mercearias, e todas as coisas que Graça entendia ser lá o seu lugar.

A casa teve direito a moveis novos, muito discutidos e regateados. O quarto dos pais de Isabel ganhou uma mobília nova assim como a sala. Claro que a escolha dos moveis foi o mais complicado possível. O dinheiro não era muito e o gosto de Graça e António nem sempre coincidiam, tendo em conta o dinheiro disponível para a aquisição.

Para a sala uns sofás pretos de napa (pensava-se uma imitação perfeita de cabedal), na cor e modelo que o pai entendeu e a mãe concordou. Como tudo tinha que ser barato e forte, a casa onde tudo foi comprado, nem nome tinha, mas o mobiliário prometia durar eternamente.

O quarto do João e Isabel foram compostos com os moveis velhos, ficando a Isabel no seu quarto com o antigos móveis quarto dos pais. A secretária que o avô Francisco fizera a Isabel, ficava muito bem no seu novo quarto mesmo ao lado da janela. Um quarto com muita luz e sol, passou a ser o quarto de Isabel, que em cima da cama  passou a ter em lugar de destaque e contínua  permanência, a boneca vestida de branco, herança do primeiro liceu.

Da antiga cama, azul fosco e velho, de Isabel, António com toda a mestria fez um belíssimo banco de jardim, pintado de verde, que colocou no terraço. Neste e no quintal, o sol entrava em abundância, o que fascinava Isabel.

Longe da avó Olinda e do canto, Isabel tinha esperança que a vida em casa viesse a ser mais calma e sem as discussões constantes. O pai continuaria a entrar todos os dias no canto a visitar a avó Olinda, mas até chegar a casa, António teria tempo de esfriar a cabeça das conversas da avó, e simplesmente aparecer em casa como todo pai, desejoso de chegar para rever a família no final do dia de trabalho. Este era o sonho de Isabel.

Gradualmente as coisas melhoraram um pouco, mas não demorou muito que o chão de madeira da sala ficasse marcado com um prato que o pai, num ataque de fúria resultado de uma discussão com o João, atirou ao chão com brutalidade. Os vincos feitos pela loiça na madeira, permaneceram para sempre.

Isabel estava farta e cansada daquele tipo de cenas. Vivia em permanente tensão. Muitas vezes o João já chamava a atenção ao pai. Queria estudar e com aquele clima não conseguia concentrar-se. De noite Isabel continuava com pesadelos e muitas vezes acordou em pleno choro.

A infância não tinha sido boa, mas a adolescência não estava a começar de melhor forma. Parecia que tudo estava na mesma. Aquela não era com certeza a forma de uma família pobre ou rica criar, educar, orientar, os filhos para o futuro. A força do machismo e autoridade paterna eram evidentes, mas usados em demasia. O pai, chefe de família trabalha, manda, a mãe e os filhos obedecem.

Isabel percebeu rapidamente que casa nova, não era sinónimo de felicidade, nem de paz. Aquela forma de cuidar da família não tinha nada do que seria ideal, no entender de Isabel.

Ela não entendia as proibições sem justificação ou explicações, a falta de diálogo, a exigência posta em todos os actos, a rigidez e frigidez no trato, a falta de carinho visível, a necessidade de imposição de atitudes, a sensação de que nunca nada estava certo. Vivia constantemente assustada e com medo, servindo de pombo correio e como bola de ping-pong, na relação entre os pais.

As pessoas poderiam ser felizes numa qualquer barraca. Só tinham que fazer por isso… Porque seria tão difícil viver e sentir paz?

Isabel crescia, mas cada vez mais triste e revoltada, tentando  todos os dias fingir que era feliz….

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