Casou, foi mãe e nos anos decorridos
aprendeu decerto alguma coisa
pois da vida pouco ou nada sabia.
Guardava os animais no monte,
via-os nascer, crescer e à noite ao regressar a casa
comia a sopa grossa que a mãe fazia
mas que nunca lhe ensinou a fazer como devia.
"Não sei fazer isso, nem isto",
disse-me um dia.
E ela não sabia fazer a cama,
deitar sobre ela os lençóis brancos
que nos afagam a pele no final de um dia de cansaço,
e além disso, não sabia varrer, cozinhar,
passar a ferro, limpar,
não sabia mais que pastorear o rebanho,
cavar a terra e semear.
Não sei se aprendeu mais do que aquilo que lhe ensinei,
mas um dia casou,
foi mãe e o filho que pariu
cresceu,
foi mãe e o filho que pariu
cresceu,
tal como as cabritas que via nascer
cresciam sempre a seu lado.
cresciam sempre a seu lado.
e a cama bem feita como eu lhe ensinara.
Nos móveis além do essencial que não usava
pouco havia ou nada,
mas nas gavetas guardava jornais,
muitos jornais como coisa rara,
para embrulhar a marmita,
quem sabe para ler um dia,
ou como simplesmente me disse
"para embrulhar alguma coisa que seja preciso, quem sabe"
Morreu ontem, o marido.
Ficou doente, tinha um ferida e não sabia
e como a ferida era grave,
cresceu, alastrou e morreu depressa.
Agora ela está viúva,
mas não sei se esteve casada,
como não sei,
se usou os jornais ou as coisas essenciais
que guardava nos móveis novos,
se usou os jornais ou as coisas essenciais
que guardava nos móveis novos,
se amou e foi amada,
se algum dia desejou e se sentiu desejava.
Está triste e chorosa a coitada,
aquele era o seu companheiro
que sempre fez o que quis,
se deitou na sua cama
mesmo de lençóis mal esticados,
nem sempre brancos, lavados,
mas lhe deu o filho amado
que agora será só dela.
que chorou e se lastimou muito mais
no dia
em que lhe Deus lhe levou o pai,
em que lhe Deus lhe levou o pai,
lho roubou da vida dela...
"foi ela que mo disse um dia...
e eu acreditei e acredito,
e eu acreditei e acredito,
como sei que vai ficar mais só,
e vai limpar as gavetas...
dos jornais amontoadas,
que as notícias já são velhas...
...há tanto tempo que ela não vê parir um cabrito...
nem voltará a ver acontecer tal acto.
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