terça-feira, 14 de agosto de 2012

Não sei se amou ..se foi amada!


Está muito mais gorda que quando a conheci.
Casou, foi mãe e nos anos decorridos 
aprendeu decerto alguma coisa
pois da vida pouco ou nada sabia.
Guardava os animais no monte,
via-os nascer, crescer e à noite ao regressar a casa 
comia a sopa grossa que a mãe fazia 
mas que nunca lhe ensinou a fazer como devia.

"Não sei fazer isso, nem isto", 
disse-me um dia.
E ela não sabia fazer a cama, 
deitar sobre ela os lençóis brancos 
que nos afagam a pele no final de um dia de cansaço, 
e além disso, não sabia varrer, cozinhar, 
passar a ferro, limpar,
não sabia mais que pastorear o rebanho,
cavar a terra e semear.

Não sei se aprendeu mais do que aquilo que lhe ensinei, 
mas um dia casou,
foi mãe e o filho que pariu
cresceu,
tal como as cabritas que via nascer
cresciam sempre a seu lado.

Um dia mostrou-me a casa, a sua casa, 
e a cama bem feita como eu lhe ensinara.
Nos móveis além do essencial que não usava
pouco havia ou nada,  
mas nas gavetas guardava jornais,
muitos jornais como coisa rara,
para embrulhar a marmita,
quem sabe para ler um dia,
ou como simplesmente me disse
"para embrulhar alguma coisa que seja preciso, quem sabe"  

Morreu ontem, o marido.
Ficou doente, tinha um ferida e não sabia
e como a ferida era grave, 
cresceu, alastrou e morreu depressa.

Agora ela está viúva, 
mas não sei se esteve casada, 
como não sei,
se usou os jornais ou as coisas essenciais
que guardava nos móveis novos,
se amou e foi amada,
se algum dia desejou e se sentiu desejava.

Está triste e chorosa a coitada, 
aquele era o seu companheiro 
que sempre fez o que quis, 
se deitou na sua cama 
mesmo de lençóis mal esticados,
nem sempre brancos, lavados,
mas lhe deu o filho amado 
que agora será só dela.



Mas lembro-me muito bem 
que chorou e se lastimou muito mais 
no dia
em que lhe Deus lhe levou o pai, 
lho roubou da vida dela...
"foi ela que mo disse um dia...
e eu acreditei e acredito, 

como sei que vai ficar mais só, 
e vai limpar as gavetas...
dos jornais amontoadas,
que as notícias já são velhas...

...há tanto tempo que ela não vê parir um cabrito...
nem voltará a ver acontecer tal acto.

  


Sem comentários: