Filipe era gastroenterologista, uma
especialidade em desenvolvimento havia pouco tempo, desde o início de 1990, no
principal Hospital do Funchal, especialidade que tinha tirado num hospital em
Lisboa com muito sacrifício pois exigira dele várias vindas e idas ao
Continente.
Foi nessa altura que Sílvia desenvolveu dentro dela o medo infundado de perder o seu amor. Quando das
ausências absolutamente necessárias de Filipe ao Continente, quando este
preparava a sua especialização, ele entendia a sua angústia e tristeza e
tentava compensá-la por ter que a deixar, a ela e ao filho, esses períodos sem
ele, sem nunca imaginar que ela se transformaria com isso numa mulher tão
ciumenta e possessiva.
Mas na verdade a partir dessa altura Sílvia
apesar das várias virtudes que tinha, deixou aumentar dentro de si sentimentos
de posse excessivos e outros análogos que em nada a beneficiavam.
Se supusesse
que o marido tinha um caso com alguém, ninguém lhe demovia essa inquietação e
mania da cabeça. Inventava-lhe namoros com enfermeiras ou médicas colegas,
comparando a vida dele à vida passada num filme ou qualquer novela da TV, onde
houvesse um protagonista que sendo médico vivia de namoricos no hospital.
Sílvia tornava-se assim por vezes uma mulher
difícil, o que lhe dava instabilidade e inconstância emocional para orientar o
seu dia-a-dia com calma e serenidade. Se pudesse, teria o marido sempre junto
de si, sendo professor como ela, preso a ela como um animal de estimação, ou
uma jóia rara, mas sabia que isso não podia ser. De nada valiam os conselhos
que as amigas lhe davam quando ela se lamentava, pois até delas desconfiava por
lhe dizerem bem do marido.
Filipe gostava dela, e ao princípio até gostava de
ser tão adorado, mas ultimamente já lhe incomodava o seu excessivo zelo e as imensas
questões que ela lhe colocava.
Se o marido chegava mais cedo a casa, ela
desconfiava, mas se se atrasava desconfiava também. Se tinha algum serviço
extra não agendado, alguma urgência ou até uma substituição que fizesse para
ajudar um amigo tendo que pernoitar inesperadamente no hospital, Sílvia desorientava-se
igualmente e enchia-o de perguntas quando ele chegava a casa. Imaginava-o
constantemente envolvido com enfermeiras ou médicas bonitas que faziam com ele
tudo o que lhes estava vedado, por não passarem de colegas.
Aquela
relação era estranha, não pela falta de amor entre ambos, mas pelo amor em
excesso e doentio, pela falta de compreensão e desconfiança de Sílvia no
marido, ela que ia sofrendo em silêncio todas as situações mirabolantes que criava
na sua cabeça, como se fossem de facto verdades vividas por Filipe. Pensava
muitas vezes que acreditava e confiava nele, queria muito admitir isso, mas não
confiava nas mulheres que o rodeavam.
Ultimamente havia dias que Filipe chegava
tão cansado que fazia tudo para não dar muita importância ao que Sílvia lhe dizia,
para não se aborrecer. Precisava de descanso e sabia muito bem que a mulher o
amava, que tudo o que esta lhe dizia era pura imaginação, mas as suas conversas
sempre sobre o mesmo assunto enfadavam-no.
Amavam-se, mas muitas vezes amuavam e ficavam aborrecidos pelas dúvidas doentias e descabidas de Sílvia. Filipe não podia tratar da mulher como uma doente, não aprovava nem aceitava isso, mas ele sabia que ela era uma pessoa ansiosa, obcecada e compulsiva.
Amavam-se, mas muitas vezes amuavam e ficavam aborrecidos pelas dúvidas doentias e descabidas de Sílvia. Filipe não podia tratar da mulher como uma doente, não aprovava nem aceitava isso, mas ele sabia que ela era uma pessoa ansiosa, obcecada e compulsiva.
Sílvia ainda não se apercebera que sem dar conta estava gradualmente a afastar dela o homem a quem tanto queria. Mas pouco havia a fazer, pois eram as suas vidas e Sílvia parecia cega.
Sílvia vivia tão enciumada, que ao ver Marta naquela
tarde tão jovem e viúva mas tão segura de si e com uma filha crescida para a
sua idade, não conseguiu evitar que sobrevoasse pela sua mente um rasto de
inveja pela sua postura e atitude firmes, surgindo-lhe a ideia que o melhor
seria o marido nunca mais a encontrar, como se isso fosse possível acontecer daí
para a frente numa ilha como aquela.
Afinal nunca se tinham encontrado até àquele
dia, mas a partir daí como os filhos eram colegas e amigos, não seria difícil
isso voltar a suceder nalgum encontro casual e isso assustava Sílvia, fazendo-a
tremer.
Ela iria fazer tudo para o filho não brincar de coisa alguma com Joana,
muito menos pensar em a namorar mesmo que só de brincadeira, para evitar que
Filipe um dia encontrasse aquela jovem viúva e bonita que lhe pareceu tão elegante, de quem ela não
tinha nada a apontar senão o facto de ser desimpedida, pois ainda se poderia
atirar um dia nos braços do marido.
"Um excerto do romance que ando a escrever:) Ainda sem revisão!"
Inês Maomé
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