segunda-feira, 29 de março de 2010

A universidade

Havia algum tempo que a avó Teresa estava a viver numa casa alugada, na mesma rua de Isabel.
 Eram sem conta, o numero de vezes que Isabel continuava a visitar a avó mexendo e remexendo em tudo, sem receio de ser chamada de atrevida. Apesar de mais crescida Isabel continuava com o hábito de visitar a avó, mexendo e conversando á vontade com a bisavó Júlia. No quarto do Nélito continuava a abundância de materiais diversos, além de livros, de não muito rico conteúdo, Isabel encontrava coisas como um curso completo de inglês, ou uma enciclopédia sobre qualquer assunto sem grande interesse. O Nélito queria, e a avó e o avô Orlando compravam, pois não queriam que nada faltasse a este filho mais novo. Aos poucos enquanto tirava um curso técnico, ia enchendo o quarto de tralha, que não deve ter usado para nada.

A avó Teresa era um doce, e sempre que era vontade do Nélito, preparava lanches divinos onde não faltava o essencial para  abrir o apetite e servir os amigos do filho, muitas vezes convidados em cima da hora. Na mesa não faltavam nunca os bolos ,queijo, enchidos, sumos e um bom vinho. Muitas vezes alguns salgados e porque não, um bom naco de carne ou frango assados no forno, preparados pelas gloriosas mãos da avó Júlia, que apesar da idade ainda cozinhava alguns pratos.

Sentados á mesa, os amigos do Nélito, a maioria do grupo amador de teatro da aldeia( que o Nélito era um actor),deliciavam os olhos e depois a barriga com a abundância de comida gostosa que lhes era oferecida. Também Pedro, que como o Nélito era um elemento muito activo e colaborador do grupo, por vezes estava neste grupo.

Isabel , quando o pai dava autorização, costumava ir com a avó Teresa ver as peças de teatro, apresentadas pelo grupo em que o tio participava, e muitas vezes ao ver a actuação de Pedro, ficava impressionada. Gostava das suas interpretações e da forma se movimentava no palco. Atraía-a a forma como as  suas mãos falavam…

Não sabia muito bem quem era. Parecia-lhe novo demais. De vez em quando via-o a caminho do liceu, com colegas. Não o conhecia da aldeia e tirando o dia em que dançou com ele no baile de finalistas, nunca mais lhe falara. De vez em quando via-o na missa, mas o interesse de Isabel  estava virado para aquele, que nunca lhe dirigia palavra e se comportava com ela, como se ela não existisse. Coisas da juventude…

Isabel tinha feito exame de acesso á universidade a duas faculdades e por opção do pai, dera entrada naquela que ele achara mais de acordo com a sua condição de mulher. Ia estudar na área de saúde.

Em cada ano Isabel sentia-se mais segura de si em relação á forma como se tinha que preparar para os exames, mas em relação á sua conduta social, Isabel continuava cada vez mais receosa, com medos de tudo e todos. Grupos de pessoas agitadas, discussões, e outras situações fora do habitual, que pudessem parecer estranhas, assustavam-na.

Enquanto estudante, foi crescendo nela uma ansiedade e medos, muitas vezes difíceis de controlar, que lhe transformavam os dias num inferno. Por vezes pensava que estava doente, quem sabe do coração, pois as crises de taquicardia que fazia, chegavam a não a deixar respirar. De casa para a faculdade e desta para casa, tudo o que saísse desta rotina custava-lhe a suportar. Estava a ficar assombrada com o que poderia ser o seu futuro.

Suportava mal, emoções fortes ou fora do comum e para fugir a elas vivia mal informada. Não lia nem queria saber de noticias, as permitidas na altura pois com a censura, pouco se sabia de anormal nos jornais e revistas permitidos. Dos movimentos estudantis e das revoltas contra a politica e governos da altura, ainda menos sabia. Estudantes eram presos, a policia fazia rusgas diversas, falava-se em surdina muita coisa que ela para se proteger na sua fragilidade emocional, fazia de conta não existirem. Perdeu da história momentos que poderiam ter marcado positivamente, no sentido de conhecimento histórico, muito mais a sua vida para sempre. Por medo e estupidez manteve-se a leste de todos os problemas que na altura afligiam o país, e que tinham como ponto fulcral a guerra nas colónias do Ultramar. Cumpria as suas tarefas como estudante, respeitando as normas impostas e o resto logo se viria.

Em casa continuava a tentar evitar a violência doméstica, (aconselhando a mãe a manter-se em silêncio quando o pai discutia, por exemplo) então mais verbal, desde que ela e o João estavam mais crescidos.

Nas viagens de comboio para as aulas, que por ordem expressa do pai, tinham que ser feitas em primeira classe, pois António entendia que aí Isabel viajaria mais segura, não poucas vezes ela passou momentos de desespero. Os rapazes passeavam-se, enquanto o comboio não arrancava, de trás para diante e vice versa, mandando bocas ás garotas que estavam já nos seus lugares, muitas vezes desagradáveis. Isabel toda estremecia quando algum mais atrevido passava por dentro do comboio e mais de perto entendia com ela. Ainda guardava na memória as cenas de exibicionismo de que fora vitima na infância.

Por vezes ainda que numa postura pacata, via Pedro igualmente fazendo este percurso…

Na faculdade ia conhecendo vários amigos, e um deles, muito insistente tentou por várias vezes manter um namoro com Isabel. Passearam algumas vezes e tomaram juntos alguns lanches. Foi nesta altura que infringindo as normas de casa, dizendo que tinha que preparar uns trabalhos com uma colega na cidade, Isabel conseguiu ir a uma festa á noite na cidade. Essa noite esperava ela, seria a mais divertida de sempre.

Presente nessa festa, estava o jovem que Isabel teimava em manter prisioneiro na sua mente, mas mais uma vez ele dançou toda a noite sem nunca se ter abeirado dela. Dizia na altura, a irmã dele a Isabel, que ele se mantinha afastado porque mais uma vez tinha chumbado no exame de acesso á faculdade de Direito. Isabel não entendia esse silêncio e cada vez mais, se distanciava daquele jovem, por quem tantas vezes suspirou, mas que parecia não ter personalidade.

Nesse baile dançou muito, e com muita gente jovem como ela, mas dançou muito mais com aquele jovem louro, jogador de futebol que muito a queria para namorar. Ela desconfiava e achava estranho aquela simpatia. Achava-se normal, quase feia, e não entendia porquê ela, se havia tanta rapariga a pretende-lo. Mas influenciada pelas amigas foi-se deixando andar e sempre que ele a ia buscar á porta da faculdade, as colegas no dia seguinte queriam saber novidades, ainda que nada tivesse para contar.

Passeavam de mãos dadas, e o João que por vezes os via passar, dizia á irmã o pior que podia daquele rapaz. Nada tinha acontecido nunca, que pudesse dar ideia a Isabel, que ele seria mau rapaz , mas o João até parecia ter ciumes da irmã. Jogar futebol não era crime…., mas para contrariar e aborrecer o irmão, Isabel deixava-se andar….

Um dia sem ela contar ele beijou-a. Um beijo longo e muito diferente. Ela estava sufocada, atordoada, de uma forma que ela desconhecia e nem estava a contar, ela não gostou nada. Sentiu-lhe o cheiro e o toque da boca e não gostou. Isabel sentiu-se enojada. Pediu-lhe por tudo para não voltar a fazer aquilo. Aquele beijo que a invadiu completamente sem ela contar, incomodou-a de tal forma que ela teve a certeza que aquela não era a pessoa que ela desejava. Se fosse não deveria sentir tudo aquilo.

Continuaram a ver-se, mas cada vez menos . Isabel inventava desculpas e nunca estava disponível, tinha sempre que estudar. Aquilo nunca fora um namoro, mas Isabel sabia que tinha perdido um amigo , pois como tal, era muito bom passarem tardes a conversar, mas só isso. Gradualmente um novo amor surgiu na vida dele, alguém que ele podia beijar, abraçar as vezes que lhe apetecesse, sem ser empurrado e maltratado.

Isabel não estava preparada para viver aqueles namoros, aquelas emoções, que podiam ou não ter futuro. Precisava de sentir no seu coração uma calma e tranquilidades tão grandes, que quando estivesse perto do namorado sentisse vontade do dia nunca mais chegar ao fim.

Sem festas, nem bailes, ou outros convívios, Isabel vivia par o seu estudo e nada mais. De vez em quando diziam-lhe que era bonita, como quando de visita a casa da namorada do João, que era do Norte, para fazer com ela e família a passagem de ano, pois o irmão por motivos de estudo não podia estar presente, muitos amigos da família diziam “a irmã do João, teu namorado, é bonita”. Isabel ria-se a achava que era gentileza.

De vez em quando, uma jovem da aldeia, recentemente entrada na universidade, falava com Isabel acerca de Pedro. Queria muito saber coisas dele. Dizia-se apaixonada. Um dia contou-lhe que tinha uma foto de Isabel e dele, a dançarem no baile de finalistas dele. Isabel quis muito ver essa foto e não descansou enquanto a foto não passou para as suas mãos. Quanto mais ela lhe dizia que gostava dele, mais Isabel se interessava em saber coisas sobre o Pedro. Em casa olhava a fotografia, e interrogava-se.

“Seria possível”?

“Mal se falavam”,era o que pensava Isabel não esquecendo as suas mãos que no teatro quando representava, sempre a perturbavam.

Nunca mais daria a foto á amiga e logo que houvesse uma peça nova de teatro, tinha que pedir ao pai para ir com a avó Teresa…

Lembra-se de uma vez num baile que foi com a mãe, feito para homenagear um jovem soldado vindo do Ultramar, ver o Pedro a dançar muito agarradinho a uma moça, e se na altura isso não a tinha perturbado, agora ao pensar nisso, não gostava de se lembrar.

Politicamente e socialmente tudo estava a mudar na aldeia e no país. Isabel também….

sábado, 27 de março de 2010

O baile de finalistas

Durante cinco anos Isabel frequentou o liceu misto, completando assim o sétimo ano de escolaridade, último ano do ensino liceal na altura. Os dois primeiros anos tinha-os feito no liceu feminino, e o pai cumpriu a promessa. Como nunca chumbou depois de completar todo o liceu, iria para a universidade.


Já há muito a ideia de ser costureira de profissão estava abandonada, e o curso de professora primária também, visto que para este curso os jovens ao quinto ano liceal passavam para o ensino do magistério primário, onde ao fim de três anos e um estágio feito numa escola primária, estavam aptos a ensinar das primeiras letras, a matemática, geografia a história de Portugal, e depois ser colocado a ensinar num local atribuído segundo algumas regras, e este pequeno pormenor fazia toda a diferença.

Isabel não se importaria de ter tirado este curso, mas de facto era complicado imaginar que Isabel no final teria de trabalhar sabe-se em que zona do país. Normalmente as mães acompanhavam as filhas quando estas, para dar aulas no local para o qual eram destacadas pelo Ministério da Educação, tinham que ir viver para aldeias ou cidades longe das suas casa. António não imaginava Graça a sair de casa e acompanhar Isabel fosse para onde fosse. Isabel sempre soubera que nunca viria a ser professora primária porque o pai nunca a deixaria abandonar a aldeia sozinha.

No final do sétimo ano, também Isabel teria o seu baile de finalista.

Estes bailes eram um marco na vida dos estudantes, que nesta altura ou abandonavam o ensino e começavam a trabalhar, ou porque uma etapa de novos estudos específicos se aproximava.
Os bailes, feitos no ginásio do liceu, tinham vários apoios, e eram muito bem frequentados. Professores, alunos já na universidade ou outros estabelecimentos de ensino, e familiares, ocupavam lugares de destaque em mesas especialmente adornadas para a ocasião. O baile era feito por um conjunto musical em voga, que toda a noite tocava musicas actuais capazes de manter em perfeita animação todo o baile.
As alunas, principalmente as finalistas vestiam muito bem. Cada uma tentava inovar e levar o vestido comprido mais bonito da noite. Era muito natural o uso do vestido comprido nas raparigas, assim como o fato com gravata para os rapazes, que assim vestidos nesse dia tinham um aspecto mais adulto e muito mais interessante.

Isabel que nunca ousara pedir ao pai, para ir a nenhum baile desses, sonhava á muito com o seu. Com certeza que nesse baile estariam os jovens por quem nutria alguma simpatia, especialmente aquele de quem já tinha desistido, mas a quem gostava de mostrar que estava bem e feliz, dançando com outros colegas.
Mas todas as festas tinham  custos. Isabel sabia muito bem que para si, vestido comprido nem pensar. O João nesta altura já frequentava a universidade e há algum tempo que frequentava diversos bailes, era até um grande bailarino. Para o seu baile de finalistas, no liceu masculino, os pais tinham-lhe comprado um fato azul escuro, e caso ele acompanhasse Isabel, já tinha roupa. Mas Isabel nem sequer sabia como começar o pedido para ir ao bailo quanto mais pensar na roupa que gostaria de vestir.

O pai andava adoentado com gripe, e nesse dia já estava deitado, era sexta feira e o baile seria no dia seguinte. Isabel foi ao quarto do pai, e disse-lhe que no dia seguinte seria o seu baile de finalistas. Gostaria muito de ir, foi só o que disse ao pai. A mãe disse logo que não era fácil pois com o pai doente não tinha quem a levasse e trouxesse, além disso não tinha roupa.

António deve ter visto a ansiedade e vontade de ir a esse baile nos olhos de Isabel. Muito discreta e conformada, guardou para o ultimo dia falar deste assunto, pois imaginou que o pai não a deixaria sair á noite para a cidade. De facto sem esperar, Isabel ouviu o pai dizer que SIM, ela podia ir ao seu baile, mas tinha que se sujeitar a certas condições, visto que ele na cama não podia ir com ela.

De manhã a mãe iria falar ao senhor que tinha um táxi lá na aldeia e ele seria incumbido de levar e depois ir buscar ao liceu a Isabel e o João que acompanharia a irmã.
Todas estas condições, ao mesmo tempo que alegravam Isabel também a inquietavam. Não tinha vestido, o que era mau, ia com o irmão, o que era bom, mas com o horário estipulado pelo pai, a noite ia ser muito curta, o que não era muito estimulante. Teria que abandonar a festa quando ela estivesse no apogeu, mas em relação a isto não podia fazer nada. Á uma da manhã o taxista estaria na rua á espera para trazer de volta Isabel e o irmão.

E o vestido, que iria vestir Isabel?

Se pudesse usar um vestido comprido ela nem imaginava, mas seria uma das mais bonitas da festa. Pensando sempre o contrário, Isabel estava uma rapariga muito bonita e delicada.
O pai ordenara á Graça para de manhã dar algum dinheiro a Isabel ir comprar algo para vestir, e o melhor era ser algo que ficasse para usar futuramente. Os sapatos engraxados fariam muito boa figura.
De manhã bem cedo Isabel foi de comboio para a cidade.
Normalmente não comprava roupas no pronto a vestir. Tinha aprendido a tirar moldes da Burda com a sua amiga retornada, e com a mãe faziam calças, blusas, saias, alguns vestidos , mas tudo muito simples e farto de ser usado para levar ao baile.

Como não conhecia muitas casas de pronto a vestir, andou numa roda viva de loja em loja. Nada, ou era tudo muito caro ou então não era de acordo com o seu gosto e com a ocasião. Fartou-se de vestir e despir roupas, algumas em que deixou preso o seu coração pela graciosidade e elegância, outras que lhe ficavam mesmo mal. Teve momentos que se sentiu muito bonita, mas tinha de desistir porque o custo não era acessível. Era a primeira vez que tinha de decidir, algo do género mas estava disposta a não desistir. Nesse dia estava decidida a não desistir. Numa casa em que entrou, que vendia essencialmente  malhas, viu um conjunto saia e camisola que resolveu experimentar. A saia de malha simples fina e fofa, curta o suficiente, porque se usava a mini saia, ficava-lhe muito bem. Por cima a camisola canelada igualmente fofa e delicada, contornavam o corpo de Isabel tornando-lhe as formas elegantes mais evidentes. Aquele azul ficava-lhe muito bem, e a carreira de botões pequeninos de alto a baixo na camisola á frente ajudaram na decisão final.

Claro que Isabel não foi ao cabeleireiro fazer nenhum apanhado no cabelo como muitas faziam, lavou e secou o cabelo em casa, preparou-se o melhor que pode, e com mais um outro pormenor, que de vez em quando sem os pais notarem já usava um pouco de maquilhagem que ia comprando com uns escudos que juntava. Um pouco de sombra e rímel nos olhos e um pouco de cor no rosto transformaram o seu olhar e deixaram-na mais bonita.

Á hora combinada lá estava o táxi á porta e Isabel e o João foram levados ao baile.

Para o João nada daquilo era novidade, mas para Isabel tudo aquilo era novo lindo, maravilhoso. A sala, o palco, as mesas, o conjunto, as pessoas.

O João tinha uma mesa reservada junto com colegas da universidade. Ela foi-lhes apresentada e sentiu-se bem ali. Com o seu fato azul sentiu-se confortável o suficiente, apesar de algumas colegas parecerem ter saído de alguma capa de revista. Claro que não dançou com quem gostaria, mas divertiu-se, ainda que quando o ambiente estava a aquecer, teve que sair pois o táxi estava á espera. Como ela gostaria de ter ficado. Tinha chegado muito depressa ao fim aquele sonho.

Dessa noite ficaram as fotos e a vontade enorme de voltar sempre àqueles bailes. No táxi a caminho de casa nos cheios olhos triste por ter deixado a festa a meio, nascia a vontade enorme de repetir.

Na verdade no ano seguinte já aluna da universidade voltou ao baile de finalistas no seu antigo liceu. Foi com o irmão que já conduzia. O vestido era outro, cinzento, mais curto ainda, bastante cintado, deixava-a mais bonita.
Foi a primeira vez que sem saber porquê aquele rapaz de braço partido, pendurado ao peito, se dirigiu a ela e a convidou para dançar.

Era o Pedro!

Aquele era o baile de finalista do Pedro, que ela já tinha visto no teatro da aldeia, uma vez que tinha saído com a avó Teresa para ver o Nélito a representar.
O futuro reservava-lhe muitas surpresas!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Um amigo

O liceu que Isabel agora frequentava era muito diferente.
 Depois de ter estado fechada em casa doente e de ter frequentado de seguida, um ano escolar no liceu feminino, onde a maioria das colegas tinham passado de ano estando mais adiantadas, Isabel sentiu que tinha crescido, estava mais segura. Já sabia estudar. As situações complicadas que antes a assustavam de morte, passou a enfrentá-las mesmo que a tremer de medo.

No novo liceu, com novos colegas e mais senhora de si, sentia-se mais forte. Tinha passado o tempo dos almoços ridículos e diminutos que a faziam passar fome, sem ela, feito parva, nunca reclamar em casa. Agora ou almoçava na cantina, ou num pequeno, muito humilde e familiar, onde muitos jovens do liceu almoçavam, ou então quando o horário, almoçava em casa.

Nesta altura preocupava-se em fazer uma alimentação correcta, pois como tinha engordado durante o tratamento da doença pulmonar, queria ficar elegante como todas as moças que via no liceu que pareciam estrelas de cinema, pelo menos aos seus olhos. Assim estavam postos de lado, os pasteis de carne, as bolas de berlim, os mil folhas e os jesuítas, que sempre adorou, assim como tudo, que a pudesse engordar.

Estudava como sabia, sozinha, sem nunca procurar algum apoio em casa. Com as colegas por vezes tirava duvidas, mas só isso, e gradualmente ia superando todos os obstaculos.

Em casa procurava não apresentar problemas e se por vezes nas aulas alguma coisa não corria bem, tentava colmatar essa falha logo que lhe fosse possível. Assumia a resolução de todos os problemas. Pedia em casa absolutamente o indispensável, pois a maioria das vezes nunca tinha consentimento para participar em coisa nenhuma. Sempre que podia e que uma ou outra actividade ocorria durante o período das aulas, participava e nem comentava nada em casa. Em várias festas escolares em que participou esteve sozinha, mas ou isso ou nada, era o que imaginava.

Fez todos os exames que foi necessário fazer, sem qualquer apoio. Claro que não conseguiu médias excelentes, mas o suficiente para não se envergonhar. Estudava, fazia os exames e quando a nota saía comunicava em casa o resultado. A luta maior teve-a com o inglês, por vergonha e também por palermice, mas o exame final, feito sem ajuda, concluí-o com 13 valores o que a deixou feliz. Enquanto isso, António acompanhava o João para todo o lado,  durante o ano lectivo, á entrada e saída dos exames. Isabel em relação a isto sentia-se livre. Estava a viver a sua vida estudantil sozinha desde pequena, á excepção das explicações de admissão ao liceu. Detestava que o pai andasse atrás dela o tempo todo. Mas como era rapariga, a preocupação de tirar um curso era muito menor. Ao homem competia o governo da casa, era sempre o que o pai de Isabel dizia, mas para ela mais tarde não reclamar deixava-a andar, enquanto não repetisse de ano. Era assim que pensava e dizia:
-"estudas enquanto não reprovares, que não quero  que me acuses de dar ao teu irmão e não a ti"

Muitas vezes sonhava fazer os passeios, excursões ou visitas de estudo que eram propostas nas aulas pelos professores, mas tentava sempre alegar que não era fácil ir, por viver fora da cidade, ou porque era muito caro, ou dando outra desculpa conforme a situação. Era impensável imaginar que o pai a deixaria ir de autocarro fosse para onde fosse, com rapazes á mistura, quanto mais, de um dia para outro, como acontecia nos passeios de final de ano lectivo.
Ficou-lhe para sempre na memoria, a excursão ás grutas de Santo António, que por invasão tempestuosa da avó na cozinha por causa do uso de calças, Isabel tinha conseguido participar.

Não arriscava pedir para sair, porque isso resultava sempre em discussão familiar o que a incomodava muito, tirando-lhe o sono e a atenção para as aulas no dia seguinte. Além disso tinha o seu orgulho e não gostava de implorar. Estava cansada disso.

Dos amigos que tinha, alguns eram especiais. Um deles, que até tinha namorada conversava muito com Isabel. Várias  vezes já a tinha convidado para ir almoçar em sua casa. Um dia ela aceitou.

Ele vivia na cidade, num andar. Em casa o almoço foi preparado pela avó do amigo. Alheiras com batata frita e arroz branco, e uma salada de tomate. Isabel nunca tinha comido alheiras nem sabia o que era isso. Comeu e gostou bastante. A senhora, tratou-a com muita delicadeza e não a deixou sair sem que comesse uma banana. Isabel gostou muito deste almoço, por tudo o que ele envolveu. A intimidade e carinho que sentiu naquela casa fez-lhe sentir que era um bocadinho importante para alguém, e isso era muito bom e fazia-a sentir gente.

Pelo caminho de regresso ao liceu, Isabel perguntou ao amigo pelos pais e irmãos. Irmãos não tinha, e os pais estavam divorciados. Como os pais não se entendiam, porque o pai era namoradeiro apesar de casado, e a mãe não aceitava isso, depois de muitas discussões, o pai saiu de casa. A mãe trabalhava numa loja de produtos de decoração e fazia tudo para que não faltasse nada ao filho, mas sofria pelas traições do marido.

Aquele amigo sofria porque gostava muito do pai e pelas suas atitudes e comportamento em relação á mãe, tinha que estar separado dele. Ele entendia a mãe, mas faltava-lhe o pai. Por mais camisolas e outras roupas, discos, mesadas, que a mãe e o pai lhe dessem, ele não era feliz. O que ele queria era vê-los juntos. Confidenciava tudo isso a Isabel, que por esse motivo, nesses dias, se sentia muito importante e feliz. Alguém confiava, acreditava e precisava dela. Por momentos Isabel, não só entendia muito bem aquele amigo, como  agradecia as confidencias, verificando que não era só na sua casa que existiam problemas.

Com esse amigo, ela passeava na baixa da cidade percorrendo lojas e mais lojas, fazendo com ele compras para as quais muitas vezes ele lhe pedia opinião. A namorada dele chegou a ter ciúmes daquela amizade, mas sem motivo.Para Isabel era para sempre um grande amigo, e só.

Isabel não estava mais sozinha mas faltavam-lhe os convívios e as festas com jovens da sua idade. Os passeios as gargalhadas, um pouco de diversão. Cada vez se sentia mais prisioneira da rigidez com que era educada. Não ia guardar para o seu futuro histórias de coisa nenhuma. Só a frustração de nunca se poder divertir com amigos.

Todos os anos no liceu havia um baile finalistas. Isabel nunca pediu para ir, mas vivia ansiosa para saber se quando chegasse a altura do seu baile o pai iria dizer NÃO. Depois se viria.

Entretanto Isabel aproveitava cada momento no liceu, especialmente quando atentamente ouvia os relatos das colegas no regresso de um qualquer passeio ou visita de estudo. Em sonhos imaginava que devia ser muito divertido todos juntos…, mas eram só sonhos.

Aquela amizade de Isabel continuou para sempre. Um dia cada um seguiu o seu caminho, mas o que viveram e aprenderam juntos ficou, o valor da amizade. Isabel tinha um amigo que confiava nela e em quem ela confiava.

Pela quantidade de discos que adquiriu na juventude o primeiro trabalho do amigo de Isabel, foi na rádio. E por lá ficou. Casou com a namorada e teve filhos. E desgostos também. Mas esta seria uma outra longa história.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Outros amores

Isabel era como todas, uma rapariga sonhadora.
Apesar de sair muito pouco de casa, com as amigas do liceu ia falando de namoricos . Algumas bem cedo, preparavam enxoval e namoravam para casar. Isso não lhe interessava, mas gostaria muito de sentir que alguém se interessava por ela. Todas as cartas que jovens lhe foram escrevendo, foi-lhe dito mais tarde pela mãe, que foram retidas pois os pais entendiam, que se ela andava a estudar não podia pensar em rapazes. Isabel durante toda a sua juventude imaginou, que ninguém nunca gostou dela, o que a deixava triste.

A certa altura no liceu conheceu um jovem com quem simpatizou bastante. O colega era calado, sempre de casaco azul escuro e calça de vinco, passava o tempo com os livros debaixo do braço, sem dar importância a nada em especial. Dizem que por amor a ele, uma colega se tinha morto em casa de forma estranha. Isso não! Ela nem queria pensar tal coisa!
 Imaginar que um dia poderia sair e passear com ele de mãos dadas, era uma coisa que Isabel sonhava, e lhe dava prazer imaginar, ainda que soubesse impossível de acontecer.

Ele não lhe ligava grande importância, mas mesmo assim durante muito tempo ela fez de conta que isso era mentira. Na verdade ela nunca soube nada sobre os sentimentos dele,nem para com ela nem para com ninguém. Ele não tinha namorada e de vez em quando aconteciam coisas que a faziam pensar. Ele aparecia nos bailes particulares feitos pelo João, olhava-a de uma forma diferente, dançava toda a tarde, mas nunca com Isabel. Depois as avós de ambos conversavam muito e Teresa muitas vezes dizia a Isabel o quanto esse neto da amiga, gostava dela.
"- ó avó ele gosta de mim como, se nunca me diz nada?"
Um dia os dois conversaram e ele convidou Isabel a ir ao cinema. Ela respondeu logo que sim. Seria nesse dia que ele lhe diria algo. O pior era conseguir cumprir o combinado.
Isabel tinha de convencer o pai, que não havia mal nenhum em ir ao cinema com um amigo numa tarde de domingo.
As experiências  anteriores que tinha de ir ao cinema eram péssimas.
Por duas ou três vezes, tinha-se dado tão mal que jurara não voltar. Desde que as amigas da aldeia a tinham deixado sem bilhete na entrada do Tivoli, que nunca mais tinha ido ao cinema. Mas agora tudo seria diferente, era o que pensava, ao pensar que ia com ele... E assim Isabel empenhou-se em conseguir autorização do pai para sair nesse domingo.

Não foi fácil convencer pai e mãe, que não havia nada demais, nessa ida ao cinema. Isabel era uma jovem bem comportada nunca saía a lado nenhum e nunca dera provas de se comportar mal. Era disciplinada, passava todos os anos, não exigia nada, nunca fazia coisas consideradas mal feitas, e o rapaz até parecia pertencer a famílias sérias. Não havia de facto  nada além da permissão dos pais, que a mãe de Isabel nessas situações por vezes ainda era pior que o pai, talvez por viver sempre metida em casa, que impedisse Isabel de ir ao cinema.

Era tão comum os jovens irem ao cinema ao domingo á tarde, que essa proibição parecia a Isabel um crime que faziam com ela.
Mas depois de muito argumentar, chegaram a um acordo. O pai de Isabel iria levá-la á entrada do cinema, e no final estaria lá para a trazer de volta para casa.
Isabel achou isso terrível mas não tinha opção, ou assim ou nada de cinema. Com alguma dificuldade disse ao colega que estaria na entrada do cinema a tempo de comprarem os bilhetes.

Estavam postas de parte as hipóteses de um passeio, antes ou depois do cinema, ou um lanche num café qualquer da cidade. O pai conseguia sempre limitar os seus movimentos ao mínimo, e assim ela já não sabia se o melhor era ir ou não ir ao cinema. Sentia sempre que estava vigiadíssima, como se passasse o tempo a fazer coisas maquiavélicas. Aliás o pai dizia-lhe sempre que mal se distraísse ao voltar da esquina lá poderia estar ele…., como se fosse um lobo ou um papão. Afirmava isto, vezes sem conta, para ela e para o João, como se fosse um super homem, policia controlador, um adivinho, de todas as situações.

O moço era de poucas palavras, e não deve ter achado piada nenhuma á forma daquele encontro. No domingo á hora combinada o pai deixou Isabel na entrada do cinema. Ele estava com as mãos nos bolsos do casaco e assim permaneceu. Isabel saiu do carro e o pai pôs-se logo a andar. Compraram cada um o seu bilhete e entraram na sala do cinema Tivoli.

Sentados um ao lado do outro, durante toda a sessão não trocaram uma palavra. Isabel colocava as mãos nos braços do seu assento, mas em altura nenhuma, sequer um dedo dele abordou sua mão. Manteve-se sempre com uma das mãos no bolso das calças e a outra a servir de apoio ao queixo. Isabel nem se lembra da história, nem dos actores, nem se a sala estava cheia ou vazia. Tinha sido convidada para ir ao cinema e nem um gesto ou palavra do seu companheiro?

No intervalo não quis sair. E para quê ? Apenas aumentaria o constrangimento de ambos. Era mais que evidente que ele nunca mais a iria convidar, mas Isabel também pensava que se gostasse dela, ele diria ou faria, qualquer coisa naquele tempo que estavam juntos. Estava triste e furiosa . Assim nunca mais queria ir ao cinema, nem a lado nenhum com ninguém. Se ele preferisse podiam ter ficado a conversar até o pai chegar e nem sequer terem entrado no cinema. Tudo teria sido possivel se conversado.
Na imaginação de Isabel podiam ter feito tudo menos ficar calados, como se não existissem, como se não fosse real estarem os dois ali.
A segunda parte do filme passou-se da mesma forma. Em silêncio, sem uma observação, um toque , fosse o que fosse.
Sem estarem presentes, os pais de Isabel estiveram ali o tempo todo entre ambos.

Á saída nem houve tempo para despedidas. O pai já aguardava dentro do carro. Um até depois, bastou.

Já dentro do carro em movimento, Isabel olhou para trás e viu que o colega estava de pé, sem ter arredado do  mesmo sitio, com as mãos nos bolsos a olhar, tal e qual como quando chegou.

Nunca percebeu porque não disse ele nada! Ou não quis perceber!
Ele era estranho e não gostava dela, ou não teria tido coragem?

Então para que queria ela um jovem sem coragem?
De qualquer forma não foi desta vez que Isabel gostou da sua ida ao cinema. Estava desapontada e sentia-se rejeitada por aquele jovem, que até aí ela apreciava.

Isabel ia tirá-lo da cabeça. Ela merecia mais que uma tarde de silêncio e dezenas de  minutos de cobardia.

terça-feira, 23 de março de 2010

Os amores de Isabel

Por volta dos doze anos Isabel apaixonou-se pela primeira vez.
Desde que visitou, por um motivo qualquer, a casa de uns jovens recém-casados, ficou fascinada pela maneira terna e doce com que o marido tratava a esposa. Além do carinho agradava-lhe o tom de voz e a forma doce e delicada, com que se dirigia a ela. Todos esses gestos ficaram gravados na sua memória e a partir daí imaginava para si, alguém que a tratasse com aquele carinho e atenção.

Na escola não teve contacto com rapazes. Além do João e do Nélito, só conhecia o Nuninho , que ela achava muito mimado e maniento para o gosto dela, além de que esse só tinha olhos para as primas da cidade. Mais tarde no liceu misto, conheceu muitos rapazes, alguns mais interessantes que outros, mas achava-os todos iguais. Isabel apreciava um determinado tipo de jovem, isso era um ponto assente. Tinha que ser alto e magro, moreno, simpático e no mínimo um pouco inteligente. Não gostava de jovens grosseiros e folgazões. Tinha que ter as mãos com dedos finos e sempre limpas. Isabel estava no entanto convencida que ninguém a olhava. Sentia-se sempre rejeitada por toda a gente. Ninguém gostava dela. O pai dizia-lhe muitas vezes que quando andava, levava uma perna por cada lado da aldeia, tinha as pernas tortas, e o pai sempre que a acompanhava para o comboio fazia questão de referir esse assunto.

Mas um ano na praia conheceu um moço um pouco mais velho que ela que a encantou. Tudo nele era interessante. Já com barba, aquele rapaz tinha uma voz suave, falava com um balancear, que Isabel poderia estar a ouvi-lo toda a vida sem enjoar. Contava coisas do estudo, da sua vila, do trabalho, dos pais e dos irmãos. Cinco irmãos no total, três rapazes e duas raparigas. Todos calmos e tranquilos, sendo a irmã mais velha um pouco arrebitada, Isabel fez contudo amizade com ela e durante o ano trocavam noticias por carta. Ela e umas outras miudas mais audazes, eram o centro de todas as atenções masculinas. Isabel mantinha-se no grupo como ouvinte.

Isabel via-o falar, enterrando  e erguendo consecutivamente os dedos na areia, deixando cair entre eles a areia, como se fosse uma peneira. Fazia isto repetidas vezes e Isabel seguia-o sempre com o olhar. Queria tanto que aquele moço olhasse para ela, como de grãos de areia ela via de cada vez cair dos seus dedos. Os seus olhos seguiam as suas mãos, muito mais  atentos, que os seus ouvidos o que dizia.

Era moreno, de cabelo aos caracóis, usava calças claras e sempre uma camisa clara de manga curta. Os olhos muito negros com umas enormes pestanas faziam dele, aos olhos de Isabel, o jovem mais bonito que já vira.
Como era mais nova, raramente falavam. Isabel sabia que ele nem a olhava, e com a Graça a passar o tempo a dizer que Isabel só gostava de bonecas, nem sequer era possível o rapaz reparar nela. Além disso no grupo haviam moças da idade dele, e á noite ao contrário de Isabel, saíam todos a passear e a fazer sabe-se lá o quê. Isabel imaginava-o a passear de mãos dadas com alguma delas e a segredar-lhe coisas ao ouvido. Á tarde na praia riam-se sempre tanto e estavam sempre tão animados que tudo parecia ter a ver com os passeios nocturnos.

Ela não sabia bem porquê, mas essas coisas faziam doer-lhe o coração.

De vez em quando sonhava acordada, e via-se a  passear com ele de mãos dadas, e quando as coisas em casa corriam mal, imaginava-se a viver num casebre, num monte bem longe de tudo e todos, a  tê-lo como seu guardião. Seria com certeza bem mais feliz.
Manteve este amor secreto muito tempo, o suficiente para durante o periodo de aulas, quando regressava do liceu para o comboio, imaginar que ele estaria á sua espera, num sitio qualquer e a acompanharia á estação. Por vezes deixava escapar nas cartas que escrevia á irmã, perguntas para saber do seu paradeiro. Amores de praia…, que Isabel construia na sua mente á imagem das telenovelas que por vezes ainda lia na casa da Zézita.

Os anos foram passando e só na praia é que o via. Ele nunca surpreendeu Isabel em local algum, só na sua imaginação fértil é que o via. Isabel era uma miúda sonhadora, mas este sonho acabou, ainada que ela nunca o tivesse esquecido. Foi á sua imagem que criou o prototipo de homem que considerava ideal para si.

Mas um dia colocou um outro amor no seu lugar.

Por vezes no liceu mandavam-lhe papelinhos, ou recados, mas ela não ligava. Nunca eram de ninguém que gostasse muito ou então nem os entendia. Furtava-se sempre a possiveis encontros que á partida lhe eram propostos por colegas que não lhe interessavam.

Nessa altura na aldeia por vezes o João reunia amigos, rapazes e raparigas e todos juntos organizavam bailes. Eram bailes particulares, muito habituais nessa época. Festejavam um aniversário, o carnaval, um fim de curso… Num local escolhido para o efeito, normalmente uma garagem, só entrava quem estava convidado. Faziam-se sempre do inicio da tarde ao anoitecer, e os jovens encarregavam-se de levar os doces e bebidas para o lanche. No final da festa ao inicio da noite, a mãe de Isabel  voltava a buscar o gira-discos á cabeça, que com o balanço do carro, a agulha do braço do aparelho muito delicada,  podia quebrar.

A pedido do João com a autorização do pai, Graça levava á cabeça até á tal garagem, uma aparelhagem de gira discos antiga, que António tinha recuperado praticamente do lixo. Ao som de musicas shake ou slow, toda a tarde se dançava. Isabel passava as tardes á espera que um ou outro jovem por quem nutria mais simpatia se abeirasse dela e a convidasse a dançar, mas de facto não tinha muita” sorte.” Normalmente interessava-se sempre por alguém que até ao final da festa nem a olhava. Isso deixava-a triste e desconsolada. Como nunca ia aos bailes nocturnos, tinha que aproveitar aqueles, a que o pai de bom humor a deixava ir, pois tinha o João por perto. Mas como? Quem ela gostaria que a fizesse rodopiar não a convidada. Sentia-se uma estranha e marginalizada daquele grupo.
 Todo o sacrificio que fazia para conseguir autorização do pai para sair, não justificavam o sentimento de rejeição com que chegava ao final dessas festas. Isabel era considerada “menina da mãe”, o que era absolutamente mentira. Proibida de participar nas festas e outros convivios da aldeia, não se juntava ao jovens da aldeia, o que fazia com que poucos a conhecessem realmente.

Como ela gostaria que aquele jovem especial, por quem aos poucos começou a sentir um enorme fascínio, pegasse nela pela cintura e a levasse a girar á volta da  garagem vezes sem fim. Sentir na sua a mão dele, era um sonho improvável.
Costumava juntar-se a alguma rapariga que por ter o namorado ausente, na tropa ou já na guerra do ultramar, simplesmente não dançava. Ia ali só para sair de casa, pois como o baile não era publico o povo não iria comentar. As jovens que namoravam só podiam dançar com os namorados, já o contrário não era verdade pois um rapaz mesmo namorando podia dançar onde quisesse, logo que a namorada e família não soubessem.

Isabel aguardava, tentando mostrar uma felicidade mentirosa. De cada vez pensava que seria na festa seguinte,que algo iria acontecer,  mas não conseguia deixar de se sentir frustrada e rejeitada.

Os seus olhos e o seu coração perseguiam  teimosamente, o sonho de ser pretendida por alguém que ela também gostasse.
Dançar nem que fosse uma vez com seu escolhido. Será que isso um dia  iria acontecer?

domingo, 21 de março de 2010

A casa nova

No local onde a avó Teresa viveu durante anos, estava pronta a nova casa de Isabel. Depois de algumas desavenças acerca de pormenores de acabamentos, os pais de Isabel tinham conseguido chegar com a obra ao fim. Apesar de faltarem alguns pormenores, o mais importante estava pronto.

No grande quintal, ainda estava a laranjeira onde o Nélito costumava passar tardes a tocar bateria nos testos e panelas(a sua bateria). Para lá do terraço pensavam fazer umas arrecadações, uma capoeira, e retomar o amanho da terra. Quem sabe fazer também um pequeno jardim. O essencial para começar uma nova vida estava pronto. Era o que Isabel pensava.

Uma casa nova com janelas em todas as divisões. Tudo parecia ainda um sonho.
Em cada janela uma persiana protegia a casa, em vez de portas de madeira rombas e velhas, as novas portas eram de madeira encerada, não fosse o verniz riscar,e sendo  novas e robustas davam um ar importante e seguro á casa.

A mesa que outrora servia para tomar as refeições na antiga cozinha escura , servia agora de balcão na nova cozinha, com uma pedra mármore em cima. Um fogão a estrear com forno e um frigorifico conferiam á cozinha a devida importância, completando o  conjunto dee necessidades nesta área.
As refeições principais do dia seriam feitas na sala de jantar, sempre que o pai estivesse. Os quartos, assim como a sala de jantar e os pequenos corredores, eram todos em tacos de madeira. Os tetos brancos em estuque.
A cantara da agua foi substituída por um jarro, e sobre um pequeno lava loiça uma torneia iria facilitar muito os afazeres da cozinha. Ao lado da cozinha uma dispensa. Nesta umas escadas  que davam para o sótão, onde se instalou um cilindro para aquecimento de água. Á volta  paredes da dispensa, António montou algumas prateleiras que ele próprio fez, para arrumar alguidares, vassouras, loiças diversas, copos , mercearias, e todas as coisas que Graça entendia ser lá o seu lugar.

A casa teve direito a moveis novos, muito discutidos e regateados. O quarto dos pais de Isabel ganhou uma mobília nova assim como a sala. Claro que a escolha dos moveis foi o mais complicado possível. O dinheiro não era muito e o gosto de Graça e António nem sempre coincidiam, tendo em conta o dinheiro disponível para a aquisição.

Para a sala uns sofás pretos de napa (pensava-se uma imitação perfeita de cabedal), na cor e modelo que o pai entendeu e a mãe concordou. Como tudo tinha que ser barato e forte, a casa onde tudo foi comprado, nem nome tinha, mas o mobiliário prometia durar eternamente.

O quarto do João e Isabel foram compostos com os moveis velhos, ficando a Isabel no seu quarto com o antigos móveis quarto dos pais. A secretária que o avô Francisco fizera a Isabel, ficava muito bem no seu novo quarto mesmo ao lado da janela. Um quarto com muita luz e sol, passou a ser o quarto de Isabel, que em cima da cama  passou a ter em lugar de destaque e contínua  permanência, a boneca vestida de branco, herança do primeiro liceu.

Da antiga cama, azul fosco e velho, de Isabel, António com toda a mestria fez um belíssimo banco de jardim, pintado de verde, que colocou no terraço. Neste e no quintal, o sol entrava em abundância, o que fascinava Isabel.

Longe da avó Olinda e do canto, Isabel tinha esperança que a vida em casa viesse a ser mais calma e sem as discussões constantes. O pai continuaria a entrar todos os dias no canto a visitar a avó Olinda, mas até chegar a casa, António teria tempo de esfriar a cabeça das conversas da avó, e simplesmente aparecer em casa como todo pai, desejoso de chegar para rever a família no final do dia de trabalho. Este era o sonho de Isabel.

Gradualmente as coisas melhoraram um pouco, mas não demorou muito que o chão de madeira da sala ficasse marcado com um prato que o pai, num ataque de fúria resultado de uma discussão com o João, atirou ao chão com brutalidade. Os vincos feitos pela loiça na madeira, permaneceram para sempre.

Isabel estava farta e cansada daquele tipo de cenas. Vivia em permanente tensão. Muitas vezes o João já chamava a atenção ao pai. Queria estudar e com aquele clima não conseguia concentrar-se. De noite Isabel continuava com pesadelos e muitas vezes acordou em pleno choro.

A infância não tinha sido boa, mas a adolescência não estava a começar de melhor forma. Parecia que tudo estava na mesma. Aquela não era com certeza a forma de uma família pobre ou rica criar, educar, orientar, os filhos para o futuro. A força do machismo e autoridade paterna eram evidentes, mas usados em demasia. O pai, chefe de família trabalha, manda, a mãe e os filhos obedecem.

Isabel percebeu rapidamente que casa nova, não era sinónimo de felicidade, nem de paz. Aquela forma de cuidar da família não tinha nada do que seria ideal, no entender de Isabel.

Ela não entendia as proibições sem justificação ou explicações, a falta de diálogo, a exigência posta em todos os actos, a rigidez e frigidez no trato, a falta de carinho visível, a necessidade de imposição de atitudes, a sensação de que nunca nada estava certo. Vivia constantemente assustada e com medo, servindo de pombo correio e como bola de ping-pong, na relação entre os pais.

As pessoas poderiam ser felizes numa qualquer barraca. Só tinham que fazer por isso… Porque seria tão difícil viver e sentir paz?

Isabel crescia, mas cada vez mais triste e revoltada, tentando  todos os dias fingir que era feliz….

sexta-feira, 19 de março de 2010

O novo liceu

Tinha finalmente acabado a construção de um novo liceu na cidade.
Este novo espaço foi especialmente pensado, para acolher os jovens estudantes oriundos de todas as localidades circundantes da cidade, que utilizavam meios de transportes diversos para chegar ao liceu. Foi planeado para reunir rapazes e raparigas .

Era assim o primeiro estabelecimento de ensino misto, tendo em conta que as turmas seriam igualmente mistas e só os momentos de recreio e tempos livres é que seriam independentes. Rapazes para um lado, raparigas para outro, assim como as aulas de Educação Física também seriam dadas á parte. Igualmente teria professores homens e mulheres, visto que até aí no liceu feminino não haver professores homens.

O mundo estava realmente a mudar e muita gente não sabia, mas todo o país estava perto de grandes transformações sociais e politicas.

A ida de Isabel para este liceu ia transformar muito a sua vida. Ia conhecer novos amigos, numa idade muito importante da sua vida.

Sem  imaginar como, foi automaticamente mudada para o  novo liceu, que ficava muito mais perto da estação do comboio e do autocarro.

Até então, para poupar uns tostões para um bolo, umas pevides ou até algum material escolar, ou porque não tinha a totalidade do valor do bilhete, Isabel fazia grandes caminhadas até ao liceu. Recorda que muitas vezes para poupar um tostão, atravessava a ponte do rio a pé até á próxima paragem, porque do lado de lá o bilhete custava exactamente menos um tostão, e muitos tostões juntos faziam a diferença.

Tudo parecia apontar para que no novo liceu a vida do aluno fosse mais livre , mais adaptada a década 70, que se aproximava rapidamente.

As meninas teriam que continuar a usar bata, mas ao contrário do que acontecia no liceu anterior em que para cada ano era obrigatório uma cor diferente, no novo liceu seriam batas de igual cor para todas, ainda que o monograma bordado tivesse cor diferente. Para as meninas que repetiam de ano isso era importante, porque o ideal era não ser reconhecido o ano que se frequentava.

Pequenos pormenores que não importavam a Isabel. Ela achava muito interessante era ir ter aulas muito mais perto dos transportes, e além disso em turmas com rapazes. Este era um pormenor que a deixava um pouco ansiosa, mas muito curiosa. Como era envergonhada, tinha que se empenhar nos estudos para não fazer figura de burra em frente aos novos colegas. Ali nem pai nem mãe iriam interferir nas suas amizades e relações com colegas fossem eles quais fossem. Eram simplesmente colegas.

Conseguiu libertar-se da mala e do casaco azul, não sem algumas discussões. Mas essa luta foi ganha. Liceu novo ,mala nova. Chegava-lhe o facto de ter que usar sapatos horríveis.

Foi muito fácil a adaptação ao novo liceu. No outro, tudo era super vigiado e quase nada se podia fazer. As meninas não podiam usar calças e tinham que andar todas de peúgas e saias de comprimento considerado decente.

Nada disto nunca perturbou Isabel, mas agora a perspectiva de turmas mistas deixava-a expectante. No novo liceu não existiam tantos preconceitos. Isabel passou a conviver com colegas e professores do sexo masculino, e começou a sentir-se um pouco mais à-vontade em relação a todos os medos com que vivia.

Nas aulas de inglês é que tudo começou desde o principio a correr mal. Tinha vergonha de dizer mal as palavras e quando nas aulas lhe faziam perguntas ficava sempre calada, o que prejudicou bastante o seu aproveitamento e aprendizagem nesta disciplina. Mas passou todos os anos e concluiu com êxito, no final do tempo previsto, a saída do liceu e o acesso á universidade.

Durante o percurso neste liceu Isabel fez amigos especiais, sofreu de paixonetas impossíveis, participou em várias actividades ainda que nunca ninguém a tivesse ido ver fazer fosse o que fosse. Fez coisa que nunca tinha imaginado conseguir fazer.

Como era habitual foi proibida de sair em excursões ou participar em festas de grupos ou outras fora do liceu e fora do horário de aulas, mas viveu e sobreviveu a tudo isso.

Um dia na altura do carnaval um grupo de amigos convidou Isabel a ir a um baile num espaço, muito perto do liceu e junto a um café. Tanto teimaram com ela que cedeu e foi só ver como era. Não tinha tempo nem autorização para mais. A sala estava meio escura como era habitual na altura, e vários pares dançavam uns mais apertadinho que outros. Achou tudo muito interessante, mas preocupada, estava sempre a olhar para as horas. Bem que gostaria de ficar por ali algum tempo, e até dançar com algum colega, mas tinha horas para chegar a casa. Os papelinhos e fitas de carnaval rodopiavam constantemente pelo ar. Isabel estava a gostar de tudo aquilo mas teve que sair. Não tendo mais que apreciado o ambiente, ia triste por não poder ficar, mas nunca desobedecia aos pais.

Com este imprevisto acabou por perder o comboio onde deveria ir e foi só no seguinte. Chegada a casa ficou aflita quando viu que o pai já estava.

Nesse dia tinha levado o carro para o trabalho e chegou mais cedo.

O inquérito feito a Isabel foi longo, mas tudo estaria bem se Isabel não tivesse omitido a sua passagem por aquela festa. Realmente, justificou-se do atraso mas não  falou da festa que tinha ido espreitar, e como tal foi difícil justificar ao pai porque tinha papelinhos metidos no seu cabelo. Disse a verdade, mas o pai não entendeu.

Ouviu uma série de vezes a mesma coisa , e nesse ano as festas do carnaval já estavam concluídas.
Sempre que coisas destas aconteciam, pensava que um dia ainda iria divertir-se muito em outras festas, mas no seu íntimo, Isabel sabia muito bem que não seria a mesma coisa….

quinta-feira, 18 de março de 2010

O cortejo

A igreja da aldeia estava a precisar de obras.
Facilmente se gera um movimento único de solidariedade e união, para todos juntos, conseguirem mudar o telhado da igreja , reparar paredes, transformar até algumas coisas que mais tarde se verificou ter sido exagerado. Era necessário manter de pé a igreja que os antepassados tinham construído na aldeia. Mas a força para atingir o objectivo, surgiu rápido, e não faltaram ideias para arranjar dinheiro suficiente para iniciar as obras. Estava tudo a ser um êxito.

Cada pessoa da aldeia pagaria o correspondente ás telhas que a cobriam na Igreja o que equivalia a umas 10 telha, e todos concordaram com isso. Assim sendo as telhas estavam pagas . Mas faltava muita coisa.

 Com o apoio do povo, surgiu a ideia de se organizar um cortejo, em que as pessoas dariam o que pudessem e tivessem em casa, e depois far-se-ia um leilão de tudo, em que cada um compraria o que lhe fizesse mais falta.

Para que o cortejo resultasse em pleno,e atraisse pessoas dos arredores, teria que se arranjar e enfeitar o transporte para as oferendas e grupos ensaiados e vestidos  a rigor, para garantir á partida o éxito do projecto. A  presença de estranhos á terra era fundamental, para a compra das oferendas.
Cada rua da aldeia teria um carro, camioneta ou tractor, devidamente enfeitado e um grupo de rapazes e raparigas  ensaiados, para cantar e dançar ao longo das ruas, tudo feito no maior dos segredos para ser surpresa geral.
Claro que todas as ruas alinharam e cada qual pôs-se a trabalhar o melhor que soube, no que era necessário fazer. Desde criar letras originais, ensaiar passos de dança nunca vistos, e pensar na roupa que cada grupo devia vestir, tudo era pensado em pormenor.

Os carros alegóricos eram enfeitados com ramos de plantas, flores de papel, vasos de plantas, cartazes alegóricos, tudo de forma que ao passar o cortejo pelas ruas, todas as oferendas ficassem bem visíveis e capazes de chamar a atenção e cobiçar o interesse dos que viam.

Os grupos de dança formaram-se rapidamente, pois todos os jovens estavam cheios de vontade de participar. Isabel estava ansiosa para fazer parte do grupo de dança da sua rua.

A sua, era a rua a principal, pois era nessa rua que ficava o canto onde vivia, mas mesmo que fosse outra qualquer, por muito que ela o desejasse, ia ser a mesma coisa. Não ia dançar. Pediu muito á mãe mas não se atreveu a pedir ao pai, pois sabia que a resposta seria não.

Foi autorizada a ir com a mãe uma vez ou duas ver os ensaios. Não ficou muito tempo. Naquela altura já andava no liceu e não conhecia muito bem ninguém, sendo este também o motivo que os pais alegavam para não a deixar ir dançar. Meninas que andavam a estudar não podiam perder noites, misturadas com jovens simples trabalhadores de qualquer coisa. isabel não conseguia argumentar, mas tinha muita pena de não se integrar activamente no grupo da sua rua

“Andas a estudar não é para dançares pela rua”. Isabel achava isto tudo um disparate. Até sentia vergonha pelo pensamento dos pais.

No dia em que foi ver os ensaios ainda comentou com a mãe como gostaria de estar ali a dançar, mas a mãe afirmou de imediato que dançar na rua não era para meninas estudantes como ela. Esse assunto estava mais que falado. Ponto final.

Isabel iria sim, em cima da camioneta representativa da rua, vestida de tricana e o João de estudante, que era o traje escolhido para o grupo. Isabel não gostou da ideia. Ir empoleirada em cima do carro, bem visível aos olhos de toda a gente, sem saber muito bem o que dizer ou fazer, intimidava-a bastante. Gostaria muito mais de dançar.

Não tinha opção, ou ia em cima da camioneta ou não ia em lado nenhum. Aquilo era o que o pai tinha decidido, quando foram lá a casa convida-la para participar.

E Isabel lá foi com o João a compor o carro junto com as oferendas, cestos ou tabuleiros enormes com tudo que se pode imaginar. Bolos doces ou salgados, bacalhau, cebolas, pão ou broa, compotas, nozes, todo o tipo de fruta, queijo, abóboras, batatas, carnes assadas ou cruas, vinhos diversos em garrafa ou garrafão, tudo muito bem arranjado, e no meio, a Isabel e o João, encostados a uma espécie de pilar onde se viam penduradas algumas notas em dinheiro já oferecido.

No final do cortejo antes da venda das oferendas, cada grupo de dança fez uma actuação. O grupo de Isabel também actuou, e no final ela retirou-se do agrupamento de pessoas que assistiam ao desfecho. Sentiu um braço puxa-la, e um jovem bem parecido que nunca tinha visto perguntou-lhe:

“ a menina estava ali a dançar, que bem a vi! Dança muito bem e é muito bonita”.

Isabel olhou o moço admirada, corou, sorriu e agradeceu, dizendo que sim, que tinha estado a dançar.

Uma pequena mentira que podia ser verdade, encheu-a de alegria. Por segundos sentiu-se igual a todas as jovens do grupo.
Nunca ninguém lhe tinha dito que era bonita, muito menos daquela forma directa e simples, puxando-a para a olhar. O jovem devia estar confundido, porque todas vestiam igual, mas Isabel preferiu pensar que não.

Quando o jovem  disse que ela era bonita olhou-a bem nos olhos. Não podia ser mentira. Preferiu pensar que tinha estado a dançar, e que era mesmo ela que o moço achou bonita.

Estava tão contente por aquele momento, que nem se lembrou mais, que á noite quando todos os jovens fossem ao baile no final do dia de festa, ela iria para a cama.

Uma luz entrou no seu coração. Não esquecia os olhos do jovem sorrindo a olhar para ela dizendo “dança muito bem e é muito bonita “

Isabel era bonita…, e em casa antes de despir o seu fato de tricana, olhou-se ao espelho e achou que era mesmo bonita, ou seria do fato…

Crueldade

A avó Teresa sempre que havia festa na aldeia do filho do meio, armava-se em cozinheira e ajudava a nora a preparar e cozinhar as comidas para as refeições dos dias festivos. Em casa desse tio de Isabel, havia sempre convidados para se juntarem á mesa, além de familiares. As refeições eram sempre compostas de vários pratos e a mesa ficava sempre recheada de coisas boas.


As pessoas almoçavam e jantavam num animado convívio. Riam e conversavam com muita animação. As travessas sucediam-se umas ás outras sem parar, parecendo que os estômagos nesses dias tinham sido avisados que não podiam parar.

Os festejos da Nossa Senhora eram levados com rigor, tanto nas casas das pessoas, como na participação de todas actividades programadas para essa altura. Cada ano a comissão encarregada de elaborar o programa das festas, tentava sempre superar o trabalho realizado no ano anterior.

Em casa dos tios de Isabel ninguém faltavam a uma parte sequer dos festejos, exactamente o oposto do que acontecia em casa de Isabel. Cumpriam todos o calendário pagão e o religioso, seguindo sempre o mesmo ritual, como se isso fosse obrigatório. Almoçavam comendo e bebendo do melhor, e depois viam a procissão religiosa. Á noite depois do jantar iam aos arraiais.

Nos arraiais juntavam-se pessoas oriundas de muitas aldeias vizinhas. Do canto onde Isabel vivia, nunca saía ninguém para esse tipo de diversões ,como se aí esse tipo de coisas fosse altamente proibido.

Iam aos bailes, viam algum artista de renome, convidado especial, vindo da capital. Comiam uma fartura, pipocas ou um folar. Visitavam a barraca da quermesse, a tentar a sorte nas prendinhas. Não faltavam os balões e os bananins para os mais pequenos, e as tascas rústicas onde os homens se juntavam a beber uns copos com amendoins ou tremoços a meias, com duas de conversa.

Teresa e toda a família da casa dos tios de Isabel, iam a esses festejos. Ver tudo bem visto era o lema, como se no final tivessem que fazer uma reportagem, pois só se vive uma vez e amanhã é outro dia. Pensavam todos assim. Ninguém se preocupava em pensar se o bilhete para o arraial era caro, se as refeições ficavam caras, se parecia mal, se no dia a seguir se trabalhava ou havia aulas, se os filhos eram novos para sair á noite.

Se havia festa todos saíam á noite, sem reclamações e ponto final.

Em casa de Isabel nada disto acontecia. O João á medida que ia crescendo ganhou liberdade para sair á noite e ir aos bailes, com a condição de cumprir os horários estipulados pelo António. Isabel não podia sair para lado nenhum , então a bailes nem pensar…

Mas quando já estava mais crescida , a mãe deixava-a ir a casa do tio ver passar a procissão da Nossa Senhora, com a condição de voltar para casa quando terminasse. E era sempre assim que acontecia.

Um desses dias á tarde, Isabel arranjou-se o melhor que pode e pôs-se a caminho para casa do tio. Teresa andava muito atarefada. As pessoas numa sala ao lado da casa, conversavam animadamente, havendo ainda espalhados por cima da mesa copos, garrafas e alguns pratos de bolos. O almoço ainda não tinha acabado e a avó Teresa e a bisavó Júlia tinham que arrumar uma quantidade de loiça enorme. Panelas, pratos, copos, e talheres tudo para lavar e limpar. No fogão ainda havia tachos repletos de comida . Parecia que tinha havido ali um casamento.

Isabel foi bem recebida, o que era normal. Aquela tia era simpática, perguntava sempre por todos, e oferecia-lhe sempre algo de comer.

A avó Teresa olhou para Isabel e perguntou sem hesitação:
“Que roupa é essa que trazes vestida, essa saia é feia, não estás nada bem vestida, andas sempre tão…”
Isabel olhou-se rapidamente de alto a baixo e disse á avó, que fora a mãe que lhe fizera a roupa, como era habitual e que a achava muito bonita. Tentou levantar a sua auto estima e valorizar ao máximo o seu aspecto e a roupa trazia vestida, feita pela mãe, sabendo muito bem que a avó dizia a verdade. Não podia fazer mais nada. Mas a avó continuou:

“A tua prima Anita tem um vestido lindo para levar logo ao baile, e hás-de ver o que ela foi vestir agora para ver a procissão, cada um mais bonito que o outro. Isso é que são vestidos lindos e acho que tem mais qualquer coisa nova para vestir no próximo fim de semana”

Isabel nunca sonhara ter nenhum vestido daqueles, mas imaginara sempre que a avó Teresa gostava dela, tal como ela era. Naquele momento sentiu-se insignificante e feia e teve a certeza que ninguém gostava dela, nem a avó Teresa que, ela admirava tanto.

Quando a prima apareceu, olhou-a e reparou que os seus pés brilhavam como nunca. Uns sapatos de verniz preto, enfeitados com um laço de veludo e uns pequenos brilhantes, transformavam os pés da Anita, nos pés de uma princesa. O vestido era lindo, como todos os que ela tinha, mas os sapatos da Anita eram iguaizinhos aos sapatos dos sonhos de Isabel.

Nesse dia Isabel não quis comer nenhum pedaço de bolo, nem beber sumo. Nos seus ouvidos as palavras da avó continuavam a doer e nos seus olhos só via brilhantes, os sapatos da Anita.

“vais ao baile logo?”, claro que a avó sabia muito bem que ela não ia nunca a esses sítios mas insistiu na pergunta. Isabel não ouvia mais nada. Claro que não ia a baile nenhum, e só não se punha a andar imediatamente dali para fora, porque se chegasse a casa mais cedo, a mãe iria querer saber o motivo de tão curta visita.

Ficou calada fazendo-se de surda, respondendo só ao indispensável.

Mal a procissão da Nossa Senhora passou, agradeceu a todos, despediu-se e pôs-se a caminho de casa.

Pelo caminho não sabia o que lhe doía mais, se as palavras da avó, se o brilho dos sapatos da Anita, se o facto de nunca ir a baile nenhum.

Estava triste demais para pensar em tanta coisa. Nos olhos as lágrimas mal lhe deixavam ver o caminho. Não era a primeira nem seria a ultima vez, que Isabel se sentia assim, carente, triste, infeliz, diferente e muito só.

Guardou o brilho dos sapatos na sua mente e pensou que um dia teria uns assim. Dos vestidos não quis saber. Claro que sentia tristeza por não ir dançar como as outras da sua idade, mas como sentia vergonha, medo de fazer má figura e o pai nunca a deixava ir, já nem fazia questão. Dos vestidos já nem lembrava a cor, mas estava muito triste com a avó Teresa. Será que ela imaginou como doeu a Isabel tudo o que lhe disse?

Chegada a casa Isabel não comentou nada com a mãe, apesar desta a ter achado estranha. Isabel disse que esteve muito tempo em pé e que com o calor da tarde estava cansada. Á noite no se quarto negro, sentada á secretária, que agora tinha um candeeiro, Isabel ainda pensava em tudo.

Tinha descoberto que estava desiludida, frustrada, com a avó. Tinha que aprender a viver com mais estes sentimentos que tanto a magoavam. Sentia-se rejeitada pela avó Teresa.

Um dia, ia mostrar á avó  Teresa,que também era bonita, interessante pelo que era, sem festas ,sapatos ou vestidos.  Não eram os vestidos que a fariam mais bela. Apesar de tudo Isabel gostava muito daquela avó.

O interessante é que Teresa um dia confirmou, que Isabel era uma mulher maravilhosa, linda, esperta e inteligente, que aprendeu a conviver com o lado bom e mau da vida e sobrevivia dia a dia, no mundo cruel e duro onde cresceu. mas isso só aconteceu muito mais tarde.

domingo, 14 de março de 2010

O cordão

Todos os verões, chegado Setembro Isabel e a familia  iam de férias para a praia.
Naquele ano, nessa altura Graça andava perturbada. Alguma coisa estranha se passava com ela. De vez em quando perguntava ao João e á Isabel se lhes emprestava o dinheiro que juntassem para levar para a praia. Isabel achava esse pedido estranho.
A mãe precisava da ajuda monetária dos filhos. Isso nunca tinha acontecido.
Tinham alugado uma casa diferente. Com um pequeno terraço tapado no interior, a casa ficava num primeiro andar. Ao cimo das escadas entrava-se logo na cozinha e todas as outras divisões se dispunham de forma harmoniosa, cada uma com uma janela para a rua. O quarto de Isabel ficava num vão de escada, junto á cozinha. O João precisava sempre de um quarto melhor porque tinha de estudar.
Estavam reunidas as condições para que nesse ano tudo corresse bem. Da casa á praia era um pulinho. Muito perto do padeiro e da mercearia, a família poderia dedicar todo o tempo de lazer ao sol e ao mar.

Mas a mãe continuava inquieta.
Um dia, no inicio das férias ao jantar, o pai disse á mãe:
“quero que ponhas o colar de ouro que tens, quando sairmos amanhã á noite a passear”
A mãe respondeu logo que não podia pois não o tinha consigo. Ficara na casa do canto.
“Muito bem”, disse o pai,” amanhã vou á cidade, vais comigo e passamos em casa a buscá-lo “.
Graça arrepiou-se toda. Isabel não sabia o que se passava mas algo não estava bem com a mãe, estava pálida.
Depois do jantar e de todos deitados, a mãe foi á cama de cada um dos filhos pedir emprestado o dinheiro que tinham junto esse ano para as férias.

Entre dentes Isabel percebeu que a mãe disse, que com o dela devia chegar. Algo estranho se passava e Isabel, preocupada, teve dificuldade em adormecer .

O pai nunca os deixava a ela e ao João sozinhos na praia. Se isso ia acontecer no dia seguinte é porque algo anormal tinha acontecido.
No dia seguinte o João e Isabel foram para a praia, os pais pegaram no carro e foram á cidade, com passagem pela aldeia.
No fim da manhã, ao regressarem a casa vindos da praia os irmãos  encontraram  instalado o caos na casa da praia. Isabel não queria acreditar no que via.
Em frente á cozinha, pela escada abaixo o chão estava cheio de sopa. A cozinha também toda suja de sopa, panela e concha no chão mostravam sinais de violência. Não havia nada ao lume, o pai não estava e a mãe estava deitada e  chorava. O coração de Isabel disparou.
Foram as férias mais terríveis da vida dela. Porquê tudo aquilo?

O pai tinha jogado a sopa escada abaixo, e o resto das cenas que se terão seguido Isabel bem as imaginou.

A mãe, na cama, só chorava, não conseguia explicar nada. O João meteu-se no quarto. Isabel sentiu-se incumbida de limpar o que os pais tinham sujo.
Como pôde, com o coração a prever o pior, foi tirando baldes de agua do poço, e aos poucos escada acima escada abaixo, conseguiu deixar a cozinha e as escadas limpas. Isabel ouviu muito bem as senhoras vizinhas do terraço comentarem “coitada da miúda, não tem culpa de nada e olha aí…estes pais!”
Primeiro a mãe disse que estava com dores de barriga e não se podia levantar, mas Isabel sabia que quando o pai batia na mãe ela ficava de cama vários dias. Graça não chorava com dores de barriga…
-“Vais ter que fazer a comida para todos”,disse-lhe a mãe. E da cama foi dizendo a Isabel o que tinha que ir juntando no tacho.

Tudo aquilo estava a ser muito difícil para Isabel, mas piorou quando o a pai chegou da rua. Não falou muito, mas vinha com uma cara que anunciava o fim do mundo. Através de Isabel mandava recados á mãe, e vice versa. Estava instalado um clima pouco recomendável e nada acolhedor. O pai deixou de falar com a mãe durante muito tempo, e Isabel era a intermediária. Isabel sentia que eles não deviam fazer isso com ela. Nesse ano nem pensou no grupo da praia, nem no mar, nem no sol, nem em coisa nenhuma. Nem percebia  porque tinham que continuar todos ali.
O melhor que soube, fez tudo o que foi preciso para a primeira refeição, e para umas tantas que se seguiram. O pai permanecia pouco em casa, o João ia para a praia e Isabel ficava a arrumar e a cozinhar. Estava instalado um clima de guerra muda, em casa.
Isabel andava numa rodovia, sem tempo para pensar nela ou nas férias. Uma tarde conseguiu que a mãe lhe contasse o sucedido. Ela tinha tido necessidade de dinheiro para qualquer coisa e para não dizer ou pedir ao pai, foi á cidade e penhorou o cordão de ouro. Mais tarde quando pudesse iria buscá-lo. O pai ficou fulo de raiva quando soube. Desconfiado passou em casa antes de ir á cidade e o colar não estava lá. Depois foram os dois buscá-lo á penhora. Uma vergonha para António.

Não precisava saber mais nada. Isabel imaginou tudo o que terá acontecido depois. Estava espantada. Por isso a mãe precisava do dinheiro dela e do João. Mas porque não disse, a mãe ao pai que não tinha dinheiro?
Ele dizia que dividia sempre o dinheiro por semanas e ainda juntava algum para fazer a casa. Isabel não entendia porque tinha a mãe feito isso. Se lhe faltou dinheiro porque não falou com o pai?

Ele não gostava que faltasse nada essencial em casa, teria ajudado, se fosse para algo muito importante. Ou não? Mas a mãe teria que dizer onde gastou todo o dinheiro. Isabel conhecia o pai.
Isabel não conseguia entender a mãe, mas também sabia que ela tinha medo do pai e com certeza por isso não lhe contou que precisava de  mais dinheiro. Porque tinha que ser sempre tudo tão complicado em casa dela?

Não havia hipótese da situação  melhorar. Só o tempo para acalmar tudo. Mas pensou seriamente que daquela vez o pai nunca mais falasse em casa.

Mentir, fingir, esconder não resolve coisa nenhuma. A violência também não.
Isabel estava farta de viver ensombrada pelo medo de tudo. E de todos.
Ela não queria nada daquilo para a sua vida. Não tinha certeza de mais nada, só disso. Vivia em constante sobressalto, e no futuro não era isso que queria para si.
Isabel queria paz, amor, e muita serenidade. Cada dia crescia  em sofrimento e aprendia  a vida, vendo tudo em silêncio.

sábado, 13 de março de 2010

A serra

Muitas vezes o trabalho de António obrigava-o a ausências longas.
Chegou uma altura em que sendo época de Verão pensou que seria  interessante levar a família com ele. A empresa cedia-lhe uma casa para se instalarem, e como se tratava de uma zona na serra, pensou que aqueles ares fariam bem a todos, especialmente a Isabel depois da sua doença.

O sitio era realmente lindo, mas muito longe da aldeia. Afastado de tudo tinha no entanto alguns atractivos que tornavam a estadia nesse local nada fastidiosa.

Uma família com uma série de filhos faria companhia nos passeios e brincadeiras de Isabel e João, e também Graça não se sentiria sozinha, junto daquelas familias. Eram jovens que durante a época de estudos estavam na cidade hospedados em quartos ou em casa de familiares e que nas férias regressavam á sua casa na serra. Também para eles a presença de gente nova por ali era sempre bem vinda. Perto havia um lugar muito rústica onde as pessoas se conheciam todas tão bem como se fossem uma única família. Trocavam entre si os seus haveres. A broa e o pão que faziam comunitariamente eram o melhor do mundo, para não falar na sopa, prato essencial, nos chouriços e no queijo.

Nesse lugar perdido no interior da serra havia uma loja onde não faltava nada. A enxada e o martelo, as linhas, tecidos diversos e botões, batatas, açúcar e bolachas, bacalhau, chocolates ,rebuçados, nada faltava incluindo a boa disposição.

No dia combinado muito cedo, montava-se o frete das trouxas em cima do pequeno carro da família e lá iam todos parando de vez em quando, que o carro também precisava de assistência.

A casa atribuída á família era de longe melhor que a do canto, e a vizinhança muito simpática e educada. Pessoas que viviam ali porque o trabalho a isso exigia.

O que encantava mais Isabel, além dos passeios pelo lugar, onde toda a gente se prontificava a dar-lhe um pedaço de bolo gostoso acabado de fazer, ou uma fruta apanhada ali na hora, eram os passeios ao rio que passava ali pertinho, cuja água cristalina, Isabel nunca tinha visto outra. Conseguia contar-se e ver-se a cor das pedrinhas que estavam no fundo do rio. Tinha pequenas cascatas de agua que aquém e além pareciam formar entre elas, pequenas piscinas que convidavam ao mergulho.

Todas as pedras do areal eram lindas e bem diferentes das do areal do rio da sua aldeia. Este embora limpo e com belos recantos, era manhoso e enganador com poços fundos que por vezes pareciam engolir os mais audazes que se atreviam por teimosia ou desconhecimento, a enfrentá-los num simples mergulho de Verão.

Isabel, não levava fato de banho porque não seria normal, fora da praia, tomar banho, mas também porque não tinha. Com o engenho da mãe e por teimosia de Isabel, um pouco de chita comprada na tal loja da aldeia ,davam lugar a uns calções que ela usava com uma blusa qualquer, para poder molhar-se naquele rio maravilhoso. Todos os filhos dos trabalhadores se juntavam, tardes inteiras a brincar na água.

Isabel deitava-se ao comprido e com as mãos no chão no leito do rio, batia o mais que podia com as pernas, sem sair do mesmo sítio. Estava a nadar.

E como ela muitos a imitavam. No grupo dois jovens sabiam nadar e o João tentava imita-los. Perante eles, Isabel sentia-se diminuída, mas não desistia de fazer de conta que sabia estar á vontade na água. O que mais a preocupava era mesmo a saída da água, pois a roupa colava-se ao corpo e ficava com um ar ridículo. Tomava então a iniciativa de ser a ultima a sair da água, e nunca se deitar ao sol. No final dava uma corrida até casa. Tudo menos ficar de roupa colada ao corpo, em frente de todos.

Rodeado por árvores de um porte e tipo diferente das que estava habituada a ver no rio da  aldeia, sentia-se ali ladeada de aromas e fragrâncias de plantas que lhe transportavam para o espírito uma sensação de muita tranquilidade.

Na serra, no rio, naquela casa, com aquelas gentes, vivia um conjunto de sensações todas elas muito agradáveis, também porque naquele local tirando um ou outro pequeno atrito, o pai e a mãe não berravam e não havia violência física, o que para Isabel quase era o suficiente para desejar ficar ali para sempre.

Agradáveis e prazenteiros eram os passeios á sede principal da empresa, onde vivia o engenheiro responsável por todos aqueles trabalhos.
Essa casa, toda de madeira, tinha um aspecto diferente de todas as que Isabel já tinha visto. Muito bem decorada, com cortinas nas janelas, e candeeiros em todas as divisões, sofás confortáveis na sala, uma cozinha devidamente equipada. Em toda a volta da casa uma varanda, que deixava ver a serra em todo o seu esplendor.
Não lhe faltava nada para preencher os sonhos de uma miúda como Isabel . Assim é que ela gostaria de ter uma casa, onde até a casa de banho em madeira com uma banheira ao centro, com água fria e quente,  mais parecia uma piscina.

Eram sempre muito bem recebidos pela dona Ireninha, que cuidava da ordem da casa e fazia uns doces maravilhosos.
Quando o grupo se aproximava, já lhes chegava um qualquer delicioso cheiro de doce ou bolo, que naquela casa nunca faltavam. Eram os doces de gila ou de abóbora, de tomate, de pêra ou maçã, não faltando o de cereja ou das amoras apanhadas ali ao lado nas silveiras tratadas do quintal. O bolo feito no forno, tinha um sabor, que Isabel depois disso nunca mais experimentou.

A dona Ireninha também vestida de preto como a avó Olinda, sem lenço no cabelo grisalho, porque neste tinha desenhadas ondas muito bem feitas que acabavam num pequeno totó, era uma senhora calma e meiga que tratava muito bem as crianças, sem pressas e muita paciência, e as atendia com um sorriso, pondo-lhes ao dispor uma mesa com tantas iguarias que só de olhar Isabel ficava com a barriga cheia.

Era sempre com muita tristeza que estes dias de férias chegavam ao fim.

Era tudo demasiado bom para ter que voltar ao canto.

Não faltavam entre todos os jovens amigos, as promessas de cartas e de amizade eterna.

Foram poucos os Verões em que Isabel continuou a ir para a serra.

Os trabalhos a fazer naquele local estavam a ficar concluídos.

Tudo iria acabar, mas no coração de Isabel ficaram as lembranças da gente boa e pura  e daquele lugar, dos cheiros de cada coisa, da água cristalina do rio, do sorriso franco de uma mulher doce, com ela jurou a si mesma que seria quando fosse avó.

Um dia muito mais tarde reviveu o fascínio desta paisagem num passeio ocasional com os pais e com Pedro. Com ele a seu lado, sentiu que a magia continuava lá. O mundo devia ser  todo assim.

sexta-feira, 12 de março de 2010

O concurso

Ia realizar-se no liceu um concurso das bonecas.

Todas as alunas dos primeiros anos podiam concorrer e levar para o liceu a boneca que consideravam a sua preferida.

Nessa altura Isabel tinha o boneco preto pequenino para o qual fazia roupinhas, mas era muito pequenino, a boneca meio feia com os braços e pernas seguras por elásticos, mas que além de ter cara de senhora, o que não agradava a Isabel, tinha os pés em plástico tão fino que quase não tinha dedos. Havia uma outra boneca em porcelana com um botão na barriga que a punha a falar, que alguém tinha oferecido a Isabel, não sabendo ela porquê. Estava guardada para não se estragar. Isabel não gostava dela. Não dava para brincar. Esconder uma boneca, é o mesmo que a não ter. Isabel nunca pensava nessa boneca ridícula que por ter um vestido engomado e um botão que a deixava falar, a mãe e o pai tinham arrumado algures. Portanto Isabel não tinha boneca para levar ao concurso.

Mas soube que na reitoria, davam uma boneca a quem não tivesse.

Ela correu a inscrever-se para lhe darem uma. Não foi preciso muito para entenderem que Isabel não tinha realmente nenhuma boneca em condições de levar para o liceu no dia estipulado, tal era o entusiasmo que mostrou ao ver tanta boneca junta, apesar de serem de plástico simples e estarem nuas.

Deram-lhe uma boneca com cara de moçoila, não um bebé como ela gostaria, mas ela tinha a certeza que chegando a casa a mãe faria para a sua boneca um vestido lindo, que ela iria ficar muito bem no dia do concurso junto de todas as outras bonecas.

Na verdade Isabel não gostava nada que a mãe divulgasse em publico o gosto especial que ela tinha por bonecas. Ficava furiosa quando estavam na praia juntos rapazes e raparigas e fosse pelo que fosse a mãe se intrometia nas conversas do grupo e dizia ” a minha Isabelinha não liga nada ao que estão a dizer, só pensa em bonecas “. Todos riam e Isabel corada, ficava cheia de vergonha.

Que mal tinha ela gostar de bonecas. Gostava e gostaria sempre, e ninguém tinha nada com isso. Pensava que um dia quando tivesse uma filha lhe daria todas as bonecas que ela quisesse e mais ainda. Não via mal nenhum nisso até porque o irmão era mais velho e também tinha os seus brinquedos. Uma coisa era ela gostar de bonecas, outra bem diferente era a mãe fazer dele criança, diante de outras pessoas, sobretudo rapazes, quando ela sabia que já estava crescida.

Chegou a casa com a boneca ofegante. Contou á mãe, muito bem o sucedido e a mãe entusiasmou-se com a conversa. Pensou que sim senhora, que tinha uns restos de tecido e algumas rendas que iam sobrando de roupas já feitas e até uns restos do vestido da primeira comunhão de Isabel, que dariam para pôr aquela boneca de meio metro, muito bem vestida.

Faltavam poucos dias e sempre que chegava a casa no final das aulas, o trabalho da mãe ia evoluindo. No final ficou espectacular. Parecia uma daquelas meninas que nos casamentos levam as alianças dos noivos.

Um vestido branco pelo joelho enfeitado na saia com nervuras e rendas e folhos alternadamente, sem faltar por baixo um saiote com muito franzido e uma renda na ponta , que armava muito bem o vestido. De manga á cava, o vestido tinha o peito todo enfeitado igualmente de rendas ,nervuras e folhos devidamente alinhados, não faltando nas costas as casas e os botões tudo muito bem rematado á mão. Por baixo da saia ,a tapar o rabinho, uma cuecas brancas muito bem feitas cheias de folhos e rendas na ponta, tal e qual como as meninas mais pequeninas usavam. Na espécie de trança que a boneca tinha na cabeça a mãe de Isabel pôs-lhe um laço preso com um alfinete e para os pés, muito perfeito fêz em tecido uma espécie de sapatos meias também brancos. A boneca estava linda. Nem parecia a mesma. Isabel nem cabia em si de contente.

A mãe foi-lhe dizendo:

“olha que me deu muito trabalho, e ainda ficou caro, não a deixes ficar por lá, depois quando a trouxeres é para pôr em cima da mala ali na sala”

“Está bem, lá vai esta para fazer vista”, mas naquele momento aquilo era o que menos interessava . Queria era que a noite passasse rápido , para ir depressa para o liceu.

Não se importou nada de ter que andar todo o dia com a boneca ao colo. Ela estava tão linda que o faria com todo o orgulho. Teria sempre para dizer que fora um trabalho da mãe para um concurso do liceu.

De manhã cedo saiu para o comboio com o pai . Ia feliz. Aquela não era a boneca com que sonhava , esse era um Nenuco, que se vendia vestido com roupinha de bebé e umas botinha de lã, uma calçada outra na mão e que tinha cabelo aos caracóis, mas naquele dia não ia ficar envergonhada.

No liceu as bonecas eram tantas que Isabel não conseguia saber qual era a mais bonita. Nénucos havia-os vestidos com fatinhos de todas as cores. A boneca dela era mais uma entre dezenas. Pelo caminho até ao liceu muita gente entendeu com a boneca. Estava realmente bem vestida e engomada e cheia de laços rendas e folhos, chamava a tenção, mas lá era só mais uma.

Isabel pegava-lhe como se fosse um troféu.
Mas no liceu pouca gente se abordou dela. Afinal eram tantas e tão bonitas que ela própria estava confusa.
Valeu-lhe uma professora que lhe perguntou :”quem vestiu a tua boneca, está muito bonita a boneca que te demos aqui”

“Foi a minha mãe, senhora professora”
“dá-lhe os parabéns , está muito bonita”
Isabel ficou contente com o seu prémio.

De volta a casa vinha tranquila e sem vergonha nenhuma de trazer ao colo a sua boneca no percurso do autocarro e do comboio. Quando chegou a casa , contou á mãe o sucedido. Afinal alguém tinha reparado no seu trabalho.
E a boneca foi descansar sentada na mala da sala, onde ficou até á mudança de casa . Mais tarde na casa nova, passou a ser o elemento de decoração principal da cama de Isabel.
Por vezes Isabel vivia lampejos de felicidade.

As calças novas

Chegada a hora de jantar, António perguntou pelo João e ele não estava.
Graça desculpou-o como pôde, dizendo que ele tinha ido a casa da avó Teresa, que não devia tardar.

Mas como o João não chegasse, António resolveu que deviam começar a refeição por estar na hora. Quando o João chegasse a casa conversaria com ele. António queria sempre que os filhos estivessem devidamente limpos e arrumados para a hora das refeições e sempre á hora por ele estipulada. Isabel sentou-se á mesa ao lado da mãe, virada para a parede, daquela cozinha escura, sem vontade nenhuma de comer. Perdera todo o apetite. Estava aflita pela demora do irmão. Já sabia que quando ele chegasse ia haver problema.

O pai ralhava muito com o João quando ele fazia algo que não era do seu agrado, e quando lhe batia, tirava o cinto das calças e batia-lhe até se cansar. O cinto chiava no ar tantas vezes quantas as que caía no corpo do João, enquanto este com as mãos tentava esquivar-se á violência das cinturadas. Normalmente Isabel que não gostava de ver o irmão apanhar, fartava-se de andar de volta do pai a pedir-lhe por tudo para não bater mais no irmão, enquanto via o pai vermelho de raiva a arfar enquanto lhe batia. Isabel sabia que o irmão era teimoso e muitas vezes não fazia o que a mãe mandava. Obedecia mais ao pai por medo, mas como era seu irmão entendia que todos os rapazes eram um pouco assim.

Aliás o tio Nélito também era assim reguila, só que o avô Orlando deixava-o andar. Podia passar um dia inteiro em cima da laranjeira a tocar bateria (panelas e testos) que ninguém lhe dizia nada e ainda lhe iam lá levar comida.

Isabel gostava muito do irmão e não gostava de o ver levar pancada do pai. O João costumava trilhar a língua e virá-la ao contrário, em sinal de raiva, e fazia força para não chorar, mas depois quando o pai saía , atirava-se aos pontapés ás portas com uma raiva tão grande que parecia querer deitar a casa a baixo.

Graça costumava dizer ao João quando ele se portava mal ou lhe desobedecia, que fazia queixa ao pai mal ele chegasse :

-“faço queixa ao teu pai quando ele chegar, negra seja eu como o fumeiro”, era sempre assim que a mãe dizia ,mas nem nunca fazia queixa ao pai, nem nunca ficou negra da cor do fumeiro.

Estávamos a começar a jantar. O pai sorvia a sopa, assobiando de cada colherada que levava á boca. Estava furioso e mal o João entrou na cozinha, levantou-se tirou rapidamente o cinto das calças e sem perguntar ao João por coisa nenhuma, começou a dar-lhe cinturadas, a dizer-lhe constantemente que ele sabia muito bem a hora do jantar. A mãe pedia-lhe para ele parar, mas António mandava-a calar caso contrário levava também.

De um momento para o outro estava instalada a guerra na cozinha de Isabel, que como era costume implorava ao pai:” pronto já chega , não bata mais no meu irmão”, até que a mãe conseguiu puxar o João, das mãos do pai e levá-lo para o quarto.

Entre soluços o João contou á mãe e á irmã que tinha encontrado um gato e que tinha andado atrás dele pelos quintais das vizinhas da avó Teresa. Conseguiu que ele lá ficasse e a avó velha (como ele e Isabel carinhosamente tratavam a bisavó Júlia), ia dar-lhe sempre comida. Com tudo isso tinha perdido a noção das horas. Mas não aconteceu mais nada. Foi tudo sem querer. Não estava na rua a jogar nem á bola, ao pião, ao botão ou á carica, estava só em casa da avó Teresa. João falava aos soluços cheio de mágoa e com certeza cheio de dores no corpo de tanto ter apanhado. Isabel olhava o irmão com ternura, que a chorar lhe dizia:

-“hás-de ir vê-lo lá abaixo, é muito lindo” e não parava de chorar.

O pai chamou da cozinha, a mãe e Isabel para a mesa.
Nada estava a correr bem naquele dia. À tarde quando chegou do liceu, Isabel tinha dito á mãe que ia haver uma excursão do liceu, a umas grutas descobertas perto de Fátima, e que tinha uma folha para o pai assinar a confirmar ou não se ela podia ir fazer essa visita. Era uma visita de estudo sem custos e a partida e chegada da camioneta era da beira do rio na cidade, e a senhora directora de turma era de opinião que as meninas deviam ir todas, motivo pelo qual quem não levasse a folha assinada, teria falta. Isabel estava metida numa enrascada, não sabia como falar ao pai naquele assunto.

Com todos aqueles acontecimentos e a forma brusca como o pai antes do jantar começou a implicar por causa da ausência do João, não tinha achado oportuno falar nisso. Agora estava tudo muito pior. O João chorava no quarto e na cozinha estava tudo amuado e de mau humor.

Claro que Isabel nem em sonhos imaginava falar ao pai o como tinha falado á mãe. Á tarde além de comentar da excursão á mãe, tinha-lhe perguntado se ela sabia fazer calças. Isabel adorava ter umas calças. No liceu já algumas meninas tinham, poucas é verdade, mas umas calças era tudo o que Isabel podia ambicionar, mesmo feitas pela mãe. Afinal no Verão a mãe fazia-lhe calções e a ela parecia-lhe que devia ser mais ou menos a mesma coisa. Porém a mãe disse que não sabia ,que não era a mesma coisa, e que o melhor era Isabel tirar essa ideia da cabeça pois não sabia se o pai alguma vez a ir deixar andar vestida de homem.

Para Isabel isso era um sonho. Ir com a mãe comprar umas calças para levar na excursão. E o dinheiro? E a vontade do pai? E a coragem para lhe pedir?

Mas depressa voltou á realidade. Estava a jantar na sua cozinha escura, ao fundo do corredor de cimento vermelho escuro, e o irmão chorava no quarto por ter levado com o cinto, sem ter havido razão para tal, era o que pensava Isabel.

Á mesa o pai estava zangado, a mãe amuada e triste pois não gostava que António batesse assim no filho e além disso também tinha sido ameaçada de levar com o cinto por proteger o filho. Isabel aflita e agitada com aquilo tudo, tinha mais era que esperar que o pai lhe assinasse a folha sem muitas perguntas. Afinal ela já estava habituada a não ir a lado nenhum, também não iria estranhar. Naquele momento ela queria paz.

No silêncio do ambiente amuado, sentiu-se um achinelar no corredor, que depressa chegou á cozinha. Não podia ser grande coisa. Isabel conhecia aquele caminhar...

Raramente a avó Olinda entrava assim porta dentro, sem se fazer avisar,  muito menos á hora da refeição. Estava com cara de poucos amigos.

Isabel encolheu-se quanto pode no mocho e se pudesse tinha fugido dali para fora, ou mesmo esconder-se debaixo da mesa . Todos olharam para a avó. Estava lívida, com ar zangado e decidido. Com certeza que o que tinha para dizer seria muito grave. Mexia com as mãos ora no avental ora no lenço da cabeça como que a preparar o discurso. Será que o cinto ainda iria sobrar para ela(pensava Isabel).

Não se lembrava de ter feito nada mal, mas com a avó nunca se saberia.

Isabel meteu as mãos no regaço e baixou os olhos. O dia já ia tão longo que estava cansada daquelas coisas. Logo se veria o que tinha a avó para dizer.

-“fale minha mãe “, disse António. E a avó disse:

-“venho aqui porque sei que já andam por aí meninas que nem sei se o são, vestidas com calças como os homens, pois bem as vejo lá pela cidade, e por isso digo e repito que não permito que neta minha vista essas coisas. É uma acção feia, uma desonra, uma pouca vergonha, essa menina aí(disse apontando para Isabel) que nem pense em vestir calças, ouviste António “

Isabel encolheu-se ainda mais no mocho. A avó parece que a adivinhou os seus desejos, ou então tinha escutado, a sua conversa com a mãe á tarde.

O pai virou-se para a avó Olinda e respondeu de imediato:
- “olhe minha mãe, nosso senhor Jesus Cristo, a quem a senhora tanto reza também andou no mundo vestido de saias, e não era nenhuma mulher, e em minha casa quem manda sou eu. Se era só isso que a senhora tinha a dizer, pode-se retirar. Eu decidirei o que a minha filha deve ou não vestir.”

Dentro do coração de Isabel nasceu uma luz de esperança. Nunca ouvira o pai falar assim para a avó. Contrariá-la era coisa que nunca fazia. Estava admirada. A avó saiu mais furiosa do que entrou.

Ao vê-la sair desta forma Graça sorriu para dentro, com malandrice. Quando queria, António sabia dizer o que era devido. Que tinha a sogra que votar opinião na roupa que a filha devia ou não vestir?

Isabel aproveitou a embalagem pela saída brusca da avó da cozinha, furiosa com a resposta do pai, sem ter levado a dela avante, e de uma aviada só falou-lhe da excursão e das calças. Pronto, estava dito e pedido.

Isabel nunca percebeu muito bem porquê, mas naquele dia o pai respondeu-lhe que sim senhora, que ela ia ver as estalactites e as estalagmites, e que ele próprio a iria levar e buscar no seu carro á beira do rio. Quanto ás calças recomendou á Graça que fosse á cidade com Isabel, ver umas que não fossem muito caras e nada justas.

Também ele achava que a filha iria mais protegida ver as grutas se fosse com umas calças a tapar as pernas.

Isabel estava admirada, confusa, mas feliz.
Não fora a pancada que o pai tinha dado ao João injustamente, sem sequer o escutar, (pois ele só se tinha atrasado um bocadito), e a avó ter entrado nessa altura armada em mandona, e Isabel não  teria tido opurtunidade de ganhar aqueles presentes. Furioso que estava, António impôs a sua autoridade perante todos, afirmando o seu poder de chefia.
O importante é que Isabel ia á excursão, de calças.

O João entretanto adormecera. Coitadito, Isabel queria muito bem ao seu irmão e não gostava nunca que o pai lhe batesse. Quando se deitou ela estava confusa e tristemente contente.

Não deixava de pensar nos olhos tristes do irmão magoado, cheios de lágrimas a dizer-lhe que o gato era lindo.
-”Amanhã vai lá abaixo vê-lo, é muito lindo”
No dia seguinte logo que pudesse ia vê-lo …