domingo, 17 de fevereiro de 2013

O valor da vida...


Olho, a folha está branca 
e não sei o que dizer, 
tal é a força das palavras que me saem em silêncio 
pela garganta e por cada poro do meu corpo.

Parece que foi ontem, 
mas já passou muito tempo.

Foram tantos os dias de dúvidas e angústias vividas,
medos não partilhados,
para que desatinado esse temor,
 não nos levasse a força antes do tempo.

Foram tantas noites de sonhos e pesadelos, 
ancorados na esperança de que tudo ia correr bem, 
pois só podia ser assim e não de outra forma.
O que tinhas em ti 
te angustiava-te cada dia mais um pouco
 e aos poucos moía-me tanto de dor,
que só podia acabar bem, 
total e plenamente bem.



Mas eram tantas as incertezas, 
os receios e temores,
tão lento o compasso do relógio
(que os segundos nesse tempo levavam a passar horas).
Que a angústia de cada acordar e saber que lá dentro,
tinhas algo ruim a germinar
era aflitivo demais, 
angustiante, sem comparação.

E eu calada consentia, não sabia que dizer.
E dentro de mim chorava e  mirrava de medo e agonia
Tu sofrias 
e cada dia eu sei que acordavas angustiado,
mas depois cheio de força e valentia
olhavas a rua, o dia,
 respiravas fundo,
penso que fazias por esquecer e ias à tua luta 
e ao meu olhar parece que te libertavas
que conseguias
e ias ao trabalho que te esperava, aos amigos, à vida,
o que, mesmo sem dares conta, 
te ajudou um pouco a chegar àquele dia.


Chovia, mas tu estavas calmo, ou parecias.
Eu, se pudesse já não tinha unhas,
 mas mentiria, pois eram duras.
Nem as unhas me valeram para acalmar.

Criámos, com um amigo que nos visitou ali, 
conversas de ocasião.
Sim, não me perguntes nada,
que nada do que ali foi dito me lembro ou lembrarei algum dia ou momento ,
a não ser que já era noite quando te levaram 
e que o quarto sem a cama era mais feio, 
ficou nu, vazio 
e eu com um aperto no coração, chorei de dor
muito mais de medo 
que pelo frio que entrou e durante muito tempo 
habitou o meu coração.

Foi no abraço incontido que troquei com o nosso amigo,
que a minha aflição foi acalmada, 
mas não parou.
Nem a nossa filha, ali comigo, me acalmou.
Ela é como tu:
 valente, forte e enfrenta tudo com lucidez e de frente.
Eu não, 
tenho medo de tudo e nada e de não te ter comigo, muito mais.

Disso tenho um medo maior do que de morrer.

Chegaste passadas três horas.
Tremias, estavas gelado. 
Teimavas em não dormir, fazias perguntas, deste berros,
mas mais tarde não te lembrarias de nada.
Foi o que disse o médico e foi verdade.

Não foi fácil ver-te assim, 
deitado, inconsciente, gelado, incapaz de tudo.




À tua volta, 
só fios e sondas, aparelhos que apitavam e me assustavam,
Gente de bata branca, carinhosos e atentos, 
eu sei,
mas que me assustam sempre, 
me atemorizam,
Fazendo sem jeito acelerar 
o meu 
coração.

E os dias 
passaram lentos, 
e eu contigo de manhã à noite
num andar para a frente, 
eu sei, 
com pequenos solavancos pelo meio.


Mas esse tempo já passou.
A febre, a tensão alta, as sondas,
 a dieta 
demorada,
e o resto, que não importa mais lembrar.

  Depois trouxe-te 

                                                    comigo                                                                 
          para casa, a nossa casa.


              A nossa casa.
As noites nunca foram fáceis,
nem lá onde estive contigo todos os dias,
nem em casa, onde todas eram longas, repartidas e pareciam não ter fim.
Mas o tempo passou e devagar foi levando a dor maior e o resto,
que não importa recordar.

E o que sobrou, ficará contigo e comigo para sempre guardado no nosso coração.

Juntos, 
eu sei, 
 juntos como até hoje
havemos de vencer o resto, que sabemos será duro
mas iremos superar
ou não seja a vida 
uma linha contínua de busca constante 
com amor
e luta pela sobrevivência.

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