sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A praia

Muito cedo, o pai de Isabel decidiu que faria bem aos filhos apanhar banhos de sol e de mar, passando Isabel, desde então, alguns dias de Setembro numa aldeia, onde conseguia conjugar umas tardes de descanso junto a uma praia fluvial, com sombras frondosas que lembravam sombras do rio onde a família fazia os piqueniques nos finais de semana de Verão. Ele não gostava muito de praia, mas na beira do lago passava muitas horas a ressonar, a ler e também a passear de barco.

E se o pai de Isabel pensava em fazer alguma coisa isso cumpria-se.


Então, durante alguns anos a família de Isabel passou a ir alguns dias em Setembro - o mês de férias dos pobres - para a praia do Molho. Isto deixava a avó Olinda moída e muito aborrecida, pois ela não queria que António saísse de junto dela. Ficava doente, chorava e inventava coisas para evitar as ausências, mas não conseguia demovê-lo.

Lá iam todos num carro minúsculo, com o banco de trás improvisado uns dias antes pelo pai, até à praia, alugar uma pequena casa para passar alguns dias.

A casa tinha de ser barata e limpa, não precisava de ser grande, devia ficar perto da praia e do parque de merendas, e o senhorio tinha de ter um ar asseado, um indicador fiável da limpeza da casa.

Nessa praia fizeram férias sempre na mesma casa. Uma casa pequena, que parecia um abrigo - uma cozinha e sala minúsculas e dois quartos ínfimos, a casa de banho (se é que se podia chamar assim) era na rua. No quarto de Isabel, ela dormia para os pés e o João para a cabeceira, mas como eram poucos dias eles até se divertiam com isso. Em redor da casa, muitas galinhas e um burro passeavam constantemente, e para se andar naquele pátio, além de se ter de evitar os animais, tinha de se ver muito bem onde se punham os pés.

Uns dias antes da partida para a praia, a Graça preparava uma série de coisas. Costurava uma ou duas batas novas - os vestidos que usava - pois nunca tinha nem sonhava ter um fato de banho. Para Isabel, fazia em tecido vulgar uma espécie de fato de banho que era muito difícil de despir, um ou outro vestido, e o João ganhava sempre uns calções e umas camisetas novas. Era preparado um alguidar de loiça com os utensílios essenciais para cozinhar e comer, uma trouxa de roupa para fazer as camas, e um saco com mercearia. Juntava-se alguma roupa de vestir, e António encarrapitava as trouxas em cima do carro, por cima e por baixo de Isabel e do João, ao colo e entre as pernas da Graça, e lá iam eles com o carro aos solavancos, sempre carente de água no radiador, de modo a não terem de usar nada que estivesse na casa de aluguer, ou comprar alguma coisa, que o dinheiro era um bem escasso.

Sempre que chegavam, a primeira coisa que Graça e Isabel faziam era limpar a casa de alto a baixo, que assim ficava limpa para o resto do ano. Arrumavam-se os utensílios do senhorio e passava a usar-se somente o que tinha sido levado de casa.

Isabel lembra-se de acordar todos os dias muito cedo com o zurrar do burro. Era a hora de ir ao padeiro, e o pão era particularmente saboroso.

O pior mesmo eram os banhos de mar forçados, que o banheiro era encarregado de dar a Isabel. “Só mais um”, dizia ela apertando o nariz com os dedos muito aflita, e o banheiro pegava-a pelos braços e quando vinha uma onda lá mergulhava, sôfrega. Mal conseguia manter-se de pé. Era o momento pior de cada dia.

Longe de casa e da avó Olinda, as discussões diminuíam. Só isso justificava todos os mergulhos sofridos.

O que ela mais gostava era das merendas na praia debaixo do toldo, do pão a saber a bolo com marmelada, e do café que a mãe levava num termo. A mãe aproveitava para refazer uma camisola para Isabel ou João. Não havia brinquedos, mas inventava-se sempre que fazer. Bolos de areia, apanha de pedrinhas ou conchas, jogar às escondidas, ou simplesmente não fazer nada. Qualquer coisa ajudava a passar o tempo.

Tudo aquilo era bom de mais. E quando chegava o dia de voltar para casa, Isabel trazia sempre lágrimas nos olhos. Saudades da praia, dos passeios de barco no lago, das cestas, do pão, do burro, do cheiro do mar. Tinha que voltar para o canto, para o quarto escuro e para a escola.

Assustava-se sempre que entrava naquele canto.

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