quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A escola



Num mês de Outubro, a Isabel foi para a escola. Para ela, aquilo era um mundo  desconhecido. Ainda não conhecia números nem letras, mas o pior é que não conhecia nenhuma menina. Sentia-se só e amedrontada. Era tudo demasiado novo para ela e isso era assustador. Naquela altura as aulas não eram mistas, e numa aula haviam meninos de todos os níveis de aprendizagem.

Meninas para um lado, meninos para outro, tanto dentro da aula como nos tempos livres. Altos muros separavam os recreios, pelo que nem o João ela conseguia ver. A Zézita, que entrou também para a escola esse ano, devia estar noutra classe porque nunca a encontrou no seu recreio, no caminho que fazia todos os dias de casa para a escola, ou na sua aula. Estava só, não conhecia ninguém, e as meninas olhavam-na com alguma estranheza e curiosidade.

A professora impressionava. Era uma senhora alta, sempre de saltos altos e de carteira, como não se lembrava de ver a mãe. A pele das suas mãos era muito macia, e as unhas sempre muito bem arranjadas, compridas e arredondadas, e muito brilhantes. Não devia lavar louça nem roupa como a mãe. Andava sempre de casaco comprido, o que lhe dava um ar imponente. Tinha ar de quem tudo sabe, o que de certa forma assustava, mas por outro lado fazia imaginar que não seria mau ser como ela quando se fosse grande. Nunca pensou em assustar ninguém quando fosse adulta, mas saber tudo devia ser muito bom.

Isabel tinha a sensação de que ali ninguém gostava dela. A professora sentou-a na segunda carteira da fila do meio, mesmo em frente ao quadro. Tinha como companheira na carteira, uma menina simpática, que parecia meiga e muito tranquila com quem Isabel passou a dar-se muito bem, mas que no grupo de todas as meninas da classe era um pouco isolada como ela. À frente da sua carteira, outras duas meninas, uma delas terrível, muito inteligente e conflituosa.

Depois de sentadas todas as meninas, sem se saber muito bem qual o critério adoptado, a professora colocava as mais velhas e repetentes e as meninas pobres que tinham piolhos na cabeça, e pulgas na roupa ou no corpo, bem ao fundo da sala, nas últimas carteiras.

Isabel lembra-se que as meninas mais velhas e as repetentes, que não faziam os trabalhos de casa ou se portavam mal, tinham muitas vezes como castigo, além das reguadas, dar banho com água fria às colegas que apareciam sujas na escola.

Também ela esteve uns dias ao fundo da sala quando teve papeira, pois também era aí que a professora colocava as meninas doentes.

Isabel começou a aprender na escola coisas novas, e algumas não tinham muito a ver com o alfabeto ou a matemática. Todos os dias fazia as letras e os números que a professora ordenava para casa. Tinha pena por não poder ter livros novos. Os seus eram sempre os que já tinham sido usados pelo João, que apesar de muito avisado, os deixava no final do ano algo mutilados. Isabel nunca reclamou, mas tinha pena por não ter um livro com cheiro a novo e com as folhas todas direitinhas.

Era preciso cumprir religiosamente tudo o que a professora mandava, pois a régua assustava. Todos os dias, meninas esticavam as mãos para levar com a régua, que devia doer porque deixava as mãos vermelhas e fazia chorar e gemer de dor. Quanto mais fugiam com as mãos, pior era. O melhor era ser forte, esticar bem as mãos, levar e ficar em silêncio, procurando evitar ao máximo fazer coisas que enervassem a senhora professora, pois há coisas que não são para repetir, como levar reguadas. Era assim que pensava Isabel.

Em casa procurava fazer tudo como devia ser. Nunca pediu a ajuda do irmão ou do pai. Mas muitas vezes, quando já ia para a escola, voltava atrás, para ler uma última vez a lição, e a mãe ouvir e dizer se estava bem.

Isabel tinha medo de dar erros e levar reguadas, e procurava unicamente a ajuda da mãe. Um dia, a professora, que colocava as meninas por ordem à volta da sua secretária para lerem a lição do dia, porque uma menina não sabia ler umas palavras, deu-lhe com uma  verdasca na cabeça que a pobre caiu redonda no chão. Isabel ficou cheia de medo, ainda que como recompensa pelo sucedido a professora tenha dito que aquela menina iria passar a ler sentada na sua cadeira.


Isabel vivia assustada. Continuava a crescer e a aprender muitas coisas além de ler e de escrever, mas tudo isso sempre com muito medo.

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