domingo, 21 de fevereiro de 2010

A casa da Zézita

Encostada ao muro gasto pelo tempo, cheio de musgo e flores silvestres, estava uma figueira que tanto era da avó de Isabel como do vizinho, porque os seus braços se abriam igualmente para ambos os terrenos. Quando a figueira dava figos, eles caíam para os dois lados.
Por entre os seus galhos e rente ao muro, passava-se perfeitamente para o lado de lá.

Era uma tentação para Isabel perceber o que se passava do lado de lá, o lado que, até há pouco, ela só conseguia espreitar mal, pela janela da cozinha ou do quarto do irmão.

Um dia viu passar uma menina, loira, rechonchuda, que aparentava ter a idade dela. Meteu conversa com ela e a Zézita convidou-a a saltar o muro. A Isabel assim fez. Sem dizer à mãe, depressa se baldeou para o lado de lá , sem sujar o vestido ou esfolar os joelhos.

Tinha descoberto uma amiga para brincar. E que coisas ela encontrou desse lado. Era tudo tão grande e diferente aos seus olhos.

Um grande quintal muito bem estimado, laranjeiras enormes e muitas outras árvores de fruta, um jardim com flores junto a um grande poço, de onde jorrava para uma água translúcida, e mais perto da casa, uma grande capoeira com muitas galinhas. A casa da Zézita era grande, e à volta todo o terraço era de cimento. A cozinha tinha um grande borralho com muitas panelas ao lume, e uma banca pequena com uma chaminé e um fogão moderno. Uma grande mesa com vários bancos à volta, ocupavam o centro da enorme cozinha e indiciava que muita gente comia ali. Existia ainda um balcão onde a mãe da Zézita, ajudada por outras mulheres, preparavam as refeições e lavavam a loiça.

A casa da Zézita tinha muito para descobrir. Revistas Corin Tellado, com as suas famosas fotonovelas, janelas viradas para a rua de onde se via gente a passar, um pequeno gira-discos e alguns singles, uma casa enorme cheia de coisas novas para descobrir, e uma escada circular, como ela sonhava ter na casa dela, que dava para os quartos de cima. Um telefone no escritório, coisa que a Isabel nunca tinha usado e impunha alguma estranheza e muita curiosidade, completavam o conjunto de coisas que mais a fascinavam.

Um dia, iria ter de telefonar a alguém.

Nunca iria esquecer o Joaquim, que era o moço de fretes e recados da mãe da Zézita. Ia às compras, varria o terraço, cuidava do jardim, das galinhas, regava a horta, apanhava as batatas e a fruta, e o fundamental, não sendo já muito jovem, estava sempre bem disposto e animado, e parecia fazer tudo com agrado.  Costumava sentar-se ao sol depois do almoço ou da merenda, e adormecia sentado, mas mal o chamavam, de um pulo só, ia de imediato.

Isabel não ia conseguir resistir a tudo isto. Iria saltar muitas vezes pelo canto da figueira, já estava tudo combinado com a amiga e não ia contar a ninguém. Era o seu segredo.

Na cozinha da Zézita cheirava sempre a café fresco e filhós de farinha e ovo, pulvilhadas com canela. Aos olhos de Isabel, naquela casa as pessoas riam-se muito e andavam sempre bem dispostas, e isso agradava-lhe muito. Ali sentia-se bem.

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