Nos domingos de sol, Isabel adorava ir sentar-se na porta da mercearia que nesse dia da semana estava fechada. Ao domingo, só as tabernas estavam abertas, local escolhido pela maioria dos homens para conversar e beber, ao sabor de tremoços ou amendoins.
Sentada ao sol, ela nem conseguia mover-se de tanta moleza e preguiça. “O sol faz mal”, dizia por vezes uma ou outra mulher que passava, mas ela deixava-se estar. Em casa não batia o sol e ali ela sentia-se estranhamente livre.
Quando a mãe lhe dava uns tostões, ela costumava ir até ao café ver um pouco de televisão. O facto de sair de casa para ver carros às voltas naquela pequena caixa mágica, era muito bom.
Para ir ao café era necessário os miúdos como Isabel levarem alguns tostões. A senhora do café sentava os miúdos ao fundo do café, encostados à parede, e a certa altura passava com um frasco de rebuçados para eles comprarem. Dois rebuçados, um tostão. Quem não tivesse tostões, vinha para a rua. À mesa, os miúdos só se podiam sentar acompanhados por adultos, e o consumo legitimava a ocupação da mesa.
Isabel não se lembra de se ter alguma vez sentado à mesa; só muitos anos mais tarde é que isso veio a acontecer.
Mas com a benevolência da mãe e os tostões que ela lhe dava, Isabel lá ia até ao café de vez em quando. Os pais costumavam ficar em casa a dormir a sesta, e Isabel até ia feliz porque gostava de os sentir unidos. Um dia, porém, Isabel viu as horas passar e ninguém a foi procurar ao café.
Passou-se a tarde, comeu os rebuçados todos e ninguém a procurou.
Chegou a noite e ela começou a ter medo de ir para casa. O canto e o beco eram muito escuros. Contava-se que, por vezes, passava por lá um homem meio-cavalo, que dormia lá, e Isabel tinha medo. Nunca tinha ficado até tão tarde na rua, e já não sabia o que fazer.
Já estava há muito tempo a ocupar o mesmo lugar no café, e a senhora disse-lhe que era melhor voltar para casa. Isabel saiu, com muito medo, e veio sentar-se à entrada numa grande pedra onde o avô Francisco costumava sentar-se ao final da tarde.
Estava muito escuro e sempre que Isabel sentia alguém a passar, o coração batia-lhe com tanta força que parecia saltar-lhe do peito. Pensou que o melhor era pedir a alguém que a levasse, mas ela estava tão aflita que nem conseguia falar.
A única maneira era ganhar coragem, e correr muito depressa para casa sem olhar para trás. Começou a pensar que seria o fim da sua vida, mas ali também estava morta de susto. Encheu-se de coragem, pôs-se de pé e correu, só parando quando entrou no seu quarto negro.
Isabel nunca entendeu o que se passou naquele dia em sua casa.
Ninguém a procurou, ninguém foi saber dela, nem mesmo ao seu quarto.
No quarto dos pais havia luz, que se via pelos interstícios da porta, mas o quarto do João estava às escuras. Isabel encolheu-se na sua cama e de tanto cansaço aflito, adormeceu e não se lembrou sequer da visita da fome.
Nunca ninguém lhe explicou porque a deixaram sozinha, já que nunca a deixavam ir a lado nenhum. Só muito mais tarde Isabel voltou àquele café.
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