Sei que existiu um dia!
Mas hoje desprezo essa libertina
ingrata.
O cravo vermelho murchou, e, há anos hirto,
perdeu
a cor do sangue e secou.
Gritei por ela e não me quis.
Acreditem comigo,
que ela morreu, findou!
Será que tu que, para subsistires, vendes o teu
corpo por leca e meia,
ou tu, poeta que fazes das palavras espadas e gritas o desagrado,
será que a viram por aí?
Eu não a vi!
E tu de bolsos recheados, carteira cheia e coração
receoso, conhece-la, viste-a passar por ti?
Sim, deves ter visto, mas como eu, vives
ansioso,
como o sapateiro, com medo que te saqueiem.
Queria nadar de novo no azul dos teus olhos, afundar
no teu o meu corpo faminto.
Mas não posso.
Até essa vontade, só minha e nossa,
ela nos roubou.
Colher de ti as carícias que mereço era o meu
deleite,
o maior luxo, mas essa tirana iníqua,
que devia ser nossa aliada,
levou-nos até a vontade calma de amar e de eu estar em ti e tu em mim, inteiros.
Espetou-me no peito bem cravado e fundo um
espinho,
que rodopia em mim, me faz sangrar de dor e mágoa,
por ver sumir de
nós o que nos pertence e alguém se acha no direito de nos levar, porque ela,
essa tal “liberdade” que é deles, quer e deixa.
Maldita sorte a minha, a nossa.
Foi-se a mesa farta, o trabalho certo.
As tuas
mãos vazias, magoadas, não têm mais vontade de me tocar, de me saciar a sede e
a fome que sinto.
A nossa luta agora é outra.
Dizem que existe, que anda por aí, mas hoje, mais
que nunca,
não conheço essa “alforria”.
Foi por conta dela que tudo me usurparam. O amor,
a paz, o trabalho, a segurança e até a ira de não a ter.
Ela é forte e pode tudo o que quer e lhe apetece.
Já não rio nem sinto.
Cada dia me furtam mais um
pouco, e eu, louca deixo.
Contra os que fruem dessa gaja,
dessa liberdade
apregoada, nada posso.
Gota a gota tudo o que juntei na vida, com suor e
luta, esvaiu-se dos meus dedos como gotas de água doce e pura, com dor e
amargura.
O amor intenso que nos tínhamos desbotou, foi-se-lhe
a cor e o brilho. Estamos esvaziados e sós.
Sopraram-me ao ouvido, quiçá essa louca,
que não desanime
que tudo se arranja.
Mas é tarde.
O tempo escurece.
Não creio no sopro.
Estou
velha, sem tempo de a ter de volta.
Essa
maldita, que parecia bonita,
nunca foi minha, e agora que nos roubou tudo, quer
enterrar-me viva.
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