Sou filha das trevas, do mar mais revolto,
sou despida de
tudo, não sou nada nem gente
Se
tu, pai, que não conheço, não me sabes, não sinto, mas és,
se tu não me
tivesses feito:
de
um sexo parvo e louco,
de um sentir prazer cego na tua carne e apenas isso
E
tu, mãe, não me tivesses parido eu não escolheria a vida,
não, sem vos ter sempre
comigo
Não
existiria, não era eu nem gente,
não seria ninguém, mas isso pouco ou nada me
importaria
Teria
uma existência nula,
seria poeira, lixo, células mortas, uma utopia, só isso
Tudo
preferível à minha essência miserável e crua,
algo que vive em mim e adivinho
sempre triste
Não
era infausta, não via a mágoa,
e sem sentidos: não provaria a dor na desgraça e
na angústia
Que
me importa saber se há lágrimas de alegria,
se há gente que ri, que se diz bem e
sabe tudo
Se
choro e sou triste em ser,
se as lágrimas me vestem de luto,
sinto tortura e a
dor se faz só minha
Se
me causam ânsia e temor, me caem do rosto e por ti vão até ao chão, sujando-me
de pesar e pena
Perder
um filho, perder um amigo, o nosso amante,
o ente mais querido, o nosso porto
mais firme
Perder
um braço, nele mil abraços e tudo do tudo,
perder a mente: o pensamento que nos
faz gente
Isso
fere na alma, mata por dentro o nosso ser,
tira-nos o ar,
faz-nos morrer de pena
lentamente
Perder
o pai que existe vivo, que é,
mas nunca foi nosso: para mim é tortura, é gritar
e secar da alma
Vegeta-se
descalço, nus no coração,
sem abraços de sangue, o dar de mãos e morre-se aos
poucos:
sem
memórias dos afagos, sorrisos e abraços
nunca dados,
o vazio de nada ter dele além do nada
Esvai-se
em nós a esperança de o termos ainda.
Vive-se e constrói-se um mundo frio e
diferente
E
como o sangue jorra de uma ferida,
solta-se de nós, de um golpe só,
um “AI”
maior e sem raízes
Vem
o gelo, a noite escura,
a cor negra do vazio e sozinhos presos a nada,
flutua-se
no cheiro a bafio
Pai,
tu que és e vives, a quem eu não pedi para ser gente,
porque me fizeste nascer
e estar aqui?
Tenho
medo pai, ouve pai, estou sozinha,
está escuro e eu tenho receio de tudo, tenho
medo da vida
Preciso
há tanto do teu apoio e regaço,
das tuas mãos a afagarem-me o rosto, a cabeça e
os cabelos
Preciso
que me faças esquecer que o vermelho não é só sangue e dor, guerra e sofrimento:
que
és tu pai, e uma papoila,
uma rosa florida e uns lábios ternos (os teus),
a
dar-me beijos doces
Inês Maomé
Fotos do Google
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