Missão impossível!
Escrever um texto, alegre, que
faça sorrir.
Mas sorrir ou rir? É que ambas as coisas não são a mesma coisa, ou
serão? Penso que a diferença está no som e no modo facial.
Escrever algo que
seja alegre, agradável à leitura, que disponha bem, simpático e bem-disposto,
tanto para mim que vou escrever como para quem for ler o texto.
Não sei se os textos para serem
alegres e risonhos se enfeitam com flores e sol, se com chuva e neve branca, se
se inventam abraços amores gratos sempre com beijos e enleios, se crianças
cheirosas nos braços.
Mas tenho que escrever algo que ao ser lido respire som
de riso, alegria aos montes, seja engraçado e faça sorrir alguém por uma vez.
Que desgraça a minha! Penso que não sou capaz.
Fartei-me de pensar toda a semana.
Matutei em tudo, até no mais improvável, e juro que não encontrei graça em
nada. Achei que nunca o conseguiria, nem que me pagassem por cima. Tentei,
escrevi vários textos, mas foram todos parar ao lixo. Eram tristes e
enfadonhos.
O último contava a história da
Clara e do Ricardo, amigos desde meninos que, tendo crescido juntos, se
gostavam muito. Porém um dia, por conta da crise, um deles foi com os pais para
França. Veio a tristeza da despedida, a espera do verão para se tornarem a ver.
O regresso dele no verão à terra, era sempre algo fantástico e, um ano, como o
tempo voou, a Clara era já uma bela rapariga e o Ricardo um homem feito.
Quando
se viram nesse ano, ambos pensavam na mesma coisa. Queriam mais, muito mais que
os beijos e abraços que se davam sempre, e os seus olhares gulosos diziam-lhes
isso e tudo o resto que não falavam, …ah, mas rasguei-a, não gostei, repentinamente
não previ um final sorridente para esta história. Nela alguém, com certeza,
iria sofrer.
Ela, desatenta pela paixão, ficaria grávida. O pai, mesmo que
ambos os desejassem, nunca a deixaria partir com ele. E os estudos, e o curso?
Ricardo já tinha uma namorada em França…Só embrulhadas, desgraças, a vida…E de
novo desisti.
Então pensei nos vizinhos, nos
amigos, nos solteiros e casados, pois talvez me inspirassem.
Nos noivos que
nunca casam.
Naqueles que não sendo nada um ao outro, vão namoriscando e fazem
tudo e muito mais que alguns solteiros unidos de facto e até que muitos casados,
coitados.
Pensei numa história de amantes, ou num casamento feliz coisa invulgar
e pouco usual hoje em dia, mas desisti.
Nada disto me faria sorrir a mim que
sou carente, como poderia fazer sorrir outras gentes? Coisas vulgares e sem
graça.
Desisti novamente. Que estopada tamanha. Bolas, estava a ficar cansada.
Imaginei escrever sobre um poeta
famoso, inventado por mim, um aventureiro célebre, um guerreiro…mas não foi
fácil. Escrevi, mas deitei fora. Nada nele me fez sorrir. Todos os poetas são
tristes e marcadamente com traumas e vícios e este não fugia à regra. Morrera
cedo, marcado pela desgraça dos amores não correspondidos e da cachaça.
Pensei na vida do campo, nas
cidades, nos bonecos animados, nas pessoas que passam muitas vezes por mim,
quase sempre sérias e apressadas, e não lhes encontrei qualquer fonte de
inspiração.
Imaginei-me numa ida ao ginásio,
em que me desaparecesse tudo, e nua depois do banho, sem ter nada para vestir,
tivesse que arranjar forma de não sair desnudada para a rua. Iria presa com
certeza e isso, a mim, não me faria sorrir.
Pensei em filmes cómicos, nos filmes
de amor, aqueles em que tudo são flores, depois passam a obscuros, mas terminam
sempre bem. Naqueles em que todos se amam muito e no fim tudo acaba em beijos e
abraços e o público satisfeito vem para a rua com lágrimas nos olhos: isto só
para me inspirar, mas francamente não deu. Desisti antes de começar, e os dias
a passar, e eu sem imaginação.
Pensei em histórias infantis, em
criar bonecos com vida que transmitissem algo positivo ao mundo, que deixassem uma
mensagem interessante na minha história, que me fizessem sonhar e quem sabe
sorrir. Mas não consegui inventar nada que pudesse fazer alguém rir. Neste capítulo
sou péssima e penso que tudo já foi inventado e dito, o resto é palha em que as
crianças acreditam, porque são puras e crédulas.
Mas, com isto tudo, eu
continuava aflita sem texto escrito.
Imaginei misturar algumas
histórias infantis, e construir uma história singular. Casar a Branca de Neve
com o Pinóquio, a Alice do espelho mágico com o Príncipe de orelhas de burro,
deixar as irmãs da Cinderela a trabalharem para ela, que feliz casaria com o Príncipe,
futuro rei, do seu país. A avó do Capuchinho Vermelho viajaria até à América,
num barco a vapor, e encontrava por lá um seu irmão que para lá viajara há
muito tempo. Que bom matar saudades e assim por lá ficou.
Em seguida veio-me à
cabeça o lobo mau e aí pensei no Sócrates, no Passos Coelho e numa data de corruptos,
embusteiros e trapalhões, nos seus comportamentos e desisti.
Escrever esta história, eu que me
vejo quase na falência por conta desses e doutros iguais a eles, nunca! E não o
fiz.
Que podia fazer com estes? Decerto teriam que nos comer, a mim, a nós,
mais do que nos têm papado já, pois a avozinha partira havia tempo para a
América e por lá ficara com o irmão.
Chatice e assim desisti mais uma vez.
E continuei a pensar, pois tinha
que escrever um texto e num repente encontrei-me a cogitar nas coisas que mais
gosto e me fazem feliz.
Assim, quem sabe escreveria algo que fosse alegre e fizesse
sorrir. Eu gosto do amor que sinto em cada coisa que faço e adoro dançar.
Dançar salsa e kizomba e semba, e tango, e dança do ventre…e só de pensar na
dança o meu coração pulou e, atento, bateu mais depressa um pouco. Encontrei,
era tarde…mas continuei.
Que bom dançar, rodopiar pelo
salão, soltar o corpo e esquecer o resto do mundo, o bem e o mal, prender-se ao
comando do par e girar, deixar-se simplesmente conduzir e circular sempre sem
parar, fazendo com o nosso par piruetas fascinantes.
Deixar o corpo liberto,
sem saber para onde vai, mas ir com ele num rodopio constante, elegante,
sedutor, quente e charmoso. Um sentir que, me alimenta a alma, me aquece o
corpo e transforma inteira noutra pessoa.
Dançar até que o coração me pule do
peito e o suor me molhe a alma, o rosto e o corpo por completo, me console sempre
em cada volta e reviravolta fazendo-me sorrir sempre.
Na verdade quando danço, mesmo
cansada, rio, sorrio sempre.
Mas escrever um texto sobre
dança? Já era tarde para tanto.
Por acaso o meu professor de dança, quase há
seis anos, chama-se Pedro, é o Pedro Pinto, bailarino, e eu gosto dele como se
fosse meu filho. Tem uma escola de dança e dança como se fosse uma pena.
Leve e
solto mexe o corpo com a ligeireza com que o pintor pincela a tela dando-lhe
forma, luz e cor. Conduz com muita elegância e destreza e com ele eu dançaria
todos os dias indo até ao fim do mundo, se as minhas pernas, danadas de pesadas,
mo permitissem. Ufffa …tristeza!
Por acaso o Pedro dança? Sim o
Pedro Chagas?
A vida não são só palavras, e os textos podem escrever-se sem
elas. Então, vamos a uma salsa? Vá, venha, ou não lhe convém o par? Sabe, eu
danço bem, sim, sei que o faço melhor que escrever textos alegres, com os
blocos todos corretos.
Desculpe-me, por favor, o atrevimento e a minha sintaxe
incorreta.
Já sei, não gosta de dançar! Mas eu gosto e vou continuar até poder girar, mesmo que as pernas me doam,
porque a dançar sorrio sempre.