Se tu pai não me
tivesses feito
E tu mãe, não me
tivesses parido
Agora não estava a
sofrer,
Não sabia nada da
vida
Não existia,
mas não me importava
com isso
Teria uma existência nula,
seria poeira, lixo,
uma célula morta
mas não sofria, não
via a dor, não a sentia
Que me importava saber se há lágrimas de alegria
se as que vejo cair dos olhos
acarretam tortura e
dor como as minhas
Para que quero saber se há sangue
que jorra das feridas
e da alma de gentes
doentes, das guerras, de inocentes,
seres de toda a
espécie, carentes de afecto e de amor,
se em que em todos o sangue é vermelho e dor,
e eu não gosto de o ver
e eu não gosto de o ver
de lhe sentir o cheiro,
e sei que salta a doer dos corpos que sofrem
muitos, quase todos sem culpa,
mas que sem querer
mas que sem querer
lhe
sentem o sabor na boca e na alma
e ainda guardam nos
bolsos os restos,
vestígios para alguma força
que lhes há-de servir
de alento
a outros pesares outras mágoas maiores
a outros pesares outras mágoas maiores
a outras perdas
diferentes,
como não sei, mas que as há
eu sei que as há sempre
como não sei, mas que as há
eu sei que as há sempre
Ou um amigo, o mais
querido de sempre,
Perder um vizinho, o
mais próximo
perder um braço, um abraço terno, aquele de sempre
perder a mente,
ficar
no mundo a vegetar ao acaso
Morrer aos poucos, descalço, nu
sem lembranças, oco
de pensamento
que se esvai da
cabeça
como o sangue
vermelho se esvai de dentro da gente
sem nunca pedir licença,
muito de dentro, mas também
de fora
E eu tenho medo, sinto-me aflita
estou com frio, fraca, sozinha,
agarrada a algo que é vazio e cheira a bafio
E só vejo sangue, a
tortura, a guerra, e mais sofrimento
a maledicências de todos até do parentesco
Tão vil e cruel para
merecer qualquer nascimento
Porque me fizeste, tu que és meu pai
E tu mãe, porque me pariste?
Se me tivesses falado eu teria dito:
"não, não quero a vida"
Se me tivesses falado eu teria dito:
"não, não quero a vida"
Tenho medo mãe,
estou
sozinha, está escuro
E eu tenho medo da
vida, ouviste mãe, tenho medo
Preciso tanto do
teu colo mãe
e das tuas mãos a afagarem-me
o rosto e a cabeça
a fazerem-me esquecer
que o vermelho não é
só sangue e dor
mas também pode ser uma flor
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