Um dos seus grandes defeitos era ler transversalmente. Quando era criança adoraria ter lido montanhas de livros mas os pais por motivos diversos não correspondiam aos seus apelos. Quem sabe por falta de dinheiro tão-somente. Isabel passou a ler de uma forma nervosa e agitada, e tão frenética que mal começava já dava uma olhadela ao final da história, e isso enervava-a. Jornais nem pensar, era leitura que não a detinha, pois notícias políticas, assassinatos internos ou exteriores ao país, guerras horrorosas, e outras politiquices, pequenas ou grandes calamidades, só a podiam transtornar e isso incomodava-a, primeiro porque a deixavam desinformada, e depois porque, por não as ler, não se considerava normal.
Levou tempo, mas assumiu que para ela essa leitura não existia. Isabel de facto era diferente, e mais tarde ver, ouvir, e saber, essas notícias noutros meios de comunicação já era muito bom, não ler em jornais, onde cada um muitas vezes, escreve de uma forma um pouco diferente e acrescenta um ponto.
Também Isabel um dia fez rádio amador. Ao domingo e ao sábado durante largo tempo tanto Isabel como Pedro tiveram o seu programa numa rádio local. O seu, era um programa infantil e chamava-se o ”O jardim da Celeste”. Essencialmente passava música, tinha passatempos e concursos e como era um programa local, as pessoas podiam facilmente participar a acorrer lá e responder às questões que colocava. Foi um tempo muito interessante, pois todas as semanas Isabel tinha que pesquisar temas, buscar dicas, manter informado o seu público jovem de forma que ao mesmo tempo que os distraia lhes ensinasse algo novo. Estar em frente de um microfone, sabendo que do outro lado estaria alguém a ouvi-la acrescia-lhe uma responsabilidade inovadora mas de alguma forma gratificante.
Muitas vezes na ausência e impossibilidade de Pedro gravou o programa dele, que aliás teve vários, e nunca ouviu dizer mal do seu trabalho. Destes trabalhos só era aborrecido o almoço ao domingo que se fazia sem o pai á mesa, pois um programa do Pedro era à hora de almoço ao domingo, mas Isabel lá ia levando tudo isso com imensa resignação, considerando este um hobby positivo.
Pequenas coisas que Isabel gostava de fazer, além de não deixar nunca de procurar fazer a sua ginástica, mesmo que fosse num canto em casa, já que nas décadas setenta, oitenta e até noventa, os ginásios eram praticamente nulos na cidade, pois na aldeia nunca existiram, era nadar. Desde que pusera os filhos a aprender a nadar, metera na cabeça que o susto que apanhara em jovem havia de desaparecer. E desapareceu.
Levantava-se às sete da manhã nos dias das aulas de natação e lá ia ela bem cedo, para aprender a nadar. Passados três meses, já fazia a piscina de 25 metros de uma ponta à outra sem problemas de maior, depois aperfeiçoou os estilos, e no grupo que estava inserida fez grandes amigos. Aos 56 anos nadou 600 metro três estilos em 11 minutos e sentiu-se uma heroína.
Um dos seus hobbys manuais desde menina, sempre foi o croché (camisolas de malha e cachecóis), e panos de ponto de cruz que depois mandava emoldurar. Adorava também fazer artesanato e aí com um alicate fio, arame fazia brincos, colares, pulseira várias, pondo a sua imaginação a criar livremente. Depois usava, dava, ou vendia a amigos, ou em cabeleireiras, lojas ou feiras, e divertia- se com isso, não pelo dinheiro que isso dava, mas por ver as suas coisas feitas ali expostas, e depois a serem usadas.
Como uma das ultimas paixões contou-me em segredo, como se ninguém soubesse que adora dançar, mas muito amor, com todo o amor e dedicação, e não o faz mais porque não pode, o corpo não deixa, e o tempo também não. Não poderia fazer mais nada, tem outras coisas que fazer, além disso as pernas doem-lhe e se um dia pode mais, no outro já não pode tanto, mas gosta muito de dançar salsa e kizomba, uma dança que quase ninguém, dança com ela, talvez porque já está um pouco mais velha!
Se ela pudesse dançava todos os dias. Sempre, porque é a dançar que Isabel se sente bem, ainda que quando num baile a não convidam para dançar saia de lá mais triste que os tristes, mais infeliz que todos os infelizes.
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