Na rua, ou mesmo em casa o Pedro raramente tinha um gesto de carinho para Isabel, não lhe afagava o rosto ou o cabelo, não lhe dava um beijo de fugida, só quando saía para o trabalho ou chegava, mas sempre dizendo “dá cá um beijo” e não “toma lá um beijo“, não lhe chamava bonita, nem amor, não lhe dizia gosto de ti, que bem estás assim, não lhe dizia as coisas que ela gostaria que ele lhe tivesse dito desde sempre, nunca lhe chamou um diminutivo amoroso.
Com o tempo tudo isso foi esfriando, e também ela foi esquecendo, mas no seu coração ficou uma lacuna, a falta de tudo isso e uma sede imensa, porque o tempo passa, mas com ele cresce o desejo e a vontade enorme e ainda maior de se ter o que nunca se teve e se ambicionou ter, nem que fosse por instantes, por se pensar que seria isso que nos daria a felicidade suprema, porque a vida é muito breve e a morte está aí.
Mais tarde, quando muitas vezes Isabel via os carinhos que o irmão fazia à cunhada enfrente dela, na cozinha ou quando punham a mesa para o almoço, ou mesmo enquanto conversavam, o Pedro mantinha-se de perna traçada muito bem comportado, ou acompanhava simplesmente a conversa, e ela triste pensava:
“Que bom se Pedro fosse assim, carinhoso e meigo, atencioso, em casa comigo, a dar-me carinhos e meiguices”. E Isabel não conseguia evitar que as lágrimas lhe viessem aos olhos. Gostava do Pedro, mas ele não entendia que tinha que se modificar e ser muito mais expressivo, mais romântico, dar a Isabel muito mais do que lhe dava, pois o que lhe dava era manifestamente pouco. Esta era uma luta que Isabel tinha pela frente e que não teria fim, pois tinha muito a ver com a maneira de ser de Pedro e ele era muito inflexível.
Mas vivendo naquela rua isolada, Pedro falando com António resolveu que o melhor seria comprar um carro para Isabel. Uma coisa pequena e barata, pois ela não conduzia desde que tirara a carta talvez há uns sete anos, e tinha que treinar até se sentir segura, mas para resolver o problema do seu afastamento do trabalho, para a proteger dos dias do sol e chuva intensa, um carro em segunda ou terceira mão seria o ideal.
Convoca-se quase toda a família depois de encontrado o carro a comprar e vai toda a gente buscar o veículo para Isabel. Vão o Pedro e Isabel e os dois filhos, que não ficam sozinhos e mostraram logo muito interesse em ver o carro “novo” da mãe, a avó para trazer a Maria ao colo à vinda para casa, pois Isabel tinha que vir atenta na condução do seu novo automóvel, e António para trazer o carro do Pedro, pois este traria o carro de Isabel que como esta não conduzia há muito tempo podia ser perigoso vir a conduzir. Para as crianças foi um dia de festa, para Isabel foi um dia que parecia nunca mais ter fim.
Isabel queria sentar-se descansada no volante do seu MINI vermelho e experimentar sem ninguém lhe dar instruções a sensação de conduzir sozinha.
Tirara a carta de condução na cidade, nos tempos de estudante na universidade, exactamente ao mesmo tempo que o Pedro, mas até ali nunca tinha praticado, até porque por duas ou três vezes que tinha experimentado pôr o Opel em movimento, como ele era de injecção de ar, encharcava sempre o motor e Isabel acabava por desistir dizendo Pedro que era falta de jeito.
Duzentos contos, foi quanto custou o primeiro carro de Isabel e ela bem que o usou, primeiro dando voltas e mais voltas à aldeia e pouco mais usando só a primeira, segunda e terceira velocidade, que a quarta ela tinha receio de meter, e depois um dia aventurou-se e rumou até à cidade.
Era assim muito devagarinho, que Isabel se ia libertando, e de vez em quando, ia deixando entrar no seu coração raios de luz que lhe diziam que um dia ainda havia de conseguir algo mais, pois nesta altura já sabia que a felicidade completa não existe, mas são momentos que se vão vivendo e sempre que eles surgem têm que se aproveitar, pois nunca se sabe quando voltam a bater à nossa porta par os podermos voltar a mandar entrar.
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