Durante muito tempo Isabel viveu intensamente para a sua casa. Depois dos filhos e do marido, a casa era a sua grande preocupação.
A mudança tinha sido bastante trabalhosa e difícil de fazer, pois mudar a vida que se acumula em objectos, durante catorze anos, de uma casa para outra, não é fácil. Isabel trabalhava de madrugada até de madrugada, mas a força que a impelia era tanta que nem sentia sono, nem cansaço.
Na casa de onde ia sair, daquela da rua com fim, embrulhou e organizou tudo de forma que ao descarregar os caixotes na nova casa, cada um deles contivesse objectos roupas, diversos, direccionados para a divisão a que correspondia, de forma que finalmente a arrumação pudesse começar a tomar rumo.
Isabel pensava tudo ao pormenor, e um dia quando a casa meio nua, por ser muito maior que a anterior mas já muito bem organizada, já estava em ordem, Isabel teve comigo um desabafo que parecia quase uma certeza que naquela altura ela tinha como verdadeira, única e absoluta:
-Estou tão feliz. Finalmente sou feliz. A minha casa é linda, entro e saio dela e parece-me tudo tão irreal. Ainda ando nas nuvens, deve ser do cansaço, mas na verdade adoro a minha casa. Agora, mais dentro da aldeia, com os meus filhos criados e mais perto do meu trabalho, com aquela casa, se todos tivermos saúde, acho que nunca mais terei razões para me queixar. Eu e o Pedro, ali, com os nossos filhos, vamos ser felizes.
-Mas Isabel, nós somos sempre iguais com tudo, e com as casas também, apaixonamo-nos e depois que o fascínio e o enlevo passam, tudo volta ao normal. Realmente era bom que assim não fosse, mas na verdade a paixão não é eterna, e essa paixão que sentes pela tua casa não te vai alimentar o ego a vida inteira, nem te vai trazer uma felicidade perene.
Mas penso que nem me ouviu, porque naquela altura vivia em efervescência e actividade continua, nunca parecia cansada e estava sempre a inventar que fazer, parecendo um vulcão, e depois do seu trabalho nunca lhe escasseava o fôlego, nem fugia ao trabalho e limpava, lavava, cozinhava, arrumava, dava volta ao jardim, fazia fosse o que fosse mas não parava.
Coitada da Isabel que dizia aquilo, convicta de que a felicidade tem alguma coisa a ver com o local onde se vive, esquecida daquele velho ditado que nos fala do “amor e uma cabana“, como se de um momento para o outro a sua casa por ter janelas amplas, mais portas, mais escadas, muito mais divisões, e muito verde no jardim, pudesse trazer-lhe a felicidade que nos dias sombrios ela buscava e teimava em não conseguir alcançar.
Mas Isabel não desistiu e lutou para colocar em casa o que achava a fariam feliz e aos filhos e marido e assim num aniversário de Pedro ofereceu-lhe de surpresa um bilhar, que conseguiu instalar em casa sem ele dar por nada até ao próprio dia, depois no ano seguinte ofereceu-lhe uns matraquilhos, e, assim por diante, sem durante muito tempo se lembrar, um pouco sequer, dela mesmo.
Ao Manuel, apaixonado pelo exercício físico, ofereceu alguns aparelhos de ginástica, à filha uma viola e um piano digital, e aos poucos com o Pedro, mobilou as divisões em falta, arranjaram o jardim, e mais tarde construíram uma churrasqueira com um salão com lareira para receber os amigos um pouco mais à vontade, com uma vista belíssima para o jardim.
A última construção, além de uma garagem exterior à casa e um terraço anexo, foi um abrigo de madeira lindíssimo, plantado no meio do verde magnífico do jardim, com um varandim circundante cadeira de baloiço, e uma rede para se poder deitar quando bem lhe apetecesse, que parecia lembrar um bangaló saído de um resort de um país tropical.
Não sabia Isabel que o Sol lhe ia pregar uma partida, pois à frente da sua casa iria brincar às escondidas por detrás dos eucaliptos que lhe ensombrariam a casa, e muitas vezes escondido se negaria a sorrir-lhe e a mostrar-se seu amigo, e ela sem querer nem se aperceber disso, sentia que a falta do Sol também lhe entristecia o espírito, e até já o subir e descer das escadas não tinham a menor graça, porque tudo tem um tempo para ser, para existir para se sentir.
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