quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A escola dos filhos de Isabel

Tirando um ou outro percalço, correu sempre tudo bem, que o Manuel era um menino atilado e não se deixava ir em cantigas, mas claro era uma criança como as outras e portanto sujeita a correr ricos como todas as outras, mas no entender de Isabel e de Pedro, estava a crescer.

Um dia, anos depois, a professora primária disse a Isabel:

-Na minha vida de professora, tive alunos muito bons, excelentes, mas como o Manuel nunca tive nenhum.
E Isabel ouvia estas palavras, como se fossem pérolas que guardava no seu coração orgulhosamente, pois sabia muito bem que o filho era um belíssimo aluno, muito aplicado, humilde, e muito amigo dos seus companheiros, mas excelente aluno. Só tinha motivos para se sentir orgulhosa do seu filho. Nunca foi preciso mandá-lo estudar, nem mesmo nas férias quando trazia trabalhos de casa para fazer, Manuel fazia todos eles e muito mais, nunca se cansava de ler, escrever e estudar fosse que matéria fosse, mas também gostava muito de brincar. Manuel jogava a bola com os amigos da rua, e com eles também brincava aos cowboys, adorava brincar com lego, fazendo enormes construções, praticava karaté, e natação, e quando era mais crescido jugou futebol de cinco.

Adorava ler e escrever, pelo que passava longas horas a fazer pesquisas para os seus trabalhos quando cresceu mais um pouco. Mas no tempo da escola primária andava no escorrega e no baloiço e não houve um ano sequer que Isabel não tivesse que correr com ele para o médico com a cabeça partida com um lenho. Todos os anos, e foram quatro, a sua cabeça abriu um lenho e levou pontos por alguma queda, encontrão, ou safanão que o Manuel sem querer ao cair ao chão fazia na sua testa ou cabeça, afligindo o coração da sua mãe. Miúdo reguila e travesso, aquele, mas atilado como nenhum outro.

Maria era mais tranquila, chupava nos dedos em vez da chupeta, mas depois esqueceu, e no colégio Isabel recorda-a vestida de enfermeira numa festa de Carnaval, nas fotos que viu mais tarde. Estava linda a sua menina, a mais linda de todas. Era muito doce e calma e quando chorava, o seu choro era profundo e incomodava-a profundamente, por isso poucas vezes se lembra de a ouvir chorar. Quando deixou o colégio e veio para a aldeia o Manuel já andava adiantado, e para ela foi um bom exemplo de integração e ela aceitou facilmente a nova escola e as suas novas amigas e amigos. O que lhe custava mais era fazer as cópias que lhe pareciam longas e nunca mais chegavam ao fim.

-Mãe, estou cansada dói-me a mão, não me apetece escrever mais.
- Mas filha se não fazes essas letras todas como vais aprender, tens que ser tu a fazer, entendes?
-Mas, estou cansada- e Maria chorava desesperada porque tinha duas linhas de (a) para fazer e mais uns tantos números.
-Olha- Dizia-lhe Isabel- fazes agora um bocadinho e vais brincar e depois vens e fazes outro bocadinho, que achas? Sabes, não pode ser a mãe a fazer por ti, se não, não aprendes, entendes Maria, mas devagarinho durante a tarde vais conseguir, não podemos é deixar para logo à noite.

E Maria aos poucos entendeu que quando chegava a casa depois de lanchar, descansava um bocadinho e depois tinha que fazer os trabalhos de casa sem nunca os deixar para fazer à noite, porque senão nunca conseguiria faze-los, pois à noite tinha sempre muito sono e não era capaz de pensar coisa nenhuma.
Mas Maria aprendeu depressa a estudar e tal como Manuel transformou-se numa óptima aluna de que Isabel tinha igualmente muito orgulho.
Os seus meninos eram preciosos, mas ela não sabia se fazia o suficiente para eles se sentirem felizes, pois faltava muitas vezes às festas da escola por não se sentir bem no aglomerado de pessoas que se juntavam nesses dias. Durante muito tempo ensinou muitas coisas aos filhos, todas as que sabia, mas esqueceu-se de si e a determinada altura sentia-se incapaz de estar rodeada por muita gente, sem entender bem ao certo porque ficava ansiosa. Sabia unicamente, que não queria transmitir esse mau estar aos filhos, e então pedia à mãe do Pedro que a substituísse nessas festas, alegando sempre algum motivo, mas mais tarde isso martirizava-a fortemente, fazendo-a chorar de arrependimento mas sem Isabel encontrar a solução. Guardou sempre para si este sentimento e tentou superar este dilema na esperança de não ter traumatizado as crianças com as suas ausências, sofrendo nesta altura, pelo facto de não as ver, e elas poderem sentir a sua ausência.

Mais tarde quando cresceram, tudo mudou um pouco, porque em vez de assistente Isabel passou a colaborar nas festas dos filhos, e enquanto pessoa activa tudo mudou um pouco de figura.

Maria gostava de brincar com umas meninas, quase vizinhas que conheceu na escola. Isabel deixava-a ir e elas entretinham-se a fazer coisas que todas as meninas fazem na idade da Maria, bolos para o lanche delas, vestir as roupas das mães, tias, ou avós, pintar o rosto com a maquilhagem das mães, usando coisas que encontravam sabe-se lá onde, brincar às casinhas e às bonecas. Maria chegava a casa sempre exausta da brincadeira, mas feliz, adorava as amigas Laurinha e a Belinha, com que passava imensas tardes, muito mais, no Verão e nas férias de Natal e da Páscoa.

Enquanto viveu naquela rua com fim, que parecia um beco, sem grande vizinhança, com pouco movimento, Isabel viveu só, mas os filhos a cresceram em paz, em sabedoria e humanamente da melhor forma possível e isso compensava o que ela por vezes experimentava em relação às coisas que sabia que nitidamente lhe faltavam, a relação com amigos da sua igualha, pessoas com quem pudesse conversar e a entendessem, algumas saídas a alguns lugares que não fossem rotineiros, porque sair daquela rua com fim era essencial para conseguir perspectivar um futuro diferente para ela.

Enquanto Manuel se transformou gradualmente num apaixonado pelas letras, e estudou na universidade um curso de ciências na área dos recursos Humanos, tornando-se um melómano convicto nas horas vagas, Maria estudou e tirou um curso universitário na área da saúde, mas fez um curso de modelo numa agência mais ou menos conceituada, o que lhe deu alguma desenvoltura, e também estudou música. Primeiro flauta, como todos os meninos quando vão para a escola, mais tarde viola, mas como sentiu que não conseguia evoluir, enveredou pelo piano frequentando o conservatório durante três anos depois de ter andado numa senhora da aldeia a aprender os primeiros passos na ara da música. Mais tarde porque lhe estava a paixão no sangue voltou à guitarra portuguesa, e já na universidade, Maria tocou em tunas, grupos de corda, teve aulas particulares, para aperfeiçoar esse dote musical na área dos instrumento de cordas e Isabel lá ia ouvi-la tocar, cheia de orgulho.



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