Grand-Mère Sissi, como já lhe chamava Maria há muito tempo, andava numa agitação de um lado para o outro. Os netos iam viajar para Portugal. Pierre e Maria em breve partiriam com Fernando para visitar a aldeia onde ela nascera e vivera anos de solidão.
Fernando o homem que há anos lhe aparecera na quinta e ela acolhera amavelmente em troca do trabalho incansável que ele fez de recuperação da sua quinta e toda a vinha e estábulo, tinha todo o direito de voltar à sua pátria e voltar a ver a sua terra, a sua gente, as suas coisas, as suas raízes, a sua aldeia, ainda que tudo isso lhe fosse custar muito. Queria muito a esse homem, tanto como a um filho, sobretudo depois que Pierre casou com Maria.
As malas estavam prontas , e dona Sissi sentia um frenesim constante, pois tinha a certeza que iria passar sem eles, dias tristes como há muito já não se lembrava de passar.
Iria ter muitas saudades de todos, mas sobretudo de Maria, das suas conversas, das sua risadas felizes quando a acompanhava à hora do chá. Já não era capaz de fazer nada sem lhe pedir opinião. Ia sentir falta do seu sorriso alegre, das suas gargalhadas pelo quintal, da sua companhia e atenção constantes.
Até o chilrear dos cavalos quando partiam ou chegam de uma cavalgada com o Pierre e Maria era diferente, também ao animais iriam sentir a ausência de todos, estavam realmente habituados demais a eles para os ver partir mas tinha que ser. Aquele mês estava programado há muito e chegada a hora por muito difícil que fosse a despedida tinham que partir.
Nas malas Maria levava tudo muito simples. Ela continuava a mesma, simples, muito formosa, mas como estava feliz, irradiava uma luz que encantava quem a olhava .
Nela parecia que a felicidade tinha residência fixa, que tinha rosto, e cor, e muita luz. Era isso que Grand-Mère gostava de sentir em Maria.
A viagem de retorno para férias à aldeia foi semelhante á que Maria tinha feito anos atrás quando foi ter com o pai a Bordeaux , mas no sentido contrário.
Assim acompanhada, a viagem foi bem mais agradável e mais prazenteira, e em breve estavam em Lisboa.
Recordava aquele trajecto como se fosse no dia anterior, e não evitou que uma emoção a envolvesse, pois estava uma mulher diferente apesar de sentir que já na altura era forte e resoluta, pois tinha sido capaz de enfrentar situações novas e impensáveis sem nunca ter saído da aldeia , ter visitado a capital, ter viajado de comboio quanto mais de avião. O que fez foi tudo uma grande aventura. Sentia-se uma heroína, e baixinho segredou isso ao ouvido de Pierre :
“-Sinto que fui uma heroína, que achas”
Pierre agarrou na sua mão e concordou, mas disse que ela foi muito mais que isso, e que estava muito orgulhoso da sua mulherzinha.
Que seria dele se ela não se tivesse aventurado nessa viagem a ir ter com o pai?
Nunca se teriam encontrado. Seriam ambos uns infelizes cada um para seu canto( e dizia isto fazendo uma cara muito feia olhando a sorrir a cara dela, meio sério meio a brincar) .
Há coisas coisa que acontecem na vida que não podiam acontecer de outra forma, para que outras coisas lhes possa suceder como se tudo estivesse previsto. Vamos acreditar que sim.
Só faltava fazer a viagem até á aldeia, e para o efeito desta feita Fernando e Pierre, pensaram alugar um carro pois tinham muitas malas, e durante aquele mês pretendiam viajar pelo país a conhecer locais que nenhum dos três ainda conhecia. Seria mais prático e económico.
Fernando tinha saído da sua aldeia nortenha há bastantes anos, pois nunca tinha por lá conseguido feito vida. Deixou a mulher que acabou por morrer de pneumonia, assim como a mãe e a filha pequenina, esperançado com a promessa de voltar. A vida tinha-se sido igualmente madrasta percurrendo vales e montes, teve muita dificuldade em encontrar poiso certo. A filha nunca lhe tinha saido do coração. Voltava agora triste e inconformado pelo sucedido imaginando o que as três devem ter passado, não conseguindo evitar um arrepio por imaginar que ia entrar naquela aldeia de onde partiu tão miserável. Agora que regressava com algumas posses, não imaginava nem um pouco o que iria encontrar, mas sentia-se ansioso. Do passado nada podia resolver, mas queria viver com mais intensidade o seu futuro.
Fernando pelo caminho achava tudo diferente. Aparentemente o seu país tinha mudado, mas sabia que o desemprego e a pobreza continuavam a existir, pelas noticias que lhe iam chegando.
Ao lado daqueles homens que eram os amores da sua vida, Maria sentia-se feliz e era inundade por um turbilhão de questões do que podia acontecer entrasse na aldeia, limitando-se a observar a paisagem que práticamente desconhecia, enquanto pensava.
-Será que alguém a iria reconhecer ?
-Estaria tudo na mesma, a mesma gente, ou seria que as pessoas tinham emigrado ?
-E a casa, como estaria a sua velha casa, depois de todos aqueles anos fechada? Será que a tinham vandalizado, ou será que alguma tempestade a teria destruído nalgum inverno mais rigoroso?
Pierre ia fascinado com o percurso que fazia até à aldeia.
As terras nortenhas tinham um encanto que seduziram Pierre, que agora apreciava o cultivo dos vinhedos, que no Douro é extraordinário na simetria, no arranjo, em todo o seu conjunto, parecendo telas pintadas á mão por algum pintor prestigiado.
Ao entrar na aldeia, na rua principal àquela hora ninguém se via. Estávamos em meados de Julho , mês de muito calor e dias longos, mas na rua nem gato nem cão a passear. A porta da mercearia estava aberta e a do armazém onde Maria trabalhou também, sinal de que ainda estava a funcionar.
Com aquele calor ainda não era hora das velhotas se juntarem no largo a conversar. O café ao fundo devia ter gente, mas ficava fora de mão, com o calor estava tudo recolhido, com certeza já com ar condicionado, e quem trabalhava fora ainda não tinha chegado.
Havia de chegar uma altura em que Maria encontrasse a gente da aldeia.
Entretanto dirigiram-se para a sua velha casa, na rua estreita.
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