segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A minha imagem

Os anos passaram, parecem ter voado, e de repente ao olhar-me reparo que envelheci!
Por dentro, por vezes nem  sinto tanto que os anos tenham passado, até consigo esquecer os caminhos percorridos, os bons e os maus momentos, que estes deixaram-me marcas duras, danadas. O trabalho difícil, as noites mal dormidas, a educação dos filhos muitas vezes só, os passeios, as férias, as discussões silensiosas, mudanças de casa, as doenças, perdas de amigos…, as lágrimas…, o amor mal amado…, mal vivido, sofrido…, mal sentido!

Mas quando me olho ao espelho vejo um rosto cansado, diferente de quando era  jovem e moça, gasto pelas atribulações, sulcado de rugas, dos caminhos percorridos a medo, das incertezas, algumas alegrias, mas muitas angustias, muita ansiedade e sempre muito, muito medo…,  e muito pouco atrevimento e nenhuma  audácia!

Então fico desanimada, mais ainda, desiludida,  pois a imagem que vejo, é realmente o retrato de uma pessoa viva, realmente desgastada!
Detesto ver o meu rosto reflectido seja onde for, há mesmo dias em que me apetece que todos os espelhos e objectos análogos, desapareçam em meu redor e da superfície terrestre!

Portas, janelas espelhadas, ou seja o que for, que possa reflectir a minha imagem, o melhor é mantê-los bem á distância, que observar-me dessa forma longínqua, dá-me mais conforto e a sensação de uma beleza que se mantém ainda viva, afugentando defeitos e vincos, desmentindo um cansaço que existe, fruto do tempo e das vicissitudes da vida, mas que não quero aceitar porque não gosto, não me ficam bem, não me encaixam, parecem querer conviver eternamente mal comigo e eu teimo em não aceitar nunca como boa companhia…

Gostava de parecer sempre bem,  forte, fresca, airosa, e bela, decerto com imensa sabedoria, mais astuta do que sou, muito mais  inteligente, como nunca fui outrora, mais atenta…, mais interessante e mais bonita, tudo o que torna uma mulher diferente  eu gostaria de ter em quantidade e qualidade! Não tenho como negar, pois era uma vontade firme, mas fico como estou, quieta ...

Até pareço louca, como se isso fosse possível, sempre fugidia, esquiva e maldizente, em relação ao que os outros dizem e fazem, agora é que acordei para a vida, hoje que as forças me fogem, a energia é pouca, e a beleza que me resta, é a que a idade permite!
Hoje é que me veio á cabeça a vontade de fazer de tudo um pouco, ou quase tudo o que é possível uma mulher fazer:

- o proibido ou não, o correcto ou socialmente incorrecto, pois que me importa morrer pura, se morrer seca de saber, de conhecer, de nunca ter experimentado  sensações que existem e que o comum das mulheres todas experienciam normalmente?

-será que vou morrer sem conhecer, sem sentir, sem nunca ter vivenciado situações, para mim consideradas negras, estranhas, mas banais?
 - e se isso acontecer, será  assim tão importante?

Isto, esta vontade que tenho, estas duvidas, são o que sinto hoje, aqui sentada, pois não sei se seria mesmo capaz de sair deste meu canto…

Mas, que o desejo do desconhecido, me povoa o cérebro e me inquieta de vez em quando, é uma verdade…
Comportei-me sempre bem, estou convicta disso,( apesar de nem saber muito bem o que isto significa),tal qual  mandam as normas da sociedade, familiares e do meu país, como esposa, mãe, trabalhadora, cidadã, como mulher no mundo onde vivo.
 Não cometi exageros, nem abusos,  fui boa filha, boa mãe e boa esposa é o que penso, cuidei dos filhos, fui fiel, fui honesta..e tudo isto para quê? Que ganhei em troca, que recebi como recompensa? Certamente não tinha nada a receber, cumpri a minha obrigação! Mas passou tudo tão depressa , que agora estou  só e  sem nada !

Sei, sinto, que me falta fazer muita coisa, mil coisas banais ou não, que nunca fiz, que não sei se virei a fazer alguma vez, mas não sei por onde começar, nem mesmo se alguma vez vou começar!
 Para quê, valerá a pena conhecer esse mundo?
Anulei tanto a minha vida, dei tanto de mim sem receber nada em troca que agora até sinto preguiça envergonhada da procura!  Também acho que já passou o meu tempo !
Que vida vazia, pobre, pouco excitante, insípida, monótona, que desconhecimento de realidades mundanas, que medo do mundo..

Será que um dia, ainda vou crescer mais um pouco, ou simplesmente vou continuar a envelhecer…, e ficar assim sem saber o está para lá desse lado que nunca vi, nunca senti?

Ou será que é melhor assim, nunca ter visto, sentido, e deixar esse lado escuro quieto !

Serei sempre uma mulher incompleta…, a meio tempo !!

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