sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um dia diferente na praia

Sozinho, chega à praia a hora menos própria, exactamente quando o sol está a pique, um senhor já com uma certa idade, todo vestido de preto,  na cabeça um chapéu de levar à missa, e vestido com roupa um tanto inadequada para o local. Não muito alto, de óculos escuros, usava uma bengala, que dispensou para abrir o chapéu de praia amarelo e o espetar na areia onde achou o sitio mais correcto.
Instala-o junto ao mar, e por baixo coloca os seus pertences.  Ao lado estende uma toalha  deita-se ao Sol que brilhava intenso e forte.
Nada de cremes, que a sua pele segundo ele, é o que parece,  já não deve precisar de protecção, o que não é verdade,  a roupa sim, que é preta e o sol pode-lhe tirar a cor, e para isso carrega o chapéu para a proteger.
 Afinal, lê muito melhor sem óculos, também eles apesar do Sol, vão descansar para a sombra do chapéu.
Mas tudo isto por muito curto tempo. Afinal aquele sitio, escolhido pelo senhor vestido de preto, com um chapéu de sol  amarelo para lhe proteger a roupa preta do Sol, não podia estar ali pertinho a olhar o mar, aquele lugar não podia ser para ele nem, para o seu chapéu amarelo.
O nadador salvador mandou-o levantar dali e sair para outro local. Estava a ocupar a zona concessionada. Depois de bem instalado, mal se tinha deitado na toalha, nem chegou a ler nada,  tinha que pegar em todas as suas coisas  e mudar para outro lugar.
Mudou tudo, voltou a colocar as suas coisas à sombra do chapéu amarelo,  que teve que voltar a espetar noutro local, e sobre a toalha estendida ao Sol deitou-se, sem óculos escuros que guardou igualmente debaixo da sombra do chapéu. Decerto  a ver por este exemplo, deve ter todos  os seus pertences muito bem estimados.
Não permaneceu muito tempo na praia. Quando o sol começou a declinar ,  levantou-se da toalha e começou a arrumar todas as  coisas meticulosamente organizadas. Vestiu a sua roupa, não parecendo nada que estaria a sair da praia. De repente ao olhar tinha desaparecido do areal. Muito mais tarde ao final do dia, saindo da praia encontrei o senhor ainda a conversar com um outro homem mais ou menos da sua idade, em pé parecendo discursar, gesticulando animadamente virado para o mar. Naquele local estava a fazer o que devia, era para aquilo que se tinha vestido e arranjado. O outro sentado no banco ouvia-o atentamente. Ao lado, descansava calmamente o chapéu e a bengala.
O homem estava feliz.
Foi um dia de praia muito bom, e diferente.

Maria (cont)

Encaminharam-se para a ruela onde ficava a casa de Maria, naquele pequeno canto que em tempos, ela mantinha sempre em ordem como se fosse um pequeno jardim.

Tudo fechado, mas à volta da casa assim como no beiral da, parecia que um jardim de flores campestres e de silvas a tinha invadido sem pedir licença . Assim ninguém conseguiria lá entrar. A natureza tinha-se encarregado de proteger a casa pelo menos pela frente, faltava ver como estaria tudo lá por dentro e no pequeno quintal nas traseiras.
 Depois da algum sacrifício para derrubar todo aquele silvado, com o engenho de Fernando, ao entrar dentro de casa Maria verificou com o pai e o marido que tudo estava como deixou. Cheio de pó é certo, mas recordava  perfeitamente ao olhar a sala, o momento da sua saída daquela casa, num ultimo olhar, ao poisar as malas, os paninhos de renda brancos que colocara na mesa de centro, com a jarrinha e as flores de plástico em cima. Esfregara os olhos e jurara a si mesmo que não ia chorar, endireitara-se e pondo-se a caminho depois de fechar a porta, andou sempre em frente sem nunca mais olhar para trás. Queria muito encontrar o pai e ia conseguir. Estava resolvida.

Ao relembrar estes momentos sentia-se de novo uma grande mulher. Agora na aldeia, aquela casa, tudo lhe parecia pequeno, como um sonho que um dia viveu, mas ao mesmo tempo, tudo aquilo tinha sido muito importante para ela crescer e se tornar na mulher que era naquele dia.

Bastou aparecer uma pessoa na rua, que de repente começaram a surgir outras. Eram curiosas, que sem conhecer o carro nem as pessoas junto daquela casa se questionavam, e gostariam de saber quem era aquela gente nova e diferente, que estava rondando a casa que fora de Maria.

Uma mulher bonita assim, loira, muito bem arranjada, um belo carro novo, um homem daqueles jeitoso, belo como um príncipe, e outro que podia ser pai de ambos ou de um só, quem saberia, mas quem seria aquela gente, era o que todos queriam saber.

E questionavam-se uns aos outros, e as respostas tardavam em chegar.
De uma coisa estava o povo convencido, Maria devia ter-se perdido no mundo como o pai pois nunca mais dera noticias.

Deram um arranjo considerável à pequena casa, e instaram-se num hotel numa zona não muito distante.  Voltariam alivárias vezes para deixar vários assuntos resolvidos. ~
 Enquanto visitaram largamente várias zonas do país, que os três desconheciam, iam conversando o que fazer com a velha casa. Todos tinham achado o interessante para passar férias, além de que naquele sítio Maria e Fernando tinham as suas raízes, a mãe e a avó, e talvez com uma boa reconstrução, aquele fosse um lugar muito bom para no verão, ou primavera, toda a família, a combinar, poder alternadamente vir durante o ano a Portugal passar férias. Estavam entusiasmados com a ideia, o que os levava amiúde ainda mais vezes  à aldeia a estudar o local.

Um dia uma velhota mais curiosa e metediça, perguntou-lhes:
“-Oi meu Senhor, que mal pareça eu perguntar, mas comprastes esta casa a Maria, sabeis dessa rapariga? Saiu daqui há anos e nunca mais voltou, em busca não sei do quê, dizem que em busca de trabalho, ou do pai, coitado outro que tal, também desapareceu e nada dele, nem sombra nem de um nem de outro…., ambos perdidos neste mundo.Ninguém lhe arroubou a casa pois somos gente de bem e temente a Deus, porque meu senhor desaparecer e nunca mais dizer nada. Tá bem que o que tá aí tem dono, mas com isso ela partiu e não disse nada, era arredia, a rapariga....”

..como que interrompendo, Fernando respondeu ;
“-: Minha senhora eu sou o Fernando, o pai de Maria, então não me conhece, e a Maria é aquela jovem ali, com o marido, o Pierre. Não se preocupe agora eu e a minha filha estamos muito bem, e Pierre também. Viemos visitar a nossa aldeia a nossa casa e o nosso país. Agora que já temos posses, havemos de vir mais vezes. No futuro talvez passemos a vir muitas mais vezes pois vamos reconstruir aqui a nossa casa, mas vocês têm que passar a ser muito menos curiosas. Se pretendem saber uma coisa porque não perguntam em vez de inventar. Gostava muito de um dia poder ver os meus netos a correr e a saltar livremente por estas ruas, como não consegui ver Maria”

E continuou:

“-sei que podiam ter ajudado muito mais a Maria, ter sido muito mais generosos com ela, perseguia-na com por tudo e por nada, criticando tudo o que ela fazia. Em resumo foram como uma má madrasta. Não fosse ela boa rapariga, atilada e esperta e estava aí sabe-se lá como e onde, e sabe que mais, já lhe disse mais do que devia. Não me faça soltar a lingua que me arrependo e nunca mais aqui apareço nem com a Maria, nem com mais ninguém...e adeus casa..."

A mulher estava pasmada com tudo o que ouvia. Aquela mulher bonita não parecia nada a Maria que deixara a aldeia. Era uma jovem elegante mais bonita que nenhuma outra que alguma vez ela tivesse visto, com cabelo brilhante, mãos e pele de cera, muito cheirosa ao passar, e falava uma linguagem que por vezes parece que ninguém entendia. Finura no trato que só vendo. A mulher não tinha onde, nem como entender tudo isto, mas ao mesmo tempo estava muito feliz por todos eles, e desatou dali a andar que tinha muito o que contar. A ultima coisa que queria era que aquela gente desaparecesse novamente da aldeia.

No armazém, o antigo patrão dizia a toda a gente que ela merecia aquilo e muito mais, sempre a achara muito competente e trabalhadora. Se fora à luta e vencera tanto melhor para ela. Sentia-se também um vencedor e orgulhoso por um dia a ter tido como empregada(ainda que sendo um explorador). Agora na aldeia, todos tinham coisas maravilhosas a dizer de Maria, o que não deixava de ser curioso.

Os rapazes no café ao vê-la passar achavam-na mais que bonita, e interrogavam-se:
“-Onde teria ela ido buscar tanto encanto e formosura”

Eles não sabiam, mas o amor faz milagres. Ela sempre fora muito bela, só tivera sempre um grande nevoeiro a envolvê-la, protegendo-a e encobrindo-lhe a beleza. Tinha sido o seu grande guardião.

Maria(final) 9

Grand-mére Sissi, todos os dias pelo telemóvel lhes dizia que morria de saudades e que se eles não regressassem depressa à quinta, já não sabia como controlar o pessoal que abusava do sub-capataz. Que andava por lá tudo à deriva.
 Fernando ria-se destes seus telefonemas, pois sabia que estava tudo sob controle. Até tinha nascido uma vitelinha e mesmo à distancia, a pessoa que ele tinha deixado encarregada da quinta estava a dar muito bem conta de tudo e mantinha-o muito bem informado. A senhora é que tinha muitas saudades de todos eles e queria o seu regresso rápido.

Sem eles na quinta, os restantes netos e sobrinhos andavam mais à deriva, e até os cavalos se  ressentiam do trato, das cavalgadas e talvez os carinhos de Maria, por serem um pouco diferentes, mas só isso. A Grand-mére é que sentia falta das conversas que tinha com Maria à hora do chá, das suas atenções, das suas gargalhadas matinais. Até o galope e o trote dos cavalos na cerca era diferente. Desde que ela partira algo tinha mudado na quinta, estava realmente desejosa que eles regressassem e tudo voltasse á normalidade.

Voltando à aldeia, antes de partir, Fernando e o casal deixaram entregue a um empreiteiro responsável, a planta de como queriam que fosse reconstruída a sua casa na aldeia. Haveria necessidade de voltar várias vezes para conduzir as obras e depois de orientar o responsável tudo seguiria em frente sem problemas. A seu tempo tudo isso se faria.

Numa visita ao cemitério, um adeus e umas flores simbólicas à mãe e á avó que tudo fizeram para criar Maria.

Fernando não tinha  porque pedir perdão. Estivera doente, e depois tudo se complicar. Simplesmente um eterno obrigado. e uma imensa saudade inundaram o seu coração.

Maria ainda sente saudade do colo e do amor da avó, que da mãe, a saudade nunca tem limites. Ali junto delas promete voltar todos os anos, e deposita a seus pés um ramo de rosas orvalhadas.

Ela precisa acreditar que a mãe e a avó estão com ela todos os dias, em tudo o que ela diz e faz, que elas lhe dão força, que a ajudam a decidir que lhe fazem companhia desde sempre em silêncio. E parte dali com esse sentimento ainda mais forte.

Chegou finalmente o dia de regresso a Bordeaux, França. As malas de novo preparadas estavam bem mais recheadas do que quando chegaram, também porque Maria, e os seus homens,  tinham muitos presentes para levar para todos os que ficaram, e muito mais do que quando um dia tinha  partido sozinha daquela casa para se encontrar com o pai.
Curiosos, os aldeãos apreciavam toda essa movimentação já com alguma saudade de os ver partir. Durante aquele mês tinham-se habituado à sua presença, e sabiam que já lhes iriam sentir a falta. Aquele ano ia ser dificil de passar. Sem eles, aquele pequeno largo na ruela, iria ficar vazio e sem graça.

A promessa de voltar enchia-os de alegria, mas tinham de esperar.
Tinham todos, contudo aprendido muito com a história de Maria.

A maior novidade, deu-a Maria a todos os presentes, no primeiro jantar quando estavam  reunidos pela primeira vez, após a grande viagem à aldeia.


Maria e Pierre iam ser pais. Da próxima vez que voltasse à sua aldeia, já levaria consigo um filho seu e do seu amor.


Maria considerava-se feliz e ia lutar com todas as armas que possuia, para manter a sua família feliz.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O menino que não era mau

Todos julgavam que ele era mau, era o que o Zé pensava, porque quando passava na rua  a correr, gritava bem alto:

"-Eu sou o Zé bonitão
   alegre e engatatão,
   cuidado quem por mim passar
   ou se arreda ou leva com um pau
   porque sou mau, sou mau, muito mau !

 Coitado, o Zé não era nada mau, ele  vivia numa casa de cartão, bonita, toda pintada de azul e amarelo com flores e riscas, igaulzinha ao seu pijama, com um catavento no telhado que  girava o dia inteiro, para equilibrar a casa nos dias de maior ventania, dizia ele, mas não deixava de ser de cartão,  e então com medo dos larápios e rapazes destruidores, que de noite costumavam fazer estragos pelas redondezas, resolveu inventar aquela cantilena, que imaginem, afastava toda a gente incluindo as raparigas bonitas, do seu caminho. De que lhe adiantava ser bonito e engatatão se depois lhes dava com um pau, às raparigas, por ser mau.  A avó bem lhe dizia, não cantes isso óh Zé, assim ninguém te  leva a sério, e vai trabalhar que já tens idade para isso.
 Alguma coisa devido ao seu excessivo medo, tinha de mudar: ou a cantilena, ou a casa, ou o próprio medo, afinal já não era mais uma criança, mas também com uma casa de cartão....
  Naquele dia não pensou em mais nada. Ia arranjar um trabalho. O ideal era mudar o tipo de casa e de cantilena também.
  Ninguém tinha uma casa de cartão como a sua,  e com essa casa,  mesmo  com trabalho e mudando a cantilena ninguém o ia querer para marido, disso estava certo, foi a conclusão a que chegou.
  Ia contruir uma casa de madeira. A partir desse dia, em  vez de passar o dia pela aldeia a passear e a cantarolar, ou deitado á sombra da sua casa de cartão, começaria a árdua tarefa de constução da sua nova casa, antes que o vento feroz a  levasse  pelo ar, ou alguém de má fé lhe pegasse o fogo.
 Logo de manhã começou a subir á montanha para começar a recolha dos toros de madeira com que havia
de construir a sua nova casa. As pessoas habituadas a verem-no só a preguiçar e a cantarolar, já muitas vezes comentavam entre si, que um dia ele iria ficar na rua e não lhe dariam guarida porque ele não queria era trabalhar, desconhecendo um pouco os seus receios, achavam agora naquela atitude que ele tinha tomado juizo.
  :-"Temos homem", era o que muitos diziam.
E  o Zé, que ganhara um pouco de juizo porque um dia em sonhos, quem sabe, algum anjo lhe dissera que sua casa em madeira seria muito mais segura, e não seria a sua canção idiota que afastaria os ladrões e malfeitores, pois com ela afastaria qualquer um, começando ele por cantar uma nova canção:

 -:Eu sou o Zé guardião,
    guardo tudo até o feijão,
    sou muito trabalhalhador,
    alegre e sedutor,
    quem me quiser visitar
    bate á porta e pode entrar.

Sentia-se muito mais feliz agora, enquanto construia a sua nova casa e ia cantando a sua nova cantiga.
"-Olá  Zé tás bom, a tua casa está a ficar muito bonita"
Eram só elogios que recebia. Tinha e certeza que uma nova etapa na vida o esperava.

É bem verdade que a força está dentro de cada um, não adianta ter medo ou esconder-se atrás seja do que for, o que é preciso quando surge um problema é enfrentá-lo, que ele de uma forma ou de outra há-de ter sempre uma solução.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Retorno à adeia (Maria de férias)7

Grand-Mère Sissi, como já lhe chamava Maria há muito tempo, andava numa agitação de um lado para o outro. Os netos iam viajar para Portugal. Pierre e Maria em breve partiriam com Fernando para visitar a aldeia onde ela nascera e vivera anos de solidão.
Fernando o homem que há anos lhe aparecera na quinta e ela acolhera amavelmente em troca do trabalho incansável que ele fez de recuperação da sua quinta e toda a vinha e estábulo, tinha todo o direito de voltar à sua pátria e voltar a ver a sua terra, a sua gente, as suas coisas, as suas raízes, a sua aldeia, ainda que tudo isso lhe fosse custar muito. Queria muito a esse homem, tanto como a um filho, sobretudo depois que Pierre casou com Maria.
As malas estavam prontas , e  dona Sissi sentia um frenesim constante, pois tinha a certeza que iria passar sem eles, dias tristes como há muito já não se lembrava de passar.

Iria ter muitas saudades de todos, mas sobretudo de Maria, das suas conversas, das sua risadas felizes quando a acompanhava à hora do chá. Já não era capaz de fazer nada sem lhe pedir opinião. Ia sentir falta do seu sorriso alegre, das suas gargalhadas pelo quintal, da sua companhia e atenção constantes.

Até o chilrear dos cavalos quando partiam ou chegam de uma cavalgada com o Pierre e Maria era diferente, também ao animais iriam sentir a ausência de todos, estavam realmente habituados demais a eles para os ver partir mas tinha que ser. Aquele mês estava programado há muito e chegada a hora por muito difícil que fosse a despedida tinham que partir.

Nas malas Maria levava tudo muito simples. Ela continuava a mesma, simples, muito formosa, mas como estava feliz, irradiava uma luz que encantava quem a olhava .

Nela parecia que a felicidade tinha residência fixa, que tinha rosto, e cor, e muita luz. Era isso que Grand-Mère gostava de sentir em Maria.

A viagem de retorno para férias à aldeia foi semelhante á que Maria tinha feito anos atrás quando foi ter com o pai a Bordeaux , mas no sentido contrário.

Assim acompanhada, a viagem foi bem mais agradável e mais prazenteira, e em breve estavam em Lisboa.

Recordava aquele trajecto como se fosse no dia anterior, e não evitou que uma emoção a envolvesse, pois estava uma mulher diferente apesar de sentir que já na altura era forte e resoluta, pois tinha sido capaz de enfrentar situações novas e impensáveis sem nunca ter saído da aldeia , ter visitado a capital, ter viajado de comboio quanto mais de avião. O que fez foi tudo uma grande aventura. Sentia-se uma heroína, e baixinho segredou isso ao ouvido de Pierre :

“-Sinto que fui uma heroína, que achas”

Pierre agarrou na sua mão e concordou, mas disse que ela foi muito mais que isso, e que estava muito orgulhoso da sua mulherzinha.

Que seria dele se ela não se tivesse aventurado nessa viagem a ir ter com o pai?

Nunca se teriam encontrado. Seriam ambos uns infelizes cada um para seu canto( e dizia isto fazendo uma cara muito feia olhando a sorrir a cara dela, meio sério meio a brincar) .

Há coisas coisa que acontecem na vida que não podiam acontecer de outra forma, para que outras coisas lhes possa suceder como se tudo estivesse previsto. Vamos acreditar que sim.

Só faltava fazer a viagem até á aldeia, e para o efeito desta feita Fernando e Pierre, pensaram alugar um carro pois tinham muitas malas, e durante aquele mês pretendiam viajar pelo país a conhecer locais que nenhum dos três ainda conhecia. Seria mais prático e económico.

Fernando tinha saído da sua aldeia nortenha há bastantes anos, pois nunca tinha por lá conseguido feito vida. Deixou a mulher que acabou por morrer de pneumonia, assim como a mãe e a filha pequenina, esperançado com a promessa de voltar. A vida tinha-se sido igualmente madrasta percurrendo vales e montes, teve muita dificuldade em encontrar poiso certo. A filha nunca lhe tinha saido do coração. Voltava agora triste e inconformado pelo sucedido imaginando o que as três devem ter passado, não conseguindo evitar um arrepio por imaginar que ia entrar naquela aldeia de onde partiu tão miserável. Agora que regressava com algumas  posses, não  imaginava nem um pouco o que iria encontrar, mas sentia-se ansioso. Do passado nada podia resolver, mas queria viver com mais intensidade o seu futuro.

Fernando pelo caminho achava tudo diferente. Aparentemente o seu país tinha mudado, mas sabia que o desemprego e a pobreza continuavam a existir, pelas noticias que lhe iam chegando.

Ao lado daqueles homens que eram os amores da sua vida, Maria  sentia-se feliz e era inundade por um turbilhão de questões do que podia acontecer entrasse na aldeia, limitando-se a observar a paisagem que práticamente desconhecia, enquanto pensava.

-Será que alguém a iria reconhecer ?
-Estaria tudo na mesma, a mesma gente, ou seria que as pessoas tinham emigrado ?
-E a casa, como estaria a sua velha casa, depois de todos aqueles anos  fechada? Será que a tinham vandalizado, ou será que alguma tempestade a teria destruído nalgum inverno mais rigoroso?

Pierre ia fascinado com o percurso que fazia até à aldeia.

As terras nortenhas tinham um encanto que seduziram Pierre, que agora apreciava o cultivo dos vinhedos, que no Douro é extraordinário na simetria, no arranjo, em todo o seu conjunto, parecendo telas pintadas á mão por algum pintor prestigiado.

Ao entrar na aldeia, na rua principal àquela hora ninguém se via. Estávamos em meados de Julho , mês de muito calor e dias longos, mas na rua nem gato nem cão a passear. A porta da mercearia estava aberta e a do armazém onde Maria trabalhou também, sinal de que ainda estava a funcionar.

Com aquele calor ainda não era hora das velhotas se juntarem no largo a conversar. O café ao fundo devia ter gente, mas ficava fora de mão, com o calor estava tudo recolhido, com certeza já com ar condicionado, e quem trabalhava fora ainda não tinha chegado.

Havia de chegar uma altura em que Maria encontrasse a gente da aldeia.

Entretanto dirigiram-se para a sua velha casa,  na rua estreita.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Pinóquio era outro (cont)

 Gianni lá foi aos saltos estrada fora, com a cabeça cheia de questões para colocar ao governador.
 Ia entusiasmado, mas ouvira muito bem o que o pai lhe dissera, e no regresso contava trazer-lhe noticias bem agradáveis.
 Chegado à casa grande bateu ao portão. Não tinha muito que enganar, toda a gente da vila sabia que era ali que vivia quem manda lá na terra. Veio logo alguém que muito agradado pela sua presença e mais ainda depois de o ver tão colorido, o mandou entrar entre gargalhadas.
 Estava combinado entre os guardas deixar entrar o miudo, pois pensaram entre eles que ainda se haviam de divirtir à sua custa, e o melhor ainda, meter-lhe um cagaço, que nunca mais se havia de querer meter com eles, e ainda havia de levar o recado para os outros da sua idade e não só...,diacho de miudo atrevido.
 Colocaram-no no cimo de um banco bem alto, e mandaram-no falar.
 " :- Vá lá miudo, diz então que te tráz aqui, que queres saber,que aqui o representante do senhor governador está á tua disposição  e nós também, pois não queremos que vás daqui com duvidas, entendido "
   Em cima daquele banco, vestido daquela forma, Gianni parecia estar num palco, fazia gestos, expunha as suas duvidas com tanta elequência, que mais parecia estar a fazer  um discurso reinvindicativo, e não um conjunto de perguntas. Sabia mais daquilo que dizia, que alguns guardas que o escutavam.
  Era um miudo esperto e estava inteirado de coisas que nem devia, sabia demais para a idade, mas não deixava de ter graça ouvi-lo falar assim vestido daquele jeito. Sentaram-no então numa cadeira enorme que parecia um rei e começaram a rodopiar à sua volta, para se divertirem.
  Naquele dia o guarda chefe estava bem disposto, e a vida ia tão mal, que para aliviar a tensão resolveu gracejar com o garoto até se fartar.
   ":- Ora deixa cá ver, a tua mãe não tem ordenado, a minha também não, e nenhuma tem, é proibido, não sabias ?", e riam-se todos.
  .
":-As familias partem da vila, ora pois, porque há-de ser, porque vão visitar as suas familias e por lá ficam porque é o que desejam, pois onde achas que vão para o céu, ou para o fundo do mar....? Não, um dia destes voltam, vais ver, mais contentes e felizes que nunca"
  
":-Porque paga o teu pai impostos, porque todos pagamos, e muitos, devias saber quanto paga o governador, e eu, andamos todos de bolsos vazios muito piores que o teu pai..." e continuavam a rir o que incomodava Gianni, pois o assunto era muito sério.

De repente enquanto respondiam e riam ás gargalhadas, Gianni reparou que o nariz dos guardas não paravam de mudar de tamanho. Cresciam, cada vez que afirmavam algo e assim ficava! Pareciam doidos.
 Começou a esfregar os olhos , a ver se era impressão dele, mas não. Estavam a mentir e a divertir-se com ele.
 Saltou da cadeira onde o tinham sentado, pôs-se a correr e por mais que o chamassem e lhe dissessem "então não queres saber mais nada", ele só corria e pensava "já sei tudo".
 Chegou a casa ofegante e disse ao pai de uma vez  só.
 :- Enquanto me explicavam tudo, o nariz crescia aos representantes do governador. São todos mentirosos, eu vi-lhes o nariz a crescer, se não sairmos daqui como os vizinhos da vila, tudo o que ganhares vai para o governo, a mãe nunca vai receber salário, tu nunca vais ter direito a votar, pois só vota quem o governo entende,  e vem lá um periodo de greves, fome, e muita miséria e ficaremos muito pior que estamos agora.
  Acabaram por emigrar em 1920 para S. Paulo, Brasil, que chegou a ser identificada como uma "cidade italiana" no inicio do seculo XX, onde as suas vidas não foram muito facilitadas ,nem a do Gianni, do Carlo nem a da mãe Giulia, mas onde com muito sacrificio e trabalho duro realizaram ao fim de alguns anos a compra de uma casa de habitação com um pequeno quintal, onde de um lado Gianni vendia móveis que fazia e concertava outros que lhe levavam e ao lado a mãe tinha um pequeno armazém, onde vendia um pouco de tudo mas essencialmente tecidos coloridos e vistosos.
 Gianni estudou e veio a ser um grande jornalista.

domingo, 24 de outubro de 2010

Agradecimentos

“O CAMINHO ARDUO DE ISABEL desde 1950 ”

Dedico este livro :

Ao João e à  Zé,
os meus filhos.
porque existem.
Eles são o meu Sol e a minha Lua.
a minha única paixão.
os  amores da minha vida.
O meu futuro.
Obrigada pelo carinho, pelo enorme apoio, pela força sem limites.
Um obrigado muito especial ao João, ele sabe porquê.


Para o Tó
O meu tudo.
Um outro amor
Sempre presente,
Mesmo quando está ausente.
Obrigada pela vida!
A nossa vida.


Dedico-o também a todas as mães do meu país e do mundo.

E à minha Editora sem a qual não estaria aqui hoje, e sem a qual Isabel não passaria de um sonho.




AUTOR: JOÃO VASCO COELHO

DO LIVRO – “REVISÃO DA MATÉRIA DADA “ www.lulu.com



PREFÁCIO

“Emoção básica”

No fundo do fundo,

há um medo sem fundo,

que nos afunda

sem medo de se perder.

Vai-se fundo mas não longe

com este medo, ir ao fundo

não é muito longe

para quem tem medo de se perder.

Quem se perde por ter medo,

vê ao longe um rochedo

que não se sabe viver;

a perna curta, o verbo tosco,

o fundo tão perto, rubor no rosto -

o que se há-de fazer ?


No fundo, no fundo,

Este medo sinédoque tirana e sempre presente,

É um estranho sentido de destino

Que nos impele a andar para a frente,

Fazendo-nos viver.


      NA contra capa......

      DA obra essencial de FERNADO PESSOA
     
     "POESIA DO EU"     edição  de Richard Zenith


        Quando fores grande --dorme!--
            Este conto contarei....
        Por ora na noite enorme
            Enquanto te embalarei
        Ignora tudo, criança, dorme,
            Dorme que eu velarei....           
                                                                          27-1-1909

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Pinóqio era outro

 Ninguém ao certo sabe porque lhe chamaram Pinóquio, pois era um menino como todos os outros, que se chamava Gianni, e que para a altura apesar das dificuldades com que vivia a familia, e de nem todos estudarem na altura que os tempos eram de crise, os pais obrigavam-no a ir à escola todos os dias. Apesar de pobres, queriam que quando fosse homem, soubesse mais que eles e pudesse escolher uma profissão, ainda que na altura os jovens da vila, e suas familias estivessem todos de  abalada, pois não havia recursos naturais, e a inexistência da indústria era completa. 
 A Itália que era o país de Gianni, em 1920 era ainda um país muito jovem, quase completamente rural, com alto indice de analfabetismo e uma estrutura de impostos desigual criava grandes sobrecargas para o povo italiano , onde o Papa se recusava a reconhecer o país como país. Italia era um país pobre, em crise e insatisfeito, com extrema pobreza que enfrentava difíceis problemas.
 A repressão do governo deu origem ao aparecimento de bandidos e na anarquia entre os camponeses que cada vez mais pobres ao sul resolvem emigrar  para o Brasil ou Estados Unidos.  Estes camponeses sem terra eram arrendatários, ou, na melhor das hipóteses eram donos parciais da terra que ocupavam. Mas os impostos que pagavam e rendas eram diversas, altas e insuportáveis.
  Por ser uma hitória ficticia, não se refere aqui a influência de paises como Alemanha, França,Reino Unido, Autria-Hungria, e outros, na fundação do país que é hoje a Itália. 
 Gianni era um miudo muito atilado, mas também impertinente e regila,  e se por um lado queria saber tudo,  chegando a saturar o pai Carlo, com  tantas perguntas, tantas que a muitas  nem lhe  sabia responder, pois não tinha conhecimentos nem forma de lhe explicar questões tão ousadas e pertinentes por se viverem tempos politicos conflituosos, por outro lado preocupava-o, que se via com medo de o ver tão interessado com assuntos que  não eram próprios para a sua idade.
Por mais que o mandasse calar, mais  lhe aguçava a vontade de falar. Gianni não se calava , e todos os dias falava  com interesse renovado dos mesmo assuntos:
"-: porque chegava a mãe sempre tão tarde a casa e ele nunca a via, e não faziam as senhoras o trabalho, se eram mulheres como elas, já que não lhe pagavam. Também tinham filhos como ele e elas sim, podiam estar com eles todos os dias, e deitá-los á noite e ele nunca estava com a sua mãe."
":-porque não recebia a mãe dinheiro, se trabalhava como o pai e até chegava mais tarde que ele a casa, porque não recebia dinheiro, só roupa usada , fruta ou legumes."
":-porque tinha o pai que pagar ao governador dinheiro pelo seu trabalho, se pagava os materias, e só levava o justo valor pelas horas que levava a trabalhar. E nem sequer conseguia trabalho todos os dias, seria justo?? "( o miudo não concordava com isto)
":-porque andavam aos pares pelas ruas os guardas e as pessoas se metiam em casa ?""
":-porque estavam as pessoas a sair da aldeia e a ir não sabia ele para onde com os filhos e nunca mais apareciam os jovens da vila pela noite?"
":- porque ia tanta gente presa, e não trabalham, ninguém mais trabalha nas terras?"
Perguntava muitas vezes ao pai
" :- e que vou fazer eu quando crescer, não quero pagar do meu trabalho ao governador ?E se eu não pagar o que me aconteçe ?"
":-porque não vai quase ninguém á escola?"
Gianni ficava com os ouvidos cheios de peguntas sem saber o que responder ao filho.
Tinha muito medo que lhe acontecesse algo ao seu.
Eram tantas as perguntas e todas tão importantes, que também ele gortaria de ter respostas certas para todas elas.
Só tinha Gianni, e Giulia a mulher. Já tinha sido pai um pouco tarde e não queria por nada que um dia pela lingua ele fosse castigado ou quem sabe  preso. Era tão pequeno e já tinha ideias de gente grande, tudo porque estava sempre muito atento a tudo, e  longe da mãe,  o via a ele contantemente curvado sobre a banca de carpinteiro!
 Volta e meia quando ouvia passadas marcadas ao longe na rua ficava á escuta. Dizia-lhe que os guardas faziam rusgas em silêncio pela vila, lado a lado.Só se ouvia o eco do bater dos tacões das suas botas nas pedras das ruas, e nessas horas as pessoas  se recolhiam. Ele ouvia em silêncio e o seu coração parecia querer sair-lhe do peito, a querer-lhe dar-lhe algum sinal !
 Vivia-se tempos muito dificeis. Era a época da primeira guerra mundial e a Itália proclamou-se neutra, mas depois uniu-se aos aliados pelo Tratado de Londres.  Com tudo isto Mussolini é convidado pela burgesia que apoia maciçamente o fascismo a formar um novo ministério.
 Mas condições politicas injustas ou repressivas, condições de vida ruins, disturbios laborais e maus tratos nas poucas industrias existentes nas zonas urbanas, enfim e todas as situações já enumeradas anteriormente tornavam cada vez mais insustentável a vida campestre de Alessandria ao sul de Itália. E nem todos os cidadãos tinham direito ao voto.
 Por mais que trabalhasse, o salário do pai  mal dava para sustentar a casa, apesar de ter a ajuda da mãe que cuidava da casa de algumas senhoras mais abastadas  da vila, tratando-lhes da cozinha e das roupas, ganhando em troca alguma comida sobrante e roupas dos filhos ou dos marido, ou até delas, e o mais importante legumes das suas hortas, que ela própria ajudava a cuidar, mas que tudo junto era insignificante! A mulher passava o dia fora  e á noite sempre que chegava a casa quase sempre encontrava o filho a dormir o que o revoltava, e a entristecia a ela, mas deixava os pais impotentes sem nada poder fazer.
 Giulia lamentava-se disso. Com o marido já velho e cansado por se manter todo o dia apoiado ao cerrote,  ao martelo  e á banca de carpimteiro, no entanto, ficava ainda pior, nos dias em que isso não acontecia  pois era sinal que o trabalho faltava.
 Vivia-se um tempo de muita crise. Não havia dinheiro a circular e o pouco que havia, seu de direito, os governadores, encarregavam-se de obrigar os cidadãos de o entregar  como contribuições de trabalhos feitos ou prestados.
 Ou se trabalhava e depois se pagava  impostos ao Estado, ou não se trabalhava por não haver o que fazer, e vivia-se  igualmente na mais profunda  miséria.
 Os pais de Gianni viviam em sobressalto com ele, pois achavam que o filho era inteligente demais, questionava demais sobre assuntos perigosos para a época, e de vez em quando havia pessoas sobretudo homens que desapareciam e nunca mais se viam por lá. Eram os fomentadores de greves socialistas e comunistas que trabalhando mais nas zonas (poucas) fabris, que por ali também já iam aparecendo, pelo menos era o que se comentava á boca pequena. 
Gianni resolveu que ainda haveria de dar um grande politico, e resolver muitas questões da sua vila, e sem dizer ao pai conseguiu encher-se de coragem, enfrentar os guardas que costumavam bater pé pelas ruas de Alessandria. Encheu o peito de ar e disse  de uma vez só:
"- Tenho muitas questões para colocar ao nosso querido governador, será que poderiam marcar-me uma audiência para me receber. Estrei disponivel a qualquer hora assim que sua EXª, ou um seu representante me possa receber. Estarei aqui amanhã para me darem. Obrigada."
 Os guardas olharam-se atordoados sem saber o que dizer. Um miudo tão pequeno com aquela conversa.
 Disparate. Mas chegados ao quartel comentaram ao comandante que lhes disse:
"-deixa lá vir o miudo que se borra aí todo de medo, vai aprender a não se meter com gente crescida,
ah ah ah ah ah ."
O pai de Gianni quando soube, não conseguiu de forma alguma demover o filho desta intençao. Era uma criança, mas muito decidida, e assim para poder através do seu aspecto, mostrar ao governador que ele falava com uma criança  que só queria ser esclarecida mas a quem podia dizer coisas simples, pegou num fato daqueles oferecidos á mulher e aos poucos transformou-o e pintou-o nas cores da seu país(Itália) e nas cores das flores do campo de Alessandria. Ficou mais bonito que algum outro que alguma vez tivesse sido visto. A ideia era distrair o representante que ia ouvir Gianni, para o fato, para não tomar tanta atenção no que ele estava a dizer e o resto ficaria nas mãos de DEUS.
Depois de arranjado, pintado e seco, Gianni com o fato vestido era o retrato vivo de um boneco, nem parecia um menino a sério. Tinha as cores de um jardim em plena primavera. Nesse dia Giulia ficou para o ver sair, e á porta junto com com Carlo, ao vê-lo partir aos saltos estavam orgulhosos do seu menino.
Estava lindo e vistoso, como nunca. Se a mãe não o visse naquela hora nem o iria reconhecer!
 O pai recomendou-lhe calma e ainda lhe perguntou ,
":-mas queres mesmo ir,"
":- claro, e é pra já..."
 Gritou ele já  a correr, sem ouviu as recomendações que o pai lhe fez meio a sério meio a brincar para não o assustar:
"-Porta-te bem e não abuses que podes ir preso, dizem que quando os meninos se portam mal no palácio, lhes cresce o nariz, e ficam assim para sempre até voltarem a dizer a verdade.....ouviste...mas ele já não ouviu nada, já ia a correr a perder de vista e para não perder o seu bonito boné vermelho, tirou-o da cabeça, e saltitava atirando-o ao ar fazendo dele um bola. Ia feliz como se fosse para uma festa, afinal imaginava que ia obter resposta a todas as suas dúvidas.

 E meio a rir meio preocupado, o pai veio para dentro aguardando por um final de reunião bem sucedido!
Seria que o seu filho iria ser bem recebido?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Meu tudo


Dito por ele daquela vez soou-me mal.
 Criticou-me com razão e não gostei do som que as suas palavras produziram em mim. Aquela frase que me disse, significava o que eu sabia muito bem que era verdade, mas não gostei de o ouvir ali repetido novamente. Considerava aquele assunto esquecido, encerrado.
  Pudesse eu voltar atrás e apagava de vez todas as palavras por mim ditas uma a uma, de forma que o tempo as desgastasse na memória de quem as ouviu em tempos e não as esqueceu, que há muito já não falava dessas coisas com ninguém, e recordá-las ali não me foi particularmente agradável. 
  Sabia que durante muito tempo o acusara insinuantemente, pois encontrava nessa atitude uma forma de me libertar da prisão e vivência mal amada em que vivia, da forma grotesca como as coisas eram feitas, da falta de sensibilidade, mas que me importava isso ali, agora, se ele era, e é o meu pilar, o meu refugio, o meu apoio, o meu tudo e o meu nada, a minha força, o meu companheiro, de tantos anos, de ontem, de hoje, e de amanhã.  
 Ouve-me e eu ouço-o atentamente, sempre com a mesma disponibilidade, com a mesma cumplicidade de sempre, como se a minha função fosse essa, a de o escutar a ele e ele a mim.
 As nossas refeições são agradáveis, não pela comida, mas pela companhia, que para comer qualquer coisa serve.         Quando saímos a almoçar ou jantar fora é sempre diferente. Nas festas somos sempre óptima companhia.
  Com a família (filhos) nem preciso descrever. Nas férias é sempre bom estarmos juntos, e conversando ou em silêncio a partilha é de paz e muita harmonia e é sempre com muita tristeza e porque não dizê-lo com lágrimas nos olhos, que o vejo sair no primeiro dia de trabalho.
 É sempre difícil ficar só, sem ele fica tudo mais frio, o vazio é muito maior e o silêncio é muito mais longo e profundo.
  Gosto de encostar-me a ele e em silêncio permanecer assim, fazendo dele o meu abrigo, sentindo-lhe o cheiro, o respirar, o bater do coração, e sinto que este encosto, esta nova forma de amar é bem mais forte mais sentida, mais divina, que o outro amor que reclamava ferozmente, que era carnal, pois este tranquiliza-me e dá-me paz.
  Por vezes zanga-se e fala mais alto, eu tenho medo, fico triste, tenho que esperar que lhe passe. Também tenho dias em que me zango e ele atura-me…
  Há dias em que faz e diz coisas que não gosto de ouvir, mas que posso fazer, temos um para o outro, tenho que engolir…
   Nos dias em que anda mal disposto, parece as mulheres no período da menopausa, também eu estou nessa fase e ele está comigo…
   Chega tarde e está ausente muitos dias, mas é por conta do trabalho. Longe vão as noites, as tardes e dias em que se ausentava como dizia “ porque tinha que ser” e me deixava sozinha e aos filhos. Agora e desde há muito, um carinhoso telefonema visita-me todos os dias pela hora de almoço.
    Aquelas “cenas tristes” fiz delas um embrulho bem fechado e atirei-as para o mar um dia quando viajamos até ao Brasil e fizemos juntos um passeio de barco. Espero que os tubarões tenham comido a caixa…
     Por onde ande há uma força enorme que me puxa para casa à sua espera, um abraço invisível sempre comigo, e mesmo á distância sinto que não me falta, que me entende sempre, que a sua voz se junta á minha e me apoia.
    Ele é o meu maior e melhor amigo, o meu companheiro, o meu marido, um pai maravilhoso, o meu amante, o meu confidente, e ultimamente faz tudo para ser o meu melhor par bailarino.
    Obrigada por me dares vida, que doutra forma já não era gente.
    Provavelmente.
   

   




quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Meio perdido na Suiça

Aquele telefonema já noite dentro apanhou-me de surpresa, mas este não era nada agradável deixou-me assustada, perplexa, de pés e mãos atadas, de facto sem saber muito bem o que dizer ou fazer ali no primeiro contacto, naquele momento senti o chão fugir-me debaixo dos pés.

Perdido numa cidade enorme da Europa (Suíça), sem dinheiro, sem telemóvel, sem conhecer ninguém, sem ter onde ficar, abandonado numa estação de comboios qualquer, o que lhe restava era dar-me um toque e falar comigo, e num ultimo grito de desespero dizer toda a verdade , dizer :- não sei que fazer, estou só, não tenho onde ficar, tenho medo, que vou fazer agora - e eu deste lado, meio paralisada e arrefecida pelo susto que me congelou de imediato, tentei inventar soluções todas improváveis, pois o mais certo era ele ter pela frente dias de falta de abrigo, longas caminhadas, frio , fome, e muita solidão.

Embrulhei tudo isso, e atirei para bem longe essas certezas, ou não, pensei que tudo isso podia ser pura imaginação e resolvi dar-lhe força, dizer-lhe que muita gente naquela hora estava muito pior que ele, e outros antes já lutaram por idênticas causas e conseguiram. Nada se consegue sem muita luta e muito sacrifício e há muitos anos atrás, atravessando montes e vales pelas noites cerradas, outros jovens para fugir á guerra do Ultramar e, ou, para trabalhar no estrangeiro como ele agora, e passar para lá clandestinamente, passavam martírios que só eles sabem, e de facto a maioria conseguia lá chegar.

Espero que ele consiga, sobretudo provar a ele próprio que se quiser é capaz de tudo, basta querer muito e lutar por isso.

Também perante os outros vai sentir-se orgulhoso e feliz , mas até que isso aconteça ainda tem um longo caminho a percorrer, muita fome que passar e quem sabe muitas noites sem dormir . Quem sabe muita vontade de desistir e fugir dali e nunca mais voltar, e isso é o pior erro, que desistir de uma batalha, é pior que a perder.

-Onde quer que estejas estarei sempre contigo, a minha voz, as minhas palavras de apoio estarão sempre contigo, pelo menos o teu espírito não estará com fome nem só, e sei que vais conseguir porque és forte e esta será a prova que precisavas para saíres desse canto cómodo onde te refugias desde pequeno, mais á tua vida madrasta e malvada.

-Agora estás na verdadeira luta e espero que venças esta batalha, porque a tua guerra terá muitas mais batalhas, esta é simplesmente a primeira, e eu quero que sejas um vencedor !


-Por favor não desistas .

Infelizmente soube mais tarde que desististe....

Será que vale a pena gostar de alguém assim, que nos consome, e destroi os sonhos...

Fotos do Goggle

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O meu dia de anos

Foi ontem que completei  58 anos de vida!
De manhã acordei com um beijo do Tó, e logo a seguir recebi uma mensagem do Pedro da Fame, meu querido amigo e professor de Salsa.
Muitos votos de felicidade recebidos, parabéns, algumas mensagens no Tmv e muitas no facebook, presentes, e todas aquelas manifestações próprias da ocasião. Gradualmente o dia foi-se passando mas antes
partilhei um bolo na Farmácia com as meninas, como gosto de lhes chamar, que me ofereceram algo tão simples, que considerei simplesmente simbólico, e á noite em Soure com os amigos da escola da Fame e também com os meus filhos, partilhei um outro bolo.
Era uma noite especial pois era a noite do arranque de uma aula de salsa da minha escola nessa localidade (no Finisterra bar).
 Foi simplesmente mais um dia, mas recebi mais carinho, fui mais mimada por todos, especialmente pelos que mais amo, os filhos e o companheiro de toda a minha vida, das horas boas e más.
  
Almoçámos juntos,  e além da pulseira de brilhantes (Tó), das sapatilhas (João), de uma Pandora e de um mimo para me enfeitar (Zé), o João resolveu rever todo o meu blogue!

 Fiquei deveras surpresa. Não esperava tanto em tão pouco tempo da parte do João, pois isso significou um grande sacrifício. Estou ansiosa por ver se consigo transformar a história de Isabel em algo importante, um livro, mas não sei se vai aparecer alguém que vá pegar na ideia.
  Para mim isso seria um sonho transformado em realidade.
  Os amigos estiveram mais presentes, mesmo que distantes e eu posso dizer que gostei.
  Ressalvo aqui o telefonema da minha mãe, que amo, que é como é, assim, com os enorme defeitos que tem, como eu tenho os meus, mas que é a minha mãe e que nunca se cansa de repetir que me adora, e eu sei que sim. Do meu pai neste dia, não recebi nenhuma mensagem devido ao seu feitio…



 Ontem gostei do meu dia de anos, mas gostaria que ele fosse mais longo, bem longo, tão longo que não tivesse fim, não pelos presentes, que esses nem preciso, nem pela idade não avançar mais, mas pelo carinho, pela atenção com que as pessoas me trataram, pela ternura que me dedicaram.
 Gosto tanto de me sentir acarinhada….

domingo, 10 de outubro de 2010

O ultimo dia dos 57 anos

Daqui a poucas horas completo 58 anos de vida!

Muitos dias de rotina, a ver passar o tempo, uns dias melhor que outros em busca de coisas diferentes que principalmente ultimamente conseguissem dar um sentido útil aos meus dias.

Não sei se consegui, nem sei se algum dia conseguirei o que pretendo.
Aquilo que sinto de mim, já o disse muitas vezes em textos anteriores, mas este ultimo ano foi de muita reflexão, ao meu jeito é certo, mas tentei buscar dentro de mim respostas para o vazio que me angustia, para a solidão que meu perturba cada vez mais!

De um modo humilde e muito simples, comecei então a escrever com palavras parcas, muito precárias o que me vai na alma, e gradualmente fui-me libertando de amarras, do que penso e desejo, de situações que me prendiam desde a infância, pelo menos é o que julgo quando escrevo esta frase….

Nasceu assim o meu blogue, O Saco de Nozes, para dentro do qual tenho despejado sonhos, desejos ocultos ou não, frustrações, alegrias, pensamentos de momento, ideias estranhas que me vêm á cabeça, e que gosto de deixar ali escritas, guardadas, e o mais importante de tudo, a história de ISABEL, uma menina triste da última metade do século passado, triste e só como nenhuma outra, sempre aflita e medrosa, preocupada demais com a família, que se transformou numa mulher ansiosa , com medo de tudo, mas com vontade de lutar pela paz , e pelo amor…, e que contra a sua própria felicidade lutou para construir uma família feliz “A SUA”…, era o que pensava!

Tantas coisas se passaram, mas este ano quero registar a minha depressão resultado do furto em casa, ainda no final do ano anterior que se reflectiu para este ano, a minha saída em Maio do Holmes e regresso em Outubro, visto que não me identifiquei com o Phive, as minhas aulas de Salsa com o Pedro vão muito bem, estou mais leve e solta, e a participação e ajuda na FAME vão de vento em poupa( vão agora começar as aulas no Finisterra em Soure porque eu o Tó conseguimos), e finalmente vai haver uma festa mensal da Fame também com a nossa ajuda. A primeira festa teve uma adesão fantástica e agora vai passar a haver uma festa mensal.

Aderi definitivamente ao facebook, fiz muitos amigos, passei a ir várias vezes dançar ao Wide, e admito que me sinto velha e cansada e que esse pensamento me desagrada terrivelmente! Ainda não aprendi a aceitar naturalmente a minha idade e isso faz-me mal…

Voltei a relacionar-me mais de perto com o João, que a esta hora está na Suíça á procura de trabalho! Eu e o Tó pagámos-lhe as viagens de avião e por nos ter mentido, espero que não tenha nenhum dissabor!

Adoro aquele menino, e queria muito que fosse feliz na vida….

Amanhã farei 58 anos…, se Deus quiser e eu creio NELE, ainda hei-de ter tempo para fazer, aprender e ver muita coisa bonita nesta vida….,muita coisa ainda me espera…., pois ainda agora o dia vai a meio da tarde…!

O ex-implante

 Finalmente retirei o implante que me causou uma parestesia no queixo e maxilar, um mau estar, tipo anestesia ou dormência permanente que me acompanha desde Março!

Na altura coloquei  dois implantes no lado esquerdo, para mais tarde colocar os respectivos molares, mas não tive muita sorte, a cirurgia não correu tão bem assim e fiquei dias seguidos com muitas dores, porque me tocaram num nervo, ficando até hoje com a zona maxilar meio anestesiada, paralisada com uma sensação tão desconfortável que nem sei bem explicar a sensação desagradável que sinto ainda !

Hoje passado que foi o dia da cirurgia, em que me foi extraído o tal implante que estava a pressionar o nervo do maxilar, e depois das dores um pouco atenuadas, sinto um certo alivio, ainda que a zona continue  ainda com a parestesia que ninguém sabe se alguma vez vai passar, o que significa que não sei se alguma vez vou voltar a sentir aquela zona como antes! Não sei como defenir este  fenómeno que sinto e tenho comigo e me transformou a vida  relativamente, e me incomoda constantemente!

Na altura paguei mil euros, para colocar dois implantes, mas  porque as coisas correram mal, perdi o dinheiro,não completei o trabalho,  já fui uma série de vezes á clínica para reuniões e consultas extra, fiz RX, TAC, tomei antibióticos e anti-inflamatórios, coisa que não faria se tudo tivesse corrido bem, além de que não teria sido submetida a esta segunda cirurgia, a toda esta tensão, eu que sou uma pessoa  ansiosa, e não vejo maneira de me ver livre deste problema e ter um centro de mastigação como toda a gente normal …!
Tive que ser examinada por este médico italiano duas vezes, e agora foi ele que me retirou este implante!
Em circunstâncias normais já teria há muito os molares de um lado e outro colocados no sitio !
Penso que devo ser recompensada...!
Sinceramente estou farta de implantes, de cirurgias, das dores e incomodos que causam, e de não ter molares!

Que tal uma placa postiça...hlnec.., vou pensar, quem sabe!




Tenho saudades de roer uma bela maça vermelha... quem sabe duas!

25 anos da Estudantina Universitária de Coimbra

O trinar das guitarras e das violas, o som inconfundível do fado e das canções de Coimbra, chegaram aos meus ouvidos como uma bênção, e um sopro de ar fresco... !
Durante duas horas estive calma e atenta, mais ainda, estive feliz e contente, ouvindo vozes e acordes que deliciosamente me fizeram recuar no tempo e recordar as minhas vivencias de estudante! Todas as pessoas que mais amo estavam ali, e também o meu sol,( meu filho) e a sua companheira, o que deixava ainda mais feliz!

Tudo estava  harmonioso, correcto,  perfeito e com ar muito saudável!                                                   Lindo!                                                                  
Como teria gostado também de ter participado em todo esse tipo de actividades estudantis, se me tivesse sido permitido, e se elas existissem no meu tempo de estudante, nesse frenesim  que me aquece a alma, e me faz transbordar de alegria! Mas nessa impossibilidade,  revejo-me agora em tudo o que ela faz, com uma emoção redobrada, na minha lua como lhe chamo para mim, essa filha  que amo tanto, que me acalma (como o luar que olho) e que tanto me orgulha,  que fiz questão de gravar para sempre na minha pele, junto com o meu sol (o meu filho) talvez porque sou um pouco louca!

Ela é uma apaixonada da vida académica, está presente em tudo, e ontem lá estava a familia, convidada por ela, a acompanhar o espectáculo de comemoração dos 25 anos da Estudantina Universitária de Coimbra, para  a apresentação de um novo CD duplo, com gravação em directo do mesmo, para  um DVD, naquela sala de espectáculos, Gil Vicente, como ainda lhe chamo, cheia de massa estudantil, e familiares, sempre com o mesmo entusiasmo, a mesma alegria, a mesma vontade de estar presente!
Uma emoção extraordinária, mas ao mesmo tempo, uma  calma e uma serenidade, que há muito não recordo sentir em momentos de reunião com tanta gente junta, talvez porque ali  senti  e vivi momentos muito unicos, sinceros, diferentes, talvez porque um outro tempo, uma outra idade se aproxima e toma conta de mim... !

A Estudantina festejava este aniversário com a energia e vigor próprio dos estudantes, a mesma irreverência conhecida de sempre dos estudamtes da  massa ACADÉMICA, que se apresentava vestida de gala,compenetrada,  muito competente, mais sábia, mais adulta, para o lançamento de mais um CD,(25 Anos de sonho e Tradição) apresentando este espectáculo, fazendo a gravação do mesmo para fazer um DVD inédito, que vai com certeza ser um exito! Estavam todos lindíssimos, com o seu traje de gale,  mais bonitos que nunca!
E o palco com o trabalho de luzes cruzadas e diversas cores, resultou em peno !

Acompanhados primeiro pelo Orfeão Académico de Coimbra, e mais tarde por  Victor Jara, entoaram e tocaram  fados de amor, originais, sempre divinalmente,  alguns com a irreverência estudantil habitual, que me transportaram em sonhos, me deliciaram  a alma , me fizeram voar de volta a uma  juventude longínqua, que eu  revivi de novo ali como se o tempo tivesse recuado anos!
Envolvida nesse sonho meio realidade, desejei com muita força, toda a força que me era possível, olhando sempre para aquele jovem, para quem ela e eu olhavamos intensamente, porque ambas lhe queremos muito, cada uma a seu modo,  que todos os fados que cantava como um rouxinol, que tudo aquilo que ele dizia cantando, fosse  para sempre verdade, para ele e para ela ....!

E  bem fundo de mim, constantemente, desejava sem pestanejar um instante, que juntos fossem para sempre muito felizes … Foi esse o voto muito intenso e forte que  pedi ali em silêncio para ambos,  que fossem eternamente muito mais felizes do que eu, que a felicidade é sempre pouca, e quem canta e toca assim, deve ter uma benção  e   ter  muita coisa boa para dar, que eu sei, ela terá muita para oferecer em troca !!

Foi um deslizar encantador de fados e canções de  Coimbra e de histórias da Estudantina! Anos que voam, canções e histórias  eternas que ficam e serão  contadas, cantadas e revisitadas eternamente, por todos os estudante que virão e que continuarão a dar alma e corpo á Estudantina Universitária de Coimbra!

Não foi possível para mim deixar aquela sala sem que as lágrimas me bailassem nos olhos, me inundassem o rosto, me magoassem a alma,  porque me é sempre nostálgico recordar os tempos de estudante !
A altura  em  que, de uma vez por todas,  se deixa a vida de estudante boémia ou não, e se parte para um outro mundo …,  ao encontro de uma outra vida, uma realidade bem mais dura, a do trabalho, da familia,  no coração de cada jovem que estudou  em Coimbra é sempre triste e nostálgica!
No coração de cada estudante que passa por Coimbra  fica um marco, que a história nunca mais deixa que se gaste, e a vida se encarrega que cresça e se embeleze com o tempo...!

A noite de ontem guardá-la-ei no baú das minhas memórias e para recordar, aqui deixo a que considero a balada do adeus a Coimbra, original da ESTUDANTINA,  mais bonita de todas... !

BALADA DA DESPEDIDA DO 5ºANO JURIDICO

Sentes  que um tempo acabou
Primavera de flor adormecida,
Qualquer coisa que não volta que voou,
Que foi um rio, um ar , na tua vida.

E  levas em ti guardado
 O choro de uma balada
 Recordações do passado
O bater da velha cabra.

Capa negra da saudade
 No momento da partida
Segredos desta cidade
 Levo comigo p´rá vida.

 Sabes que o desenho do adeus
 É fogo que nos queima devagar,
 E no lento cerrar dos olhos teus
 Fica a esperança de um dia aqui voltar
 
E levas em ti guardado
O choro de uma balada...
... 
....
Capa negra de saudade
No momento da partida....
 

  De:    António Vicente/ João Paulo Sousa/ Rui Pedro Lucas (original da Estudantina   Universitária de Coimbra)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O recomeço

nVou recomeçar, e no momento em que preparei de novo o saco, senti que nunca devia ter parado, e abandonado aquele espaço!
 Sair daquele local para mim, não foi uma grande solução!
 Todo o tempo que estive  fora daquele ambiente, afastada daquela gente, daquele convívio, parada sem fazer exercício, longe daqueles meus amigos, contribuiu também, para me derrubar ainda mais!

Mas na altura estava difícil, quase insuportável permanecer ali, vários factores ditaram o meu abandono, ainda que desde logo tivesse a certeza, que aquela perda, me fosse fazer muito mal, por ser mais uma,não uma qualquer, mas algo que preenchia parte dos meus dias, sabendo eu que mesmo arranjando uma boa  substituição mais acessivel, não seria nunca a mesma coisa...

.Senti falta daquilo tudo, especialmente do meu instrutor e amigo, das nossas conversas, de todos os minutos do treino, do suor, do esforço físico, da companhia e do seu apoio constante. Senti essa falta no segundo imediato em que abandonei o espaço, ainda que a revolta pela forma como fui tratada, pois pouco ligaram ao meu abandono na altura, tivesse encoberto essa mágoa enorme, a que tentei não dar importância!

Durante o treino  trocavamos confidências, dizendo verdades e mentiras, disparates diversos,  por vezes verdadeiras obscenidades, coisas que ali me permitia dizer, porque me desintoxicavam o espírito, enquanto transpirava e me esforçava o que conseguia, dando o meu melhor em cada exercício que me era exigido! Suava da alma e do corpo e tentava sair dali sorridente, feliz  e mais calma!
Os disparates jorravam como água da chuva, e mesmo nos dias em que chegava triste e deprimida, que eram muitos, ele tinha a capacidade, juntamente com o exercício físico, de me transformar numa pessoa mais alegre e disposta, graças ás benditas endorfinas …

Tenho saudades de tudo isso, dele e de tudo o resto, e agora que preparei o saco reparo, na sensação agradável que é voltar aquele sitio, ao encontro de tudo aquilo que já considerei um pouco como a minha casa!
Estou ansiosa para saber como vou ser recebida, curiosa para saber se algo mudou, se tudo está na mesma, pois eu sei-me diferente e a precisar de muita ajuda.

Tanto tempo parada, movimentando o corpo só com a salsa, medicada com anti-depressivos, fez-me ganhar peso, que gostava de perder, além disso preciso adquirir de novo mais agilidade e robustez…
Estou esperançada que vou conseguir, com a ajuda dele! Vou precisar de apoio e carinho e sei que posso contar com ele!
Vou voltar a encontrar velhos amigos, rever locais que gosto, e isso dá-me hoje uma certa esperança de que algo pode mudar!
EU !

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A minha imagem

Os anos passaram, parecem ter voado, e de repente ao olhar-me reparo que envelheci!
Por dentro, por vezes nem  sinto tanto que os anos tenham passado, até consigo esquecer os caminhos percorridos, os bons e os maus momentos, que estes deixaram-me marcas duras, danadas. O trabalho difícil, as noites mal dormidas, a educação dos filhos muitas vezes só, os passeios, as férias, as discussões silensiosas, mudanças de casa, as doenças, perdas de amigos…, as lágrimas…, o amor mal amado…, mal vivido, sofrido…, mal sentido!

Mas quando me olho ao espelho vejo um rosto cansado, diferente de quando era  jovem e moça, gasto pelas atribulações, sulcado de rugas, dos caminhos percorridos a medo, das incertezas, algumas alegrias, mas muitas angustias, muita ansiedade e sempre muito, muito medo…,  e muito pouco atrevimento e nenhuma  audácia!

Então fico desanimada, mais ainda, desiludida,  pois a imagem que vejo, é realmente o retrato de uma pessoa viva, realmente desgastada!
Detesto ver o meu rosto reflectido seja onde for, há mesmo dias em que me apetece que todos os espelhos e objectos análogos, desapareçam em meu redor e da superfície terrestre!

Portas, janelas espelhadas, ou seja o que for, que possa reflectir a minha imagem, o melhor é mantê-los bem á distância, que observar-me dessa forma longínqua, dá-me mais conforto e a sensação de uma beleza que se mantém ainda viva, afugentando defeitos e vincos, desmentindo um cansaço que existe, fruto do tempo e das vicissitudes da vida, mas que não quero aceitar porque não gosto, não me ficam bem, não me encaixam, parecem querer conviver eternamente mal comigo e eu teimo em não aceitar nunca como boa companhia…

Gostava de parecer sempre bem,  forte, fresca, airosa, e bela, decerto com imensa sabedoria, mais astuta do que sou, muito mais  inteligente, como nunca fui outrora, mais atenta…, mais interessante e mais bonita, tudo o que torna uma mulher diferente  eu gostaria de ter em quantidade e qualidade! Não tenho como negar, pois era uma vontade firme, mas fico como estou, quieta ...

Até pareço louca, como se isso fosse possível, sempre fugidia, esquiva e maldizente, em relação ao que os outros dizem e fazem, agora é que acordei para a vida, hoje que as forças me fogem, a energia é pouca, e a beleza que me resta, é a que a idade permite!
Hoje é que me veio á cabeça a vontade de fazer de tudo um pouco, ou quase tudo o que é possível uma mulher fazer:

- o proibido ou não, o correcto ou socialmente incorrecto, pois que me importa morrer pura, se morrer seca de saber, de conhecer, de nunca ter experimentado  sensações que existem e que o comum das mulheres todas experienciam normalmente?

-será que vou morrer sem conhecer, sem sentir, sem nunca ter vivenciado situações, para mim consideradas negras, estranhas, mas banais?
 - e se isso acontecer, será  assim tão importante?

Isto, esta vontade que tenho, estas duvidas, são o que sinto hoje, aqui sentada, pois não sei se seria mesmo capaz de sair deste meu canto…

Mas, que o desejo do desconhecido, me povoa o cérebro e me inquieta de vez em quando, é uma verdade…
Comportei-me sempre bem, estou convicta disso,( apesar de nem saber muito bem o que isto significa),tal qual  mandam as normas da sociedade, familiares e do meu país, como esposa, mãe, trabalhadora, cidadã, como mulher no mundo onde vivo.
 Não cometi exageros, nem abusos,  fui boa filha, boa mãe e boa esposa é o que penso, cuidei dos filhos, fui fiel, fui honesta..e tudo isto para quê? Que ganhei em troca, que recebi como recompensa? Certamente não tinha nada a receber, cumpri a minha obrigação! Mas passou tudo tão depressa , que agora estou  só e  sem nada !

Sei, sinto, que me falta fazer muita coisa, mil coisas banais ou não, que nunca fiz, que não sei se virei a fazer alguma vez, mas não sei por onde começar, nem mesmo se alguma vez vou começar!
 Para quê, valerá a pena conhecer esse mundo?
Anulei tanto a minha vida, dei tanto de mim sem receber nada em troca que agora até sinto preguiça envergonhada da procura!  Também acho que já passou o meu tempo !
Que vida vazia, pobre, pouco excitante, insípida, monótona, que desconhecimento de realidades mundanas, que medo do mundo..

Será que um dia, ainda vou crescer mais um pouco, ou simplesmente vou continuar a envelhecer…, e ficar assim sem saber o está para lá desse lado que nunca vi, nunca senti?

Ou será que é melhor assim, nunca ter visto, sentido, e deixar esse lado escuro quieto !

Serei sempre uma mulher incompleta…, a meio tempo !!