Nunca
Mar sem peixes a nadar, sem ondular a bater nas rochas,
sem se espraiar no areal, nunca
Montanhas, terras e vales, nus,
sem verde e água nos rios sem correr a dar vida ao mundo, nunca
Cidades, aldeias e vilas,
pátrias vazias, sem gente viva, a trabalhar, namorar, passear, nunca
Crianças sós, com fome, sem pais, sem família, sem rumo,
perdidas no mundo, nunca
Amor fingido, sem abraço e amasso, sem dar e receber no mesmo compasso, nunca
Mãos sozinhas, sombrias e tristes, nuas, vazias e sem enlaço, nunca
O sabor perdido do primeiro tudo
(beijo, abraço, enleio e partilha de corpos amantes), nunca
Bocas sem beijo, dado, roubado, cobiçado, lânguido e desejado, nunca
Corpos separados, sem amor,
sem o suor do cansaço do sexo amado, dado e recebido, nunca
Olhares vazios, perdidos,
sem anseios de ter, dar, roubar, possuir e oferecer, nunca
Nascentes nos montes, nos vales e colinas, sem água pura e flores a nascer, nunca
Céu sem sol, sem luar, sem estrelas na noite a brilhar,
mundo sem vida a crescer, nunca
Rosas sem aroma, bocas amantes sem paixão, sem delírio no beijar, nunca
Palavras sem som, prosa sem tom, poesia sem amor, nem cor, nem dor, nunca
S. João sem bailarico, sem manjerico, raparigas sem namorico, nunca
Casar para acasalar, parir um filho ao acaso,
só porque é hábito e chique, nunca
Mais guerras de Hiroxima, Hitler(es),muros da Berlim,
Cancro e Sida que destrói e mata, nunca
O meu jardim sem flores, a minha boca calada e seca,
a minha alma sem sonhos, nunca
A minhas páginas brancas, e eu olhá-las vazias e para sempre nuas e ocas, nunca
O meu corpo no outono da vida sem estremecer ao olhar o teu, nunca
O teu corpo forte, que o tempo como o meu envelhece,
sem aceitar o fôlego que parte, nunca
Que o passar do tempo não seja um ponto final,
a ponte que já não se atravessa, nunca
Que eu esteja sempre aqui ou ali,
mas não só e sem ti, nunca
Que os nossos beijos não deixem de ser abraços e as mãos cansadas enlaces, nunca
Que eu e tu não deixemos de ser gente que pensa,
se ama e unidos, sentirá eternamente, nunca.
Inês Maomé
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